Do tamanho de um tribunal

Número de ações de Direito Privado é o que mais cresce no TJ-SP

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21 de março de 2024, 8h25

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2024, lançado nesta segunda-feira (18/3). A versão digital é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui).

 

Anuário da Justiça São Paulo foi lançado nesta semana

A Seção de Direito Privado, formada por 40 câmaras, 190 desembargadores e 60 juízes substitutos em segundo grau, encerrou o ano de 2022 com 590 mil decisões. É assim o segundo maior tribunal do país, só perdendo em número de julgadores e em movimento processual para o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo. Em número de ações, é a seção que mais cresce no TJ-SP. Para comandar o colegiado no biênio que se iniciou em janeiro de 2024 foi eleito, em novembro de 2023, o desembargador Heraldo de Oliveira Silva. Ele substituiu na presidência o desembargador Artur Cesar Beretta da Silveira, que, na mesma oportunidade, foi eleito vice-presidente da corte para o biênio 2024-2025.

A adoção dos julgamentos virtuais, de forma constante e permanente, tem importância significativa na produtividade das câmaras. Levantamento feito pelo Anuário da Justiça mostra que o plenário virtual foi responsável por 90,5% dos acórdãos proferidos pelas três subseções do Direito Privado em 2022. O sistema — regulamentado há mais de uma década — tem assegurado o equilíbrio entre volume de casos novos e o de julgados nas câmaras. Com a chegada do quinto assistente aos gabinetes de trabalho dos desembargadores, no primeiro semestre de 2023, espera-se aumento de produtividade ainda maior.

A pandemia de Covid-19, que atingiu o Brasil, mais intensamente, a partir de março de 2020, provocou um natural aumento das demandas de competência da Subseção de Direito Privado 1, tais como as questões de saúde (buscando cobertura assistencial para a covid e para outras doenças cujos tratamentos tiveram de ser adiados, interrompidos ou se viram dificultados no período de isolamento social) e de família e sucessões (discussões derivadas tanto das mortes registradas, quanto das dificuldades que as famílias enfrentaram no período, como o aumento na inadimplência de pensões alimentícias, a necessidade de revisão de regimes de guarda de menores e similares).

Para Beretta da Silveira, porém, a pandemia não trouxe aumento de demanda apenas para a DP1. “Em decorrência direta das restrições de locomoção aplicadas no período extremamente atípico, assim como em função da piora das condições financeiras dos trabalhadores e das empresas, também se mostra sensível o exponencial aumento de demandas ligadas a contratos bancários e à prestação de serviços, temas pertinentes às Subseções 2 e 3 de Direito Privado”, acrescenta o desembargador.

Na presidência da seção, Beretta da Silveira conseguiu minimizar um problema que vinha gerando atrito entre as subseções: a desigualdade na distribuição de processos entre os Direitos Privados 1, 2 e 3. Isso porque o Direito Privado 1 conta com menos câmaras e desembargadores e julga matérias que geram mais agravos de instrumento que os demais, sobretudo no Direito de Família, com as ações de alimentos e nos contratos com planos de saúde.

Um dos integrantes da DP1 chegou a se queixar da distribuição de 13 agravos em seu gabinete em um único dia. Beretta da Silveira rebateu, afirmando que esse número muito provavelmente foi em um mês atípico, com férias e afastamentos de colegas, e que “os dados oficiais semanais não indicam qualquer tendência de distribuição média de uma dezena de agravos por magistrado”.

Fato é que as vagas em aberto estão surgindo mesmo nas câmaras do Direito Privado 1, indicativo de desinteresse dos membros por integrá-la. Beretta da Silveira, originário da 3ª Câmara, reforçou esses colegiados com juízes substitutos em segundo grau, para equilibrar o cenário de distribuição de processos entre as três subseções, sem alterar a divisão de competência entre elas (também motivo de muitas discórdias).

No final de 2022, segundo o seu relatório de gestão da corte, entre as subseções, a diferença entre quem mais recebeu e quem menos recebeu processos foi reduzida para 9,2%, sendo que em 2021 o percentual foi de 16,9% e, em 2020, de 26%. Até o fechamento da edição do Anuário da Justiça, eram 21 juízes substitutos no DP1, 14 no DP2, e 11 no DP3. “Caminha-se, a passos firmes, seguros, para a consolidação do equilíbrio na distribuição de processos e recursos entre as Subseções de Direito Privado”, afirmou o ex-presidente da Seção.

Em vez de pleitear um aumento no número de desembargadores e de câmaras na DP1, Beretta da Silveira defendeu que uma solução “muito menos dificultosa” seria preencher em curto prazo as 20 vagas de juiz substituto em segundo grau criadas e ainda não ocupadas. “Tais magistradas e magistrados, experientes na carreira, seriam aptos a auxiliar, desde logo e cotidianamente, a prestação da jurisdição célere, participando das distribuições de recursos e processos originários com a mesma cota das desembargadoras e desembargadores, tal qual já sucede com os diversos outros juízes substitutos nomeados — cuja colaboração é expressiva em todas as Seções do TJ-SP”, afirmou.

As ações que tratam da inclusão de dívida prescrita na plataforma Serasa Limpa Nome, geralmente envolvendo as empresas de telefonia, ganharam destaque em 2023, chegando ao ranking de temas mais julgados. Embora a maioria dos processos seja mesmo de pessoas que tiveram seu nome inserido no site e por isso foram em busca de um advogado, o tema fomenta a chamada “indústria do dano moral”.

Segundo o desembargador Jacob Valente, da 12ª Câmara, “o que acontece é que foi encontrado, pelos advogados, um nicho de mercado, e eles apostam que pelo menos uma parcela dos juízes acolha a alegação de que não pode ser feita a cobrança judicial — e nem extrajudicial — de dívidas prescritas. Alegam, genericamente, ocorrência de dano, mas não há publicidade nessas inserções, pois o acesso só é permitido ao próprio devedor (e ao credor, é evidente). Talvez os próprios autores acreditem que seus nomes estão sujos, mas, na verdade, não estão. Contam geralmente com a gratuidade processual, portanto, não há custo para a demanda, o que faz com que o risco seja mínimo. Qualquer percentual de sucesso já se mostra vantajoso para o profissional”.

A gestão de Silveira também se destacou pela edição e publicação de enunciados da Seção de Direito Privado, na tentativa de conferir maior segurança e certeza quanto a posicionamentos jurisprudenciais, assim como permitir a aceleração de julgamentos. Foram 23 nas câmaras ordinárias e outros oito nas empresariais. Um deles tratou justamente do Serasa Limpa Nome, afastando pedidos genéricos de indenização por dano moral. O Gapri (Grupo de Apoio ao Direito Privado), só em 2022, enviou 203 publicações, entre boletins jurisprudenciais, informativos e materiais de apoio.

A presidência da seção também fez reuniões institucionais com a Febraban e suas associadas, buscando o compartilhamento institucional de experiências para melhoria do sistema de prevenção e combate às fraudes bancárias; a expansão do projeto de digitalização de autos processuais; e estimular a conciliação dos feitos sobrestados envolvendo expurgos inflacionários, nos termos do acordo geral feito pelo Supremo Tribunal Federal.

“Digno de destaque termos alcançado a assinatura, em 21 de novembro de 2022, do Termo de Compromisso Público visando ao aprimoramento do encaminhamento de pedidos de mediação e/ou conciliação na fase processual, referentes a questões envolvendo expurgos inflacionários relacionados aos Planos Econômicos dos anos 1980 e 1990″, destacou Beretta da Silveira. O tema já vinha sendo tratado anteriormente.

DP1: planos de saúde e alimentos

Os números mostram uma tendência de alta no volume de processos que chegam à Subseção de Direito Privado 1 (DP1) nos últimos três anos. Até 2019, os casos novos giravam na casa dos 150 mil ao ano, com tendência de queda. A partir de 2020, a curva se inverteu, com a conta fechando em 2022 com 195 mil. O primeiro semestre de 2023 com o do ano anterior houve alta de 10%.

Desembargadores ouvidos pelo Anuário da Justiça dizem que esse aumento, em grande parte, está relacionado com a crise sanitária de Covid-19 e as consequências daí advindas. “O maior acréscimo de demandas ocorreu nas ações envolvendo planos de saúde, consequência direta da pandemia. Houve acréscimo também significativo de ações envolvendo questões de família, notadamente alimentos (concessão, revisão e exoneração), divórcios e guarda de filhos, como consequência secundária da pandemia. Em terceiro lugar, também houve acréscimo de ações de natureza imobiliária, como rescisão e revisão de contratos imobiliários, também como consequência indireta da pandemia”, avalia Edson Luiz de Queiróz, da 9ª Câmara.

Outro fator foi a consolidação dos julgamentos por videoconferência, que garantiram maior acesso ao Judiciário, com um número grande de escritórios de advocacia e advogados que passaram a atuar a distância, resultando no aumento de recursos e presença nos julgamentos. Há sessões com até 30 pedidos de sustentação oral.

O Direito Privado 1 tem exclusividade para o julgamento dessas ações relativas a planos de saúde e alimentos. Também entre os principais temas julgados estão questões relacionadas ao direito das sucessões (inventários, partilha de bens e testamentos), responsabilidade civil na área médica e compromissos de venda e compra a prazo de imóveis.

Como é formada por dez câmaras, número menor que as outras duas subseções do Direito Privado, proporcionalmente a distribuição é maior para os seus integrantes — em 2022, foram distribuídos, em média, 2.786 processos para cada julgador da DP1, contra 2.419 da DP2 e 2.171 da DP3. Por isso, mesmo sendo a subseção com menor número de câmaras, e a que conta com maior número de juízes em segundo grau — eram 22 em setembro de 2023, contra 17 na DP2 e 20 na DP3.

Com queixas que já não são novas, a busca pelo maior equilíbrio entre as subseções acaba sendo a principal missão de quem assume a Presidência da Seção de Direito Privado, responsável pela distribuição dos recursos e por ouvir os reclamos de seus membros. Segundo Beretta da Silveira, presidente no biênio 2022-2023, a seção está em busca do equilíbrio. Entre as subseções, a diferença entre quem recebeu mais e menos processos foi reduzida a 9,2%. Tal diferença, no mesmo período de anos anteriores, foi de: 17% (2019); 26% (2020) e 17% (2021).

O número de agravos de instrumento, sobretudo em relação a alimentos e pedidos de tutelas provisórias, é expressivo. “Chegamos a receber, num único dia, 13 agravos de instrumento, extrapolando o limite da razoabilidade. A taxatividade prevista no artigo 1.015 do CPC, que foi mitigada pelo STJ, não inibiu a gigantesca interposição de agravos, que interferem na rotina de trabalho, pois, na maioria das vezes, tratam de questões sensíveis e que reclamam pronta resolução”, comenta Donegá Morandini, da 3ª Câmara. “Eventual recebimento de uma dezena de agravos em um só dia talvez possa ter acontecido episodicamente, em datas que concentraram maior número de afastamentos de magistrados componentes da subseção”, declarou Beretta da Silveira.

As ações apontando abusividade dos índices de reajuste dos planos de saúde representam fatia considerável entre os processos envolvendo planos de saúde. As câmaras, no geral, consideram abusivos os índices nos casos em que as operadoras não apresentam cálculo atuarial idôneo que justifique os aumentos. Nas ações revisionais desses contratos, seguem teses firmadas pelo STJ nos temas repetitivos 952 e 1.016, os quais proíbem a aplicação de “percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso” e impõem às operadoras o ônus da prova da base atuarial do reajuste.

A maioria das câmaras, em regra, entende que não cabe indenização por danos morais nos casos de recusa de cobertura dos planos de saúde. Contudo, há casos em que as empresas são condenadas ao pagamento da indenização. “Os casos de reparação de danos morais, em hipóteses de recusa de tratamento por planos de saúde, analiso caso a caso e, se entender que houve recusa indevida, concedo a reparação por danos morais e, em regra, tenho ficado vencido”, explica o juiz convocado Márcio Boscaro.

“Entre 2022 e 2023, percebemos o aumento na distribuição de processos com reclamações de negativa de fornecimento de medicamentos e de tratamento médico”, sinaliza a juíza Maria do Carmo Honório. Em junho de 2022, a 2ª seção do STJ decidiu que o rol da ANS é taxativo para planos de saúde. Mas, em setembro, foi sancionada a Lei 14.454/22 que estabeleceu critérios que permitem a cobertura de exames ou tratamentos de saúde que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar, obrigando as câmaras a reajustar novamente seus entendimentos.

Agora, a 2ª Seção do STJ começou a julgar novamente a questão, em três outros recursos que versam sobre o rol de procedimentos da ANS. A relatora, ministra Nancy Andrighi, votou no sentido de que a edição da Lei 14.454/22 é suficiente para permitir a superação da tese firmada pela 2ª Seção de que o rol de procedimentos é taxativo. A análise dos processos foi suspensa por pedido de vista do ministro Villas Bôas Cueva.

Há divergências sobre a permissão de alteração de nome e sobrenome sem a necessidade de comprovar motivação. Há também registros de divergência nos casos de decretação de divórcio por decisão liminar. Os magistrados têm negado a concessão de tutela de evidência nessas ações sob o argumento de que o dispositivo não possui amparo nas hipóteses previstas no CPC para aplicação nos casos de divórcio e que não há tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante para essas situações.

DP2: bancos e empréstimo consignado

A principal matéria da pauta de julgamentos da Subseção de Direito Privado 2 (DP2) é o Direito do Consumidor. São recorrentes as ações declaratórias de inexigibilidade de débito, reparatórias e revisionais de contratos bancários. Também julgam com frequência execuções de títulos extrajudiciais, contratos de transportes relacionados ao Direito Marítimo, ações possessórias, ações indenizatórias por atraso ou cancelamento de voo, ações de cobrança por parte de estabelecimentos de ensino e ações regressivas promovidas por seguradoras em face de concessionárias de energia elétrica.

Constatou-se um aumento substancial na distribuição como um todo. De 2021 para 2022, a quantidade de novos casos aumentou 9%, de 206 mil para 225 mil recursos. De janeiro a junho de 2023 em relação ao mesmo período de 2022, o aumento foi ainda maior, de 20%, passando de 109 mil para 131 mil recursos distribuídos às 16 câmaras.

Os integrantes da DP2 informaram que, em 2023, receberam no gabinete, para relatoria, de 37 a 40 apelações por semana e de cinco a seis agravos de instrumento diários, em média, afora todos os demais recursos e intervenções. Mesmo com o aumento da demanda, o acervo permanece estável, mantendo-se na casa de 90 mil processos pendentes quando se compara o primeiro semestre de 2022 com o mesmo período de 2023.

Quanto aos temas com maior demanda na Subseção 2, as ações em que a parte alega o desconhecimento da contratação de empréstimos consignados têm se avolumado, como mostram os números. No primeiro semestre de 2023, os contratos de empréstimo consignado chegaram ao ranking de dez temas mais julgados da DP2.

De acordo com a Febraban, as sanções a correspondentes bancários por fraude no consignado subiram para 1.220 desde o início da Autorregulação, em janeiro de 2020 até junho de 2023. Ainda segundo a federação, 564 empresas já foram advertidas por conduta irregular e 610 suspensas temporariamente por prática abusiva. Outras 46 estão impedidas de atuar em nome dos bancos. São 45 instituições financeiras que participam da Autorregulação, com o compromisso de adotar melhores práticas comerciais. Entre 2 de janeiro de 2020 e 10 de agosto de 2023, foram feitas, na plataforma Não me Perturbe, mais de quatro milhões de solicitações de bloqueios de telefone para o recebimento de ligações de ofertas indesejadas sobre crédito consignado. O estado de São Paulo, com 1,2 milhão de pedidos de bloqueio, lidera as queixas no país.

Também predominam ações motivadas por consumidores em golpes sofridos em aplicativos de mensagens, sobretudo aqueles envolvendo emissão de boletos falsos; os pedidos de declaração de inexigibilidade de débito atingidos pela prescrição e inseridos em plataformas de cobrança extrajudicial (principalmente a Serasa Limpa Nome) e ações revisionais de contratos bancários, muitas das quais agora amparadas na Lei 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento.

Percebeu-se também um aumento no número de pedidos de reativação de contas mantidas em redes sociais e bloqueadas por suposto descumprimento dos termos de uso da plataforma digital.

Têm provocado divergências os pedidos de arbitramento da verba honorária com base na Tabela da Ordem dos Advogados do Brasil, em virtude do acréscimo do artigo 85, parágrafo 8º-A, no Código de Processo Civil (Lei 14.365, de 2 de junho de 2022). Também há divergências sobre impenhorabilidade de quantias inferiores a 40 salários-mínimos. No caso da aplicação de medidas atípicas, como bloqueio de CNH, passaportes e cartões de crédito a dúvida vem de cima, já que o STF afirmou a constitucionalidade do inciso IV do artigo do 139 do CPC enquanto o STJ ainda julgará recurso repetitivo sobre o assunto.

Também há divergências quanto à aplicação da ferramenta de pesquisa Sistema de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (Sniper), do CNJ, para a localização de bens para execução. Uma parte entende que o uso do sistema equivale à quebra do sigilo bancário do devedor. Outra parte defende a medida ao dizer que a lei de sigilo bancário não limitou a quebra a processos criminais, abarcando também os cíveis e trabalhistas.

Houve mudança de posicionamento relevante nas ações anulatórias ou revisionais de contratos bancários. As câmaras passaram a entender que a devolução em dobro dos valores indevidamente descontados deve obedecer aos parâmetros determinados pelo STJ no EAREsp 676.608, valendo somente para casos em que a cobrança foi efetuada depois de outubro de 2021, com a publicação do acórdão paradigma.

A Seção de Direito Privado publicou novos enunciados para uniformizar a jurisprudência e trazer segurança jurídica. É o caso da tese sobre a ilicitude da cobrança de dívida prescrita (Enunciado 11), embora persista a divergência quanto ao entendimento se há dano moral nesses casos. Esse enunciado, aliás, está em vias de ser revisto pelo tribunal, pois parece contraditório: em sua primeira parte nega a possibilidade de cobrança de dívida prescrita, para, em sua segunda parte, dizer que essa cobrança só não pode ser abusiva.

Quanto a esse tema crescente, com aparência de ser mais uma daquelas demandas predatórias que vez ou outra surgem no TJ, comenta Jacob Valente, da 12ª Câmara: “Foi encontrado, pelos advogados, um nicho de mercado, e eles apostam que pelo menos uma parcela dos juízes acolha a alegação de que não pode ser feita a cobrança judicial – e nem extrajudicial — de dívidas prescritas. Alegam, genericamente, ocorrência de dano. Contam geralmente com a gratuidade processual, portanto, não há custo para a demanda, o que faz com que o risco seja mínimo. Qualquer percentual de sucesso já se mostra vantajoso para o profissional”.

O problema gerado é o elevado número de ações (advogados chegam a distribuir milhares de ações de uma só vez), com baixíssimo índice de sucesso, abarrotando ainda mais o Tribunal de Justiça. A Corregedoria chegou a redigir comunicado alertando os juízes a respeito. Há câmaras que são mais rigorosas na concessão da Justiça gratuita, quanto à necessidade de comprovação da insuficiência de recursos pela parte que alega fazer jus ao benefício, nos termos da Lei 1.060/50 e artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal.

DP3: fornecimento de energia elétrica

Compete à Subseção de Direito Privado 3 (DP3) o julgamento da matéria relativa a condomínios, alienação fiduciária, direito de vizinhança, honorários profissionais, locação, arrendamento rural, seguro de vida, arrendamento mercantil, mediação de gestão de negócios, posse e domínio de bens, previdência privada, prestação de serviços, planos econômicos, compromisso de compra e venda, entre outros.

Comparada às outras duas subseções de Direito Privado, a DP3 recebe proporcionalmente menor quantidade de casos por desembargador. A tendência, como nas demais, é de aumento da demanda. A distribuição de novos casos passou de 142 mil em 2020, para 147 mil em 2021, e para 165 mil em 2022. O primeiro semestre de 2023 fechou com 91 mil novas ações.

Desembargadores entrevistados pelo Anuário da Justiça indicaram que processos amparados no Código de Defesa do Consumidor podem ser os responsáveis por isso. Temas de destaque pela demanda e pela repeti-ção, entre 2022 e 2023, a declaração de inexigibilidade de dívidas prescritas em plataformas como Serasa Limpa Nome; além ações de cobrança propostas por seguradoras, contra concessionárias de energia, que tiveram de indenizar clientes depois de picos de energia e eletrodomésticos queimados.

Entre 2020 e 2022, com os anos de pandemia, houve significativo aumento das ações que questionam contratos de aluguel de imóveis e também cobrança de mensalidades de prestação de serviços educacionais, entre outros serviços. Os contratos de locação foram o tema mais julgado no DP3 no ano de 2022.

Apenas quatro das 12 câmaras preferiram retornar 100% com sessões presenciais de julgamento. Na maior parte delas, os encontros acontecem por videoconferência. “Circunstância que tem favorecido os escritórios de advocacia de outras comarcas no que diz respeito à op-ção pela sustentação oral, que acontece em grande número”, comentou Daise Fajardo, da 27ª Câmara de Direito Privado, ao lembrar de sessão que iniciou às 13h30 e terminou às 21h30 para contemplar todas as manifestações dos advogados.

Apesar de estarem entre os temas com maior número de recursos na DP3 há anos, as ações de regresso de seguradoras contra concessionárias de energia ainda não encontraram entendimento pacífico entre as câmaras. A dúvida é sobre a suficiência dos laudos técnicos, elaborados extrajudicialmente pelas seguradoras, sem a participação da concessionária, pelas oficinas especializadas em consertos de equipamentos elétricos, para a comprovação da oscilação da energia elétrica fornecida ao consumidor, segurado, como causa dos danos constatados em seus equipamentos.

Alguns desembargadores entendem que tais laudos, por serem feitos unilateralmente a pedido do segurado, sem a participação da concessionária, e, também, por serem muito concisos, não bastam para a comprovação do nexo de causalidade. Outros salientam que os equipamentos danificados não foram preservados para a produção de perícia judicial.

Já outra corrente entende pela suficiência do laudo extrajudicial elaborado pela prestadora de serviços técnicos, corroborado pelo aviso de sinistro, para comprovação da origem do dano na variação da energia elétrica fornecida no imóvel do consumidor.

E isso pelos motivos de que: 1) os equipamentos danificados são do uso diário do consumidor, necessitando ser reparados com urgência; 2) a Resolução 1.000/2021 da Aneel, que substituiu a Resolução 414/2010, no caso de equipamento danificado já consertado, exige dois orçamentos detalhados para o conserto e laudo emitido por profissional qualificado; 3) o laudo extrajudicial emitido pelo técnico especializado em conserto de equipamentos elétricos, ainda que sucinto, aponta a causa dos danos em problema com o fornecimento da energia elétrica e é coerente com o relato constante do aviso de sinistro; e 4) cabe à concessionária demonstrar o fornecimento regular da energia elétrica, no dia do sinistro, na unidade consumidora. Isso porque a responsabilidade das concessionárias é objetiva, nos termos do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal.

A cobrança extrajudicial de dívida prescrita também é matéria controvertida na jurisprudência das Subseções 2 e 3. Alguns entendem que é possível a cobrança extrajudicial de dívida prescrita, sob o fundamento de que a prescrição não extingue a dívida, mas apenas o direito de ação, ou seja, o direito de o credor acionar judicialmente o devedor ou de dar publicidade à existência da dívida como sua anotação em cadastros de inadimplentes de órgão de proteção ao crédito. Segundo tal entendimento, o credor, titular de dívida natural, pode se valer de atos de cobrança extrajudicial, tais como e-mails e telefonemas, pois é possível haver transação e pagamento da dívida prescrita pelo devedor.

De outra banda, há os que entendem que, embora a prescrição não extinga a dívida, mas apenas o direito de ação do credor, não poderá ele a cobrar, extrajudicialmente, e nem a inscrever em cadastro de devedores de órgãos de proteção ao crédito. Atingida pela prescrição, a dívida é inexigível, seja judicial ou extrajudicialmente.

A maioria vem compartilhando desse segundo entendimento. As câmaras têm mandado retirar a inscrição do nome do devedor da plataforma, mas afastado pedidos de indenização por dano moral. Algumas câmaras do Direito Privado 3 têm inclusive desconsiderado o Enunciado 11 do tribunal, posto que foi elaborado pela DP2, não vinculando a Subseção 3.

O DP3 também vem reprimindo demandas potencialmente predatórias sobre a nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Estão chegando pedidos de indenização contra empresas por vazamento de dados pessoais. Alegam os consumidores que o dano moral advém do próprio vazamento. Embora com algumas divergências também, as câmaras têm dito que é necessário, sim, a comprovação dos prejuízos sofridos e que esses dados precisam ser considerados informação sensível do consumidor.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2023 | 2024
13ª Edição
ISSN: 2179244-5
Número de páginas: 332
Versão impressa: R$ 50, pré-venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 18 de março de 2024, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br

Anunciaram nesta edição:
Abreu Sampaio Advocacia
Adilson Macabu e Nelson Pinto Advocacia
Advocacia Rubens Ferreira e Vladimir Oliveira da Silveira
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Apamagis – Associação Paulista de Magistrados
Areosa, Martins, Tavares Advogados
Arruma Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Caselli Guimarães Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Fernando José da Costa Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Guimarães Bastos Advogados
Heleno Torres Advogados
Hesketh Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lemos Jorge Advogados Associados
Lollato, Lopes Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados
Martins, Franco e Teixeira Sociedade de Advogados
Mesquita Ribeiro Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Oliveira Alves Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
PX Ativos Judiciais
Pardo Advogados & Associados
PMA – Penna Marinho Advogados
Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados Associados
RMS Advogados – Rocha, Marinho e Sales
Sergio Bermudes Advogados
Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados
Zanetti e Paes de Barros Advogados

 

 

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