Território Aduaneiro

Mulheres e as atividades aduaneiras: uma combinação exitosa

Autor

  • Rosaldo Trevisan

    é doutor em Direito (UFPR) professor assessor/consultor da Organização Mundial das Aduanas (OMA) do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) auditor-fiscal da Receita Federal membro especialista do Carf e membro da Junta Diretiva da Academia Internacional de Direito Aduaneiro (Icla).

5 de março de 2024, 8h00

Na próxima sexta-feira, dia 8 de março, comemora-se o Dia Internacional da Mulher. Escolhermos a ocasião para celebrar e reconhecer o progressivo êxito das mulheres nas atividades aduaneiras, invocando experiências próprias e iniciativas nacionais e internacionais.

Dia Internacional da Mulher: origens

A data comemorativa do dia das mulheres já foi em 28 de fevereiro, nos Estados Unidos, e em 19 de março, em alguns países da Europa, e passou a ser o último domingo de fevereiro, na Rússia, antes da adaptação ao calendário gregoriano. Em 1917, as mulheres, na Rússia, protestaram e fizeram greve por “pão e paz” no último domingo de fevereiro (que caiu no dia 8 de março, no calendário gregoriano). Quatro dias depois, o czar abdicou e o governo provisório concedeu às mulheres o direito de voto. Após a Segunda Guerra Mundial, o 8 de março passou a ser comemorado em vários países, e, em 1975, “Ano Internacional da Mulher”, a Organização das Nações Unidas adotou a data comemorativa [1], embora tenha permitido em resolução da Assembleia Geral, em 1977, que os membros elegessem data distinta, de acordo com suas tradições [2].

Em 2024, o tema da data comemorativa nas Nações Unidas é “Investir nas Mulheres: Acelerar o Progresso”, com destaque para cinco ações conjuntas para promover a igualdade de gênero [3]. A preocupação com a igualdade de gênero está ainda presente no Objetivo 5 de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, e em diversos instrumentos de outras organizações internacionais, inclusive na área de comércio.

As organizações internacionais e a igualdade de gênero

A Organização Mundial das Aduanas (OMA) começou a tratar do tema da igualdade de gênero em 2013 [4] e publicou, em 2020, um “Compêndio sobre Igualdade de Gênero e Diversidade nas Aduanas”, com iniciativas de 17 países (entre elas, a referente ao Comitê de Ética da RFB, no Brasil)[5]. Em 2023, a OMA publicou a segunda edição do compêndio, com mais 12 experiências comparadas [6] e uma “Ferramenta de Avaliação da Igualdade de Gênero”, com 18 indicadores atrelados a seis princípios estratégicos (estratégia, governança e liderança; emprego, carreira, desenvolvimento e compensação; equilíbrio trabalho-vida; violência baseada no gênero e assédio; operações de fronteira e relações com intevenientes; e segurança) [7].

Ainda em 2022, a OMA havia divulgado que apesar de 37% dos funcionários das aduanas dos países membros serem mulheres, apenas 16% dos cargos máximos eram ocupados por elas [8]. Para buscar incentivar os membros a adotarem ações inclusivas sobre o tema, a OMA já havia lançado, em 2020, a “WCO Declaration on Gender Equality and Diversity”, que, em seu item 8, encorajou o secretariado da organização, representante dos diversos membros da OMA, a “…comprometer-se e partilhar as suas políticas em matéria de igualdade e diversidade de gênero, como um incentivo às administrações aduaneiras”.

De fato, a OMA tem a australiana Gael Grooby como encarregada da diretoria de “Tarif and Trade Affairs”, e várias mulheres atuando em sua estrutura, em postos-chave. Tivemos a opotunidade de participar de eventos e missões com algumas delas, como a americana Eleanor Thornton [9], especialista internacional sênior em comércio, e a dominicana Karolyn Salcedo [10], líder de projetos no âmbito da OMA. É importante ainda destacar que temos uma brasileira, a auditora-fiscal Yara Novis, no quadro de oficial técnico sênior da OMA, na área de classificação de mercadorias.

Spacca

No entanto, não há registro de que o cargo de secretário-geral da OMA [11], posição de comando da organização, tenha sido ocupado por uma mulher, o que coloca a OMA em desvantagem, em termos de política de igualdade de gênero (política sugerida em sua própria declaração, acima transcrita) em relação a outras organizações temáticas de comércio, como a OMC [12] (hoje comandada pela nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala), e a Unctad (hoje dirigida pela costarriquenha Rebeca Grynspan). Cabe destacar que tanto na OMC, quanto na Unctad, essas são as primeiras mulheres que estão à frente das organizações.

Administração aduaneira brasileira e igualdade de gênero

No Brasil, a presença de mulheres em postos de comando, na aduana, antecede as citadas organizações internacionais. Ainda na virada do século, Clecy Maria Busato Lionço e Emely França de Paula já dividiam os dois postos mais importantes da Aduana brasileira. Tive a oportunidade e a satisfação de trabalhar e aprender muito com ambas, na Coordenação de Administração Aduaneira e em projetos como o Plano de Modernização da Aduana Brasileira (PMAB).

E hoje a aduana brasileira continua encabeçada por uma mulher, Cláudia Regina Leão do Nascimento Thomaz, subsecretária de administração aduaneira, sendo também feminino o comando da Coordenação-Geral de Combate ao Contrabando e ao Descaminho (a cargo de Karen Yonamine Fujimoto) e do Centro de Classificação de Mercadorias (Ceclam) — cujo Comitê é presidido por Cláudia Navarro. Na área internacional, Kelly Morgero representa o Brasil e ocupa a vice-presidência do Comitê Técnico de Valoração Aduaneira/OMA. Na área de contencioso, a 3ª Seção do Carf, responsável pelo julgamento de processos aduaneiros, é presidida por Liziane Angelotti Meira, e o Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul), por Andrea Duek Simantob. Adicione-se que a secretaria-adjunta da RFB é também feminina, hoje, sob a responsabilidade de Adriana Gomes Rêgo.

E não só na RFB, mas em outros órgãos relacionados ao comércio exterior, é forte a presença feminina. Na Camex, por exemplo, a secretária-executiva é Marcela Carvalho, e a Secex é chefiada por Tatiana Lacerda Prazeres.

Estudos aduaneiros e mulheres

No âmbito acadêmico, a presença feminina se torna marcante no século 21. No Brasil, merecem destaque ainda no início do século os estudos pioneiros de Liziane Angelotti Meira, sobre Regimes Aduaneiros Especiais [13], e de Vera Thorstensen, sobre a OMC [14].

Nos últimos anos, o número de obras sobre Direito Aduaneiro de autoria feminina passou a ser substancial. Utilizemos, a título exemplificativo, as autoras que contribuíram em colunas aqui no “Território Aduaneiro” (Ana Clarissa Masuko, Daniela Floriano, Flávia Holanda Gaeta, Marcela Adari Camargo, Raquel Segalla Reis e Vera Lúcia Feil [15]), ou em obra coletiva que recentemente coordenamos (Tânia Carvalhais Pereira [16], Deolinda Simões, e Sofia Rijo, além de Liziane Angelotti Meira e Vera Lúcia Feil, já citadas anteriormente). No âmbito da pesquisa acadêmica, coordenamos grupo no qual há ativa participação de mulheres, algumas já no nível de doutorado (como Fernanda Kotzias), outras no âmbito de mestrado da UCB (Raquel Segalla Reis [17] e Renata Sucupira Duarte) ou em outros programas (Carmem Silva e Kelly Morgero).

Por certo que cabe aqui também lembrar (de forma reiterada, porque elas já estão em outros pontos do texto) as duas colunistas oficiais do “Território Aduaneiro”: Liziane Angelotti Meira (com quem trabalhei nas equipes elaboradoras do Regulamento Aduaneiro e do Código Aduaneiro do Mercosul, e ainda atuo no Carf) e Fernanda Kotzias (com quem trabalhei no Carf e ainda atuo em pesquisa científica).

Há ainda iniciativas importantes, como a Women Inside Trade (WIT), que reúne, desde 2017, mulheres da academia, dos setores público e privado, em diferentes estágios de carreira, que atuam no Brasil e no exterior, para trocar experiências e debater temas relevantes do comércio internacional. Tive a satisfação de participar de um episódio (cast) da WIT, conversando sobre facilitação do comércio com Constanza Negri, Marina Egydio e Fernanda Kotzias, três mulheres com vasto conhecimento na área [18].

Registre-se ainda a inciativa da Associação Brasileira de Estudos Aduaneiros (Abead), que criou uma Diretoria de Diversidade e Inclusão, hoje a cargo de Monnike Garcia, e realizou pioneiro seminário somente com mulheres especialistas, denominado Customs Insights [19].

No âmbito da Academia Internacional de Direito Aduaneiro, cabe registrar a participação feminina de Lorena Bartomioli e Catalina García Vizcaíno (Argentina), Glória Maria Alves Teixeira (Portugal), Flavia María Figueredo Omodei e Norma Elena Locatelli Tonelli (Uruguai), Suzanne Ina Offerman, Jane A. Restani e Valerie Hughes (Estados Unidos), Carol Susan Osmond (Canadá), Susanne Aigner (Áustria), Francia Inés Hernández Díaz (Colômbia), Sara Armella (Itália), Liziane Angelotti Meira (Brasil) e María Paulina Achurra Zúñiga (Chile), além de outras mulheres com destaque na área aduaneira admitidas em setembro de 2023 [20].

As publicações, contudo, não se resumem às participantes dos grupos aqui citados, sendo conhecidos, por exemplo, os relevantes estudos de Nora Neufeld sobre o AFC/OMC, ou de Ana Sumcheski (v.g., nos Procedimentos Aduaneiros, em parceria com Alfredo Abarca).

Considerações finais

Qualquer pretensão de tornar exaustiva uma lista de autoras de publicações aduaneiras esbarraria ou na falta de conhecimento deste colunista, ou em sua falta de memória, ou em ambas, aliadas à limitação de caracteres da coluna.

Nem arriscarei também iniciar a lista de competentes colegas de RFB (e de outros países) aduaneiras que conheci nas atividades de elaboração de atos normativos, de negociação internacional, de missões de assessoria técnica a países, de cursos e eventos. A tarefa, além de ser árdua e incompatível com o tamanho da coluna, certamente desaguaria em um imperdoável esquecimento de alguém relevante.

Assim, ao mesmo tempo em que encarecidamente peço desculpas a todas as mulheres que não nominei e contribuem incansavelmente para o desenvolvimento do Direito Aduaneiro, desejo tanto a elas, quanto às aqui nominadas, um excelente Dia Internacional das Mulheres, certo de que o incremento da participação feminina em atividades de comércio exterior já é uma realidade, que tende a se consolidar.


[1] Para mais detalhes, vale conferir a história do “Dia Internacional das Mulheres” em: https://www.un.org/en/observances/womens-day/background. Acesso em 03/03/2024.

[2] Resolução 32/142, de 16 de dezembro de 1977, disponível em: https://documents.un.org/doc/resolution/gen/nr0/313/77/pdf/nr031377.pdf?token=lvif3FFtQdaP8e6UKK&fe=true. Acesso em 03/03/2024.

[3] Disponível em: https://www.unwomen.org/en/news-stories/announcement/2023/12/international-womens-day-2024-invest-in-women-accelerate-progress. Acesso em 03/03/2024.

[4] Curiosamente, tive um primeiro contato acadêmico com o tema por meio da OMA. Em 2015, quando participei de um Seminário de Acreditação de Especialistas em Acordo sobre a Facilitação do Comércio-língua inglesa, no Shangai Customs College, na China, promovido pela OMA, o tema a mim sorteado foi “Aduana e Igualdade de Gênero”. Recordo que passei dois dias lendo documentos da ONU e de outras organizações sobre o tema para preparar a apresentação, visto que no âmbito da OMA ainda não havia muitas fontes de dados sobre igualdade de gênero. Hoje, a lista de documentos e eventos realizados sobre igualdade de gênero e diversidade pode ser consultada em: https://www.wcoomd.org/en/topics/capacity-building/activities-and-programmes/gender-equality.aspx. Acesso em 03/03/2024.

[5] Disponível em: https://www.wcoomd.org/-/media/wco/public/global/pdf/topics/capacity-building/activities-and-programmes/gender-equality/gender-equality-compendium_edition1_en.pdf?la=en. Acesso em 03/03/2024.

[6] Disponível em: https://www.wcoomd.org/-/media/wco/public/global/pdf/topics/capacity-building/activities-and-programmes/gender-equality/gender-equality-compendium_edition2_en.pdf?la=en. Acesso em 03/03/2024.

[7] Disponível em: https://www.wcoomd.org/-/media/wco/public/global/pdf/topics/capacity-building/activities-and-programmes/gender-equality/gender-equality-assessment-tool.pdf?la=en. Acesso em 03/03/2024.

[8] Trouxemos essa informação no canal “Portal Aduaneiro”, em 07/03/2022 (Disponível em: hhttps://www.instagram.com/p/Ca0fSdOJxqf/. Acesso em 03/03/2024).

[9] Que foi nossa examinadora no Seminário de Acreditação de Especialistas em Modernização Aduaneira-língua espanhola/OMA, em Buenos Aires, em 2008.

[10] Que foi nossa examinadora no já citado Seminário de Acreditação de Especialistas sobre o AFC, realizado em Shangai, e com quem já tive a honra de dividir missão de capacitação em matéria de Convenção de Quioto Revisada/OMA, no Peru.

[11] Apesar de o sítio web da OMA não ter um quadro público com ex-Secretários-Gerais (informação que seria recomendável, pelo conteúdo histórico e estatístico, no que se refere a distribuição geográfica e igualdade de gênero, por exemplo), cabe informar que a organização foi comandada pelo francês Michel Danet de 1999 a 2008, pelo japonês Kunio Mikuriya, de 2009 a 2023, e é hoje chefiada pelo norte-americano Ian Saunders.

[12] Na OMC, há ainda duas mulheres entre os quatro postos de Diretor-Geral adjunto: Johanna Hill, de El Salvador, e Angela Ellard, dos Estados Unidos. Disponível em: https://www.wto.org/english/thewto_e/dg_e/ddgs_e.htm. Acesso em 03/03/2024.

[13] MEIRA, Liziane Angelotti. Regimes aduaneiros especiais. São Paulo: IOB, 2002. Tive a oportunidade de entrevistar Liziane Angelotti Meira sobre esse livro, estando a entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6zWHJhwE7us&t=22s. Acesso em 03/03/2024.

[14] THORSTENSEN, Vera. Organização Mundial do Comércio: as regras do comércio internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. São Paulo: Aduaneiras, 2009.

[15] Tive a oportunidade de entrevistar Vera Lúcia Feil sobre artigo específico escrito para o Livro “Temas Atuais de Direito Aduaneiro”, estando a entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=7oOkuu1anhc&t=96s. Acesso em 03/03/2024.

[16] Tive a oportunidade de entrevistar Tânia Carvalhais Pereira sobre livro específico sobre temas aduaneiro, estando a entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=wfV_tY6dNpo&t=10s. Acesso em 03/03/2024.

[17] Registre-se que Raquel Segalla Reis sagrou-se mestre em Direito na última quinta-feira, dia 29/02/2024, em memorável banca, na Universidade Católica de Brasília, na qual apresentou com êxito sua dissertação sobre “Gestão de Riscos no Despacho Aduaneiro de Importação: Inteligência Artificial como Instrumento e Agente de Controle”.

[18] Entrevista disponível em: https://open.spotify.com/episode/2Ae1vlFdHJvNkbozSVfrFw. Acesso em 03/03/2024.

[19] Realizado em 2022 e 2023, e disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hqmxtaulbSk. Acesso em 03/03/2024.

[20] Disponível em https://www.iclaweb.org/membership. Acesso em 03/03/2024. Os dados ainda não foram atualizados com as admissões da última reunião anual, realizada em Berlim, em setembro de 2023.

Autores

  • é doutor em Direito (UFPR), professor, assessor/consultor da Organização Mundial das Aduanas (OMA), do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), auditor-Fiscal da RFB, membro especialista do Carf e membro da Junta Diretiva da Academia Internacional de Direito Aduaneiro (Icla).

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