Novos x Julgados

Ações de execução são o grande gargalo da Justiça paulista

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20 de março de 2024, 8h23

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça São Paulo 2024, lançado nesta segunda-feira (18/3). A versão digital é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui).

 

Anuário da Justiça São Paulo foi lançado nesta semana

Há um consenso de que o maior gargalo da Justiça paulista está na primeira instância. De 2019 para 2022, o acervo de processos pendentes nas varas judiciais de São Paulo aumentou 8%, passando de 16,9 milhões para 18,3 milhões. Em 2023, o número de processos aguardando julgamento em primeiro grau superou os 21 milhões. Os dados são do DataJud/CNJ.

O triste recorde tem uma explicação estatística clara: nos últimos cinco anos, com exceção de 2019, o número de casos novos ingressando nas varas foi maior do que o número de julgados pelos juízes. Mas o maior obstáculo a impedir o equilíbrio entre casos novos e julgados está concentrado em uma única classe de processos: as ações de execução judiciais, extrajudiciais e principalmente de execuções fiscais.

Os números deixam clara a situação. Das 21,8 milhões de ações pendentes de julgamento nas varas anotadas em outubro de 2023, 12,8 milhões eram execuções fiscais. Execuções fiscais nada mais são do que ações de cobrança de dívidas de pessoas físicas ou jurídicas para o estado ou os municípios. Ou seja, o Judiciário é usado pelo Estado como cobrador de dívidas do próprio Estado.

A execução é o passo seguinte à sentença do juiz. Enquanto a sentença é apenas a declaração de quem a Justiça entendeu estar correto na disputa jurídica analisada, a execução é a responsável por fazer a sentença valer na prática. “Praticamente todos os processos terminam em execução”, lembra Francisco Gaiga, tributarista e sócio do escritório Gaiga Advocacia. “Ela pode ser tanto um processo autônomo que se origina de um título executivo, como a CDA (Certidão de Dívida Ativa), quanto todos os processos de cunho condenatório que terminam em uma execução judicial da sentença”, explica.

Especialistas ouvidos pelo Anuário da Justiça, contudo, entendem que o aumento do volume de execuções nos últimos anos vai além de uma característica natural do funcionamento do Poder Judiciário. No final de julho de 2023, a cobrança de IPTU, um imposto municipal, era responsável por 4,1 milhões de casos pendentes enquanto a de ISS, também municipal, contava com 1 milhão. A tributação do ICMS, este de competência estadual, respondia por mais 350 mil processos, enquanto a taxa de lixo a 270 mil. Outro assunto era a cobrança de IPVA, com 82 mil casos.

Em julho de 2023, as execuções levavam quatro anos e quatro meses em média até obter a primeira sentença. Já as execuções fiscais contavam com uma demora maior de cinco anos e oito meses. Conforme os especialistas, trata-se de um exemplo de como a judicialização poderia ser menor e de como existe uma demanda que o Judiciário não consegue absorver.

Tauan Galiano Freitas, tributarista e advogado da Associação Brasileira de Revendedores de Combustíveis Independentes e Livres, afirma que há diversas razões que explicam a quantidade crescente de execuções fiscais. “A despeito do esforço da Receita Federal para obter o cumprimento das obrigações tributárias, a insuficiência da esfera administrava para conseguir esse objetivo leva o Poder Público e empresas a procurarem a Justiça.”

Matéria tributária

Uma das justificativas para explosão de execuções fiscais é a alta complexidade da matéria tributária no país. “É óbvio que, diante de um sistema tão complexo, não nos resta outra alternativa a não ser ir para o Judiciário. E percebe-se que as execuções são propostas pelo ente público”, afirma Renata Elaine Ricetti Marques, presidente do Instituto Acadêmico de Direito Tributário e Empresarial.

A boa notícia é que esse problema pode estar com seus dias contados. No último dia 15 de dezembro, depois de 40 anos, foi aprovada pela Câmara dos Deputados a reforma tributária, que tem entre seus pressupostos a simplificação do sistema. O TJ-SP afirma estar preocupado com o volume de execuções fiscais e nota que há uma tendência de o volume de novos casos crescer ao final dos mandatos dos prefeitos, que optam por escolher a via judicial para cobrar dívidas tributárias. “É preciso incentivar os municípios a buscar outros meios de satisfação de crédito. Protestar, por exemplo”, sugere. A Corregedoria do TJ-SP tem dialogado com o Tribunal de Contas do Estado nesse sentido.

A desembargadora e ex-procuradora-geral do Estado, Maria Lia Pinto Porto, também avalia que devem ser buscadas alternativas à judicialização. “Não há limite de valor para ajuizamento da cobrança, praticamente tudo é ajuizado sem gestão de custo-benefício. O adequado é cobrar administrativamente a dívida de menor valor e só ajuizar o débito quando o custo da cobrança judicial for justificável”, sugere.

O protesto da dívida por meio de cartório é regulado pela Lei 9.492/1997 e foi validado pelo STF em 2016 por meio da ADI 5.135/DF. Outra alternativa à judicialização é o mecanismo da transação tributária prevista no artigo 156 do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66). A regulamentação mais recente desse instrumento ocorreu em 2020 com a Lei 13.988 que passou a permitir que a Receita Federal e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional celebrassem acordos com os contribuintes.

Na Assembleia Legislativa de São Paulo, tramita o PL 1.245/23, com a criação de um parcelamento especial de valores inscritos na dívida ativa paulista. Em todo o estado, há um total de R$ 394 bilhões registrados como créditos a receber. A proposta traz a possibilidade da negociação do pagamento dos tributos em até 145 parcelas. E conta com o apoio da Procuradoria-Geral do Estado como forma de criar um ambiente jurídico favorável à conformidade fiscal dos contribuintes inscritos na dívida ativa. “Teremos no estado novos modelos de transação tributária com prazos de parcelamento mais dilatados, benefícios melhores do que os atuais e um novo modelo de cobrança da dívida ativa”, prevê a procuradora-geral do Estado, Inês Maria dos Santos Coimbra.

Investimento ou Custo

Luiz Alfredo Bianconi, tributarista e sócio do Bianconi Advocacia, é otimista. “Estamos começando a ver uma movimentação, embora incipiente, de programas para redução do contencioso, com transações, condições de pagamento e parcelamento melhores”, analisa. “Se o poder público investisse mais nas transações tributárias, com prazos de adesão e condições melhores de quitação de débitos dos contribuintes, reduziria o contencioso. Já os contribuintes deveriam encarar como investimento, e não como custo, os dispêndios necessários para estar em conformidade tributária, contratando profissionais especializados, para dar suporte às necessidades”, sugere.

Para Davi Pillon, tributarista e sócio da Pillon Sociedade de Advogados, a falta de planejamento tributário dos contribuintes também tem seu papel na crescente judicialização. “É importante lembrar que os grandes gargalos começam justamente no despreparo dos planejamentos fiscais, sejam da esfera cível ou empresarial. Esse despreparo resulta em falhas de planejamento e execução, o que tende, com o tempo, a atingir novos patamares de erros que resultam em processos desnecessários. O excesso de recursos previstos na legislação, conjugado com os prazos da administração pública em dobro, tanto para recorrer, como para contestar, refletem diretamente no maior volume de execuções.”

Execução Criminal

E se as execuções fiscais no acervo da Justiça paulista deixam em suspenso o futuro fiscal dos contribuintes, a situação na esfera criminal envolve a liberdade de pessoas e o cumprimento de penas. Em outubro de 2023, havia 59 mil penas privativas de liberdade à espera da execução. Já as penas não privativas estavam em 359 mil. Portanto, eram 418 mil execuções penais pendentes no total.

Em setembro de 2023, o Conselho Nacional de Justiça anunciou a libertação de 22 mil presos em todo país que estavam detidos de forma indevida. Análise do órgão por meio do Mutirão Processual Penal, ocorrido entre julho e agosto, encontrou situações ilegais como a prisão preventiva com duração maior do que um ano e a prisão de gestantes.

 

ANUÁRIO DA JUSTIÇA SÃO PAULO 2023 | 2024
13ª Edição
ISSN: 2179244-5
Número de páginas: 332
Versão impressa: R$ 50, pré-venda na Livraria ConJur
Versão digital: disponível gratuitamente, a partir de 18 de março de 2024, no app “Anuário da Justiça” ou pelo site anuario.conjur.com.br

Anunciaram nesta edição:
Abreu Sampaio Advocacia
Adilson Macabu e Nelson Pinto Advocacia
Advocacia Rubens Ferreira e Vladimir Oliveira da Silveira
Antonio de Pádua Soubhie Nogueira Advocacia
Apamagis – Associação Paulista de Magistrados
Areosa, Martins, Tavares Advogados
Arruma Alvim & Thereza Alvim Advocacia e Consultoria Jurídica
Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia
Basilio Advogados
Bialski Advogados Associados
Bottini & Tamasauskas Advogados
Caselli Guimarães Advogados
Cesa – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados
D’Urso & Borges Advogados Associados
Décio Freire Advogados
Dias de Souza Advogados
Fernando José da Costa Advogados
Fidalgo Advogados
Fontes Tarso Ribeiro Advogados Associados
Fux Advogados
Guimarães Bastos Advogados
Heleno Torres Advogados
Hesketh Advogados
JBS S.A.
Laspro Consultores
Leite, Tosto e Barros Advogados
Lemos Jorge Advogados Associados
Lollato, Lopes Rangel, Ribeiro Advogados
Machado Meyer Advogados
Marsaioli & Marsaioli Advogados Associados
Martins, Franco e Teixeira Sociedade de Advogados
Mesquita Ribeiro Advogados
Milaré Advogados
Moraes Pitombo Advogados
Multiplan
Oliveira Alves Advogados
Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados
PX Ativos Judiciais
Pardo Advogados & Associados
PMA – Penna Marinho Advogados
Regis de Oliveira, Corigliano e Beneti Advogados Associados
RMS Advogados – Rocha, Marinho e Sales
Sergio Bermudes Advogados
Thomaz Bastos, Waisberg, Kurzweil Advogados
Tojal Renault Advogados
Warde Advogados
Zanetti e Paes de Barros Advogados

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