Direito em Pós-Graduação

A pesquisa jurídica como catalisadora de inovação em épocas de crise

Autores

  • Mateus de Oliveira Fornasier

    é professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui) doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) com pós-doutorado em Direito e Teoria (Law and Theory) pela University of Westminster (Reino Unido).

  • Fernanda Viero da Silva

    é bolsista Pibic/CNPq e acadêmica do curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui).

19 de abril de 2020, 10h53

ConJur
O grupo de estudos “Direitos Humanos e Tecnologia” existe dentro do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui) desde 2019, e é coordenado pelo professor Mateus de Oliveira Fornasier. Tem por objeto de estudo temas relacionados a direitos humanos e fundamentais, bem como democracia, que tenham interfaces para com novas tecnologias e atualidades análogas. Nesse sentido, em 2019 teve o subprojeto “A democracia no século XXI e as novas tecnologias” aprovado no edital do Programa Pesquisador Gaúcho (PqG) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), a partir do qual livros e artigos atinentes à temática, e com abordagem sempre transdisciplinar, serão publicados pelo coordenador em conjunto com seus bolsistas de iniciação científica, mestrado e doutorado.

Os temas em que os estudos mais se focam — não apenas de modo transdisciplinar, mas também, contemplando as bibliografias nacional e estrangeira mais atuais, em fontes de vários idiomas — são, de modo exemplificativo: redes sociais, direito à informação e fake news; inteligência artificial, profissões jurídicas e democracia; algoritmos, vigilância e privacidade; e, em tempos de crise sanitária e econômica relacionada à pandemia da Covid-19, está sendo dada especial ênfase ao estudo da impressão em 3D como solução para a necessidade de produção de equipamentos de proteção a profissionais de saúde e cidadãos,[1] bem como para suprir o déficit de leitos hospitalares e respiradores artificiais em âmbito nacional e mundial.

Quanto a esse último tipo de item (respirador artificial), é interessante o fato de que foi noticiado, na última semana do mês de março de 2020, o desenvolvimento, por engenheiros da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), um ventilador pulmonar — criativamente batizado “Inspire” — utilizável em emergências, que pode ser produzido em até duas horas e é 15 vezes mais barato do que os aparelhos atualmente comercializados.[2] Segundo um dos coordenadores do projeto, seus participantes buscaram montar um equipamento que utilize o máximo possível de componentes existentes no mercado brasileiro, não dependendo muito de importação, e cujos fabricantes possam ser facilmente acionados para aumentar sua produção.

Note-se que, mesmo com o intuito de livrar ao máximo a produção do vantajoso aparelho de equipamentos estrangeiros, ainda serão necessários componentes importados — o que, muito provavelmente, atrasaria a sua fabricação em razão das necessidades de encomendar, fabricar, transportar e, muito provavelmente, requisitar licenças para seu uso no referido aparelho, já que questões relacionadas ao Direito da Propriedade Intelectual, tais como patentes, modelo de utilidade e desenho industrial, influenciam no tempo de fabricação, e não podem ser simplesmente suplantados em tempos de crise.

Impressoras 3D podem imprimir praticamente qualquer coisa tangível com a tecnologia de ponta atual, desde microbaterias de íons de lítio até próteses para substituir órgãos amputados, usando diversos materiais (plástico, cerâmica, comestíveis, cimento, metal etc.), a partir de impressoras que, nos últimos tempos, têm tido preços diminuídos. Toda a logística de produção de peças pode ser subvertida e reduzida com uma ida à oficina ao lado do hospital, onde uma impressora 3D imprimirá peças necessárias para equipamentos. Acredita-se, assim, que em um futuro mais ou menos breve é assim que se dará a produção de vários tipos de objetos.[3] Contudo, replicar um objeto protegido por patente em uma impressora 3D pode significar infração ao direito concedido ao inventor mediante essa patente.[4]

A tecnologia de impressão 3D pode revolucionar uma série de indústrias, inclusive pelas maneiras pelas quais os produtos alcançam os consumidores. Entretanto, necessita de estruturações legais e regulatórias — sendo que a criação de regras administrativas deve ser preferida à legislação abrangente, pois o processo de criação de regras exige amplo envolvimento da indústria por meio do processo de notificação e comentários, estando as agências reguladoras mais capacitadas a rapidamente criarem e alterarem regras atinentes à evolução da tecnologia (NIELSON, 2015, p. 622). E possibilidades administrativas para casos de interesse público já existem, no ordenamento brasileiro, na Lei 9.279/96, que regula direitos e obrigações atinentes à propriedade industrial. É o caso do instituto do licenciamento compulsório em caso de emergência nacional ou interesse público, definido no artigo 71 daquele diploma legal, e que é regulamentado pelo Decreto 3.201/1999.

O referido licenciamento, nos termos do artigo 2º do decreto regulamentador, disciplina que questões de saúde pública, dentre outros, são considerados de interesse público (parágrafo 2º); e a emergência nacional, por sua vez, é instituída como sendo o iminente perigo público, ainda que apenas em parte do território brasileiro (parágrafo 1º). Ainda, nos termos do artigo 3º do mesmo decreto, exige-se ato do Poder Executivo federal para declarar a emergência nacional (sendo que atualmente, nos termos do Decreto Legislativo 6/2020, já está declarada a calamidade pública em âmbito nacional). Saliente-se que na história recente, o Brasil já desenvolveu políticas públicas que necessitaram do licenciamento compulsório no caso de medicamentos: trata-se do caso do antirretroviral Efavirenz, necessário no chamado “coquetel” de tratamento de pacientes portadores do vírus HIV, embasado no Decreto 6.108/2007.

É claro que o licenciamento é uma medida, de certa forma, radical — só se lança mão do referido instrumento burocrático se o detentor dos seus direitos de patente não concedê-la voluntariamente. Contudo, aqui já se demonstra como o estudo transdisciplinar de temas sociais gerais e atuais em relação ao Direito pode fazer com que esse último ramo do conhecimento seja de fundamental importância para se entender a dinâmica da resolução de problemas graves e muito atuais. Estudar como, normativamente, se pode facilitar a produção de bens e serviços essenciais, mesmo em tempos de crise, é fundamental não apenas para a sua superação, mas também, para que o processo de inovação tecnológica ocorra em tempo hábil.

É nesse tipo de abordagem que se pode perceber que os juristas podem ser importantes na inovação tecnológica ao trabalharem como “engenheiros de transação”,[5] criadores de oportunidades para novas formas de negócios e outras relações sociais. A elaboração de contratos tão inovadores quanto as tecnologias sobre as quais versam, dos procedimentos administrativos necessários para a condução juridicamente correta dos licenciamentos, a intermediação do relacionamento entre investidores e empreendedores responsáveis pela inovação, o estabelecimento de acordos e parcerias, bem como a resolução de conflitos que surgem nas relações de produção (entre empresários e investidores; entre empregadores e empregados, entre fornecedores e consumidores, entre Estado e cidadãos etc.), são apenas alguns dos tópicos em que operadores do Direito e pesquisadores da área jurídica atentos à evolução das relações sociais são fundamentais como colaboradores do conhecimento.

(*) Esta coluna é produzida com a colaboração dos programas de pós-graduação em Direito do Brasil e destina-se a publicar materiais de divulgação de pesquisas ou estudos relacionados à pandemia do Coronavírus (Covid-19).

[1] ALBUQUERQUE, Ana Luiza. Universidades e sociedade civil articulam impressão 3D de máscaras contra coronavírus. Folha de São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/03/universidades-e-sociedade-civil-articulam-impressao-3d-de-mascaras-contra-coronavirus.shtml Acesso em: 31 mar 2020.

[2] REIS, Vivian. Coronavírus: Pesquisadores da USP criam ventilador pulmonar para emergências feito em 2 horas e 15 vezes mais barato. G1 São Paulo, 31 mar 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/03/31/coronavirus-pesquisadores-da-usp-criam-ventilador-pulmonar-para-emergencias-feito-em-2-horas-e-15-vezes-mais-barato.ghtml. Acesso em: 1º abr 2020.

[3] TRAN, Jasper L. 3D-Printed Food. Minnesota Journal of Law, Science & Technology, vol. 17, 2016, p. 857-879.

[4] WEINBERG, Michael. When 3D Printing and the Law Get Together, Will Crazy Things Happen? In: VAN DEN BERG, Bibi; VAN DER HOF, Simone; KOSTA, Eleni (org.). 3D Printing: Legal, Philosophical and Economic Dimensions. Asser Press, Information Technology and Law Series, vol. 26, 2016, p. 12-34.

[5] FENWICK, Mark; KAAL, Wulf A.; and VERMEULEN, Erik P. M. Legal Education in a Digital Age: Why Coding Matters for the Lawyer of the Future In: COMPAGNUCCI, Marcelo Corrales et al. (ed.). Legal Tech and the New Sharing Economy. Singapore: Springer, 2020, p. 103-122.

Autores

  • é professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui), doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), com pós-doutorado em Direito e Teoria (Law and Theory) pela University of Westminster (Reino Unido).

  • é bolsista Pibic/CNPq e acadêmica do curso de Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui).

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