Ataque do sistema de justiça

Para MPF, ações contra universidades transbordam limites da razoabilidade

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26 de outubro de 2018, 16h54

O Ministério Público Federal se posicionou, nesta sexta-feira (26/10), em defesa das universidades brasileiras, afirmando que medidas para impedir a livre manifestação são incompatíveis com o regime constitucional democrático. Os procuradores classificam como "ladeira escorregadia" a interpretação que a Justiça eleitoral tem dado a atos de estudantes, professores, instituições.

"É lamentável que, em uma disputa tão marcada pela violência física e simbólica, pelo engano e pela falsificação de fatos, o ataque do sistema de justiça se dirija exatamente para o campo das ideias", diz a declaração da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

A "Nota pública sobre direitos constitucionais assegurados à comunidade discente e docente de universidades brasileiras" é divulgada depois de quase 20 universidades terem sido alvo de ações de fiscais de tribunais regionais eleitorais por supostamente fazerem propaganda eleitoral irregular.

Os atos ocorreram no Rio de Janeiro, Paraíba, Pará, Minas Gerais, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul, Goiás e Mato Grosso do Sul. Há relatos, ainda, de abordagens feitas pela Polícia Militar em salas de aulas.

"A efervescência estudantil é elemento motriz de uma sociedade vibrante e plural e, ao invés de ser reprimida, deve ser festejada. Jovens estudantes têm papel de destaque na história nacional e estrangeira, pois provocam novas reflexões sobre temas científicos e humanos que, muitas vezes, pareciam consolidados", diz a nota.

Para os procuradores que assinam o texto, os embates são parte essencial de um processo eleitoral democrático e inerentes ao ambiente acadêmico. "As instituições de ensino são, por excelência, um dos locais privilegiados para a promoção desse debate, estando para tanto protegidas pela própria Constituição, a qual garantiu, no artigo 206, incisos II e III, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias", enfatizam.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, assina o texto juntamente com os adjuntos Marlon Weichert, Domingos Dresch e Eugênia Gonzaga. Eles afirmam que a escola é o "espaço da inquietação, da reflexão, da discussão sobre projetos coletivos", e que isso tudo se amplia naturalmente em períodos eleitorais, quando a sociedade busca de forma mais acentuada compreender e debater projetos e concepções de país e de mundo.

"Conceber que o repúdio ao fascismo possa representar o apoio a uma determinada candidatura seria admitir que a Constituição brasileira endossaria tal forma de regime, o que é inaceitável", dizem os procuradores. Dizeres como “Direito UFF Antifascista”, “Marielle Franco presente”, “Ditadura nunca mais. Luís Paulo vive”, bem como outras iniciativas de debates acadêmicos ou manifestações públicas foram interpretadas, nos últimos dias, como sendo uma forma de propaganda eleitoral.

Esse entendimento transborda, segundo a nota, "os limites da razoabilidade e compromete o arcabouço constitucional da liberdade de manifestação e de cátedra, bem como de expressão do pensamento e intelectual".

"Coação e perseguição"
Também em decorrências das ações registradas nas instituições de ensino superior, entidades sindicais que reúnem os docentes e técnicos administrativos das universidades e institutos federais convocaram uma coletiva de imprensa para tratar do assunto.

O Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), Sindicato dos Trabalhadores do IFRJ (Sintifrj), a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Federação Nacional dos Estudantes em Ensino Técnico (Fenet) afirmam que os casos foram de "casos coação e perseguição por atividades em defesa da democracia".

"Em sua maioria, as decisões judiciais alegam que estariam coibindo supostas infrações à legislação eleitoral. No entanto, em todos os casos tratavam-se de manifestações em defesa da democracia e contra o fascismo, que estão sendo interpretadas como propaganda eleitoral negativa a candidato de ultradireita. Diversos debates e aulas sobre esses temas foram proibidos", diz a convocatória.

O Andes afirma ter recebido informações que ao menos 18 instituições de ensino e ao menos três sindicatos de docentes foram censurados ou sofreram alguma coação pela Justiça Eleitoral nas últimas 72 horas.

Leia aqui a íntegra da nota pública da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão.

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