Opinião

Propaganda eleitoral fora do mundo digital ainda dá trabalho e gera discussão

Autor

  • Elder Maia Goltzman

    é doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela UFMA (Universidade Federal do Maranhão). Membro da Abradep e Caoste. Pesquisador professor e autor de Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais pela Editora Fórum.

11 de março de 2024, 19h37

“As eleições municipais de 2024 serão as eleições da inteligência artificial” tem sido uma frase ouvida corriqueiramente, mas deve-se lembrar que ela não se aplica para todos os eleitores. Vivemos em um país de dimensões continentais e que apresenta diferenças e desigualdades regionais.

De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2023 [1], divulgada em novembro do ano passado e elaborada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), cerca de 29 milhões de pessoas não são usuárias da internet no Brasil. Em 2022, eram 36 milhões.

O número é extremamente preocupante, sobretudo quando se pensa que vários serviços são disponibilizados pela rede mundial de computadores. Em alguns tribunais regionais eleitorais do Brasil, por exemplo, o atendimento presencial somente é feito mediante prévio agendamento.

Ora, sem acesso à internet, como o agendamento é feito? As pessoas vão ao cartório eleitoral para marcar o atendimento. O que para muitos é praticidade e um elemento facilitador da vida moderna, para os excluídos digitais é trabalho dobrado.

Isso sem falar que ainda há outros problemas que podem ser apontados para além da categorização binária “pessoas com acesso/pessoas sem acesso”. Por vezes, o equipamento que viabiliza a conexão com a internet é de baixa qualidade.

Ademais, diversos usuários utilizam apenas um aparelho celular simples porque não têm computador. Em outros casos, a navegação é instável; o pacote de dados é reduzido ou o cliente não possui letramento suficiente para explorar a internet como deseja.

Outdoor na pré-campanha

Por isso é que em diversos municípios brasileiros as disputas eleitorais ainda são realizadas combinando a propaganda eleitoral digital com a propaganda eleitoral tradicional. Portanto, os profissionais do Direito que exercem alguma função no processo eleitoral devem saber as normas e a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral atualizadas, já que certamente enfrentarão discussões jurídicas voltadas para o mundo físico.

Uma situação que ainda gera controvérsias é a utilização do bom e velho outdoor. É de conhecimento geral que o instrumento publicitário teve seu uso eleitoral vedado pela Lei nº 11.300/2006. Atualmente, a proibição está expressa no artigo 39, § 8º, da Lei nº 9.504/1997 com o seguinte teor:

“é vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$5.000,00 (cinco mil reais) a R$15.000,00 (quinze mil reais)”.

Ocorre que o artigo 36-A da Lei Geral das Eleições, com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015, liberou uma série de condutas no período de pré-campanha, desde que não haja o pedido explícito de votos. Então, surgiu a seguinte indagação: caso um candidato utilize um outdoor na pré-campanha, sem fazer pedido explícito de votos, estará protegido pelo artigo 36-A e livre da multa do art. 39, § 8º?

Para as eleições de 2016, o Tribunal Superior Eleitoral adotou a seguinte tese:

“Propaganda eleitoral antecipada. Evento. Outdoor. Pedido expresso de voto. Inocorrência […] 3. É cediço que as balizas traçadas no art. 36-A da Lei das Eleições – com a redação dada pela Lei nº 13.165/2015 (minirreforma eleitoral) – flexibilizaram a divulgação de atos de pré-campanha, ampliado o espectro de manifestação dos pré-candidatos na disputa eleitoral. 4. Ao exame do AgR-AI nº 9-24, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, e do AgR-REspe nº 43-46, Rel. Min. Jorge Mussi, prevalecente a tese de que, para a configuração de propaganda eleitoral antecipada, o pedido de votos deve ser explícito, vedada a extração desse elemento a partir de cotejo do teor da mensagem e do contexto em que veiculada, ressalvado ponto de vista em sentido diverso. 5. Inexistente pedido de voto no evento realizado em homenagem ao Dia das Mães, não extrapolados os contornos da liberdade de manifestação legitimada no art. 36-A da Lei das Eleições. Precedentes. 6. Em homenagem ao princípio da segurança jurídica, aplicável, à espécie, o entendimento firmado para as eleições de 2016 no sentido de não configurada a propaganda antecipada, mediante uso de outdoor, quando inexistente pedido explícito de voto […].” (Ac. de 5.12.2018 no AgR-REspe nº 3941, de ministra Rosa Weber) (grifos acrescidos)

Feliz aniversário

Antonio Cruz/Agência Brasil

Todavia, atualmente, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral adotou novos rumos: incorre-se em multa ainda que não haja pedido explícito de votos a prática de atos de pré-campanha por meio de outdoors, conduta vedada pelo §8º do artigo 39 da Lei nº 9.504/1997 (16.9.2021, no AgR-REspEl nº 060004743). Logo, se há vedação no uso do instrumento na campanha, ela se estende para a pré-campanha. O que se proíbe é a utilização eleitoral de meios que são proscritos pela legislação [2].

Só que a criatividade humana não tem limites. Para driblar a proibição do uso de outdoors com finalidade eleitoral, passou-se a utilizá-los como meio de parabenizar figuras políticas pelo seu aniversário.

Por exemplo: a foto do pré-candidato é colocada no instrumento que é proibido pela norma, seguida de uma gentil e primorosa mensagem por ocasião da comemoração de mais um ano de sua vida. Tal fato, em tese, não apresenta nenhuma finalidade eleitoral capaz de reprimenda pela Justiça Eleitoral. A tendência do TSE é tratar situações assim como um indiferente eleitoral:

“ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM DE FELICITAÇÃO A PRÉ-CANDIDATO A PREFEITO. IMAGEM E NOME. PERÍODO DE PRÉ-CAMPANHA. UTILIZAÇÃO DE OUTDOOR. VIÉS ELEITORAL. INEXISTÊNCIA. INDIFERENTE ELEITORAL. AGRAVO DESPROVIDO.1. A mensagem de felicitação apenas com a inserção de imagem e nome do candidato, sem pedido explícito de votos, exaltação de qualidades do pré-candidato, divulgação de planos de governo ou plataformas de campanha, não configura propaganda eleitoral antecipada, porquanto, conforme jurisprudência desta Corte, a publicação trata de “indiferente eleitoral”.2. Os argumentos expostos pelo agravante não se sustentam diante da fundamentação da decisão recorrida, afigurando-se insuficientes para modificá-la.3. Agravo interno desprovido.” (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060011123, Acórdão, Min. Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, 19/05/2022.) (grifos acrescidos)

No mundo ideal, as questões seriam simples assim: mensagens com finalidade eleitoral são vedadas e aquelas sem conotação eleitoral, permitidas. No entanto, os casos a serem apreciados pelos órgãos julgadores possuem nuances complexas. Pergunta-se: e se a mensagem for veiculada em dois outdoors, com a frase “sua história merece nossa homenagem”, sendo a foto do pré-candidato em destaque, além da presença da cor verde, elemento explorado em campanhas eleitorais anteriores? Há, nesse caso, finalidade eleitoral? O TSE entendeu que não:

“Direito Eleitoral. Agravo Interno em Recurso Especial Eleitoral. Eleições 2020. Representação. Propaganda Eleitoral Antecipada. Ausência de conteúdo eleitoral. Provimento.

[…]

“5. No caso, foi veiculada, por meio de 02 (dois) outdoors, em janeiro de 2020, mensagem de felicitação pelo aniversário do recorrente. Não houve a exaltação de qualidades típicas de um candidato a cargo eletivo, mas apenas a divulgação dos dizeres “sua história merece nossa homenagem”, incapazes de vinculá–lo a qualquer slogan ou pauta eleitoral…Também não há registro do valor gasto com a instalação dos outdoors e tampouco qualquer elemento que revele a aptidão de afronta ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos. O mero destaque dado à fotografia do representado e o uso da cor verde, utilizada em campanhas eleitorais anteriores, são insuficientes para vincular a mensagem ao pleito eleitoral vindouro, em especial considerando a data distante em que tais outdoors foram veiculados.

[…]” (Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº060000280, Acórdão, Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE – Diário de Justiça Eletrônico, 13/08/2021). (grifos acrescidos)

 

Nota-se que a questão de julgar a finalidade eleitoral ou não da mensagem é tarefa complexa e que varia de acordo com as características de cada caso. Em situação semelhante apreciada no TSE, o ministro Edson Fachin proferiu decisão monocrática que considerou a conduta irregular porque três outdoors de parabéns com a frase “os anos de luta e caminhada refletem o amor que você tem por esta cidade” foram colocados no município de Estância/SE, e ficaram expostos por meses após o aniversário.

“No caso em apreço, exsurge da moldura fática do acórdão que a publicidade se deu por meio de três outdoors, localizados em pontos estratégicos da cidade, o que se revela incompatível com o mero gesto de felicitação pelo aniversário do recorrente. Ainda, há que se levar em conta o aspecto temporal da publicidade, considerado o destaque dado pela Corte de origem de que os outdoors continuaram expostos muitos meses após o aniversário de Márcio Souza Santos. No mesmo contexto, verifica-se na mensagem a exaltação de qualidades típicas de um candidato a cargo eletivo, em virtude dos anos de luta e do amor que tem pela cidade. Por fim, conforme já mencionado, constaram a repetição do nome do recorrente em destaque e a sua foto.

De tudo que foi exposto, é possível concluir que a divulgação dos outdoors não constituiu um indiferente eleitoral, haja vista a sua utilização para lançar, de forma antecipada, a intenção do recorrente em concorrer a cargo eletivo. Inclusive, o próprio recorrente admitiu que a publicidade consistiu em promoção pessoal, fato, portanto, incontroverso.” Recurso Especial Eleitoral (11549)  Nº 0600006-37.2020.6.25.0006 (Pje) – Estância – Sergipe (grifos acrescidos)

Conclusão

Assim, o julgador, para considerar se o outdoor é realmente um indiferente eleitoral pode levar em consideração outros elementos que não apenas o teor da mensagem, como a quantidade de artefatos espalhados pela cidade, o período que ficaram expostos, a sua localização e os custos envolvidos.

Como se percebe, um artefato tradicional e proibido desde 2006 ainda gera debates e faz com que processos alcancem a mais alta corte eleitoral do país. Portanto, não é  possível desconsiderar os fatos e desdobramentos que ocorrem no mundo físico quando se fala de campanhas eleitorais, especialmente as municipais.

 


[1] Para maiores informações sobre a pesquisa, consultar https://cetic.br/pt/noticia/classes-c-e-de-impulsionam-crescimento-da-conectividade-a-internet-nos-lares-brasileiros-mostra-tic-domicilios-2023/

[2] “Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, o emprego de meio proscrito na pré–campanha é apto a configurar a propaganda eleitoral antecipada, ainda que não haja pedido explícito de votos” (AgR–AREspe 0600096–25, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE de 13.6.2022).

 

Autores

  • é doutorando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (bolsista Capes), mestre em Direito e Instituições do Sistema de Justiça pela Universidade Federal do Maranhão, professor da pós-graduação em Direito Eleitoral da PUC-PR, PUC-MG, Unifor e Uerj, ex-assessor de ministro do TSE, autor da obra Liberdade de Expressão e Desinformação em Contextos Eleitorais pela editora Fórum e pesquisador no Instituto Liberdade Digital.

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