Opinião

Batalha judicial pela restituição de despesas com garantia em execução fiscal indevida

Autores

  • Marcelo Reinecken de Araújo

    é LLM pela London School of Economics and Political Science (LSE) bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e sócio no Veirano Advogados.

  • Renata Andréa Joner Parry

    é mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB) pós-graduada em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e advogada no Veirano Advogados.

  • Renan de Vargas Barreto

    é pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul (PUC-RS) e advogado no Veirano Advogados.

5 de março de 2024, 14h14

A necessidade de contratação e manutenção de fiança bancária ou seguro garantia não é novidade para quem precisa se defender de cobranças indevidas em sede de execução fiscal. Sem garantia, salvo as situações de hipossuficiência, os embargos à execução [1] sequer são admitidos.

Ainda assim, quando o contribuinte se sagra vitorioso nos embargos à execução, raras são as decisões que condenam a Fazenda Pública a restituir essas despesas.

A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) tem sido um farol de esperança para os contribuintes, ao reconhecer que tais despesas configuram pressuposto para o ajuizamento de embargos à execução, representando, assim, uma despesa inerente ao pleno exercício ampla defesa e do contraditório [2].

Despesa processual e o entendimento do STJ
Com essa compreensão, o TRF-4 tem afastado a interpretação restritiva ao artigo 84 do Código de Processo Civil [3], em harmonia com as disposições dos artigos 82, §2º, e 98 do mesmo diploma, ao reconhecer que as despesas processuais descritas no artigo 84 — que incluem custas, indenizações por deslocamento, honorários de assistentes técnicos e diárias de testemunhas — são meramente exemplificativas.

Segundo a interpretação do TRF-4, a acepção do termo “despesa processual” inclui todos os desembolsos necessários para o regular prosseguimento do processo, como condição para o exercício do devido processo legal.

O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, tem resistido a essa visão, ancorado na premissa de que contratação da fiança bancária e do seguro garantia representaria uma faculdade do contribuinte que poderia optar por outros meios de garantia e um benefício indevido sobre quem deposita o montante em dinheiro.

Faculdade ou necessidade?
Esse ponto de vista, contudo, nos parece alheio às adversidades enfrentadas pelos contribuintes na prática, que decorrem da própria orientação jurisprudencial do STJ. Aliás, revela-se contraditório na medida em que foi o próprio STJ que sepultou o direito do executado de escolher a forma de garantir a execução.

É que embora a legislação autorize a utilização de diversas modalidades de garantia, o STJ, por meio da tese firmada no recurso repetitivo, conferiu à Fazenda Pública a prerrogativa de recusar o oferecimento de outras garantias.

Sylvio Sirangelo/TRF-4

Malgrado o princípio da menor onerosidade para o executado, o STJ prestigia o princípio da efetividade da execução, no interesse do credor, ao definir que “o executado não tem direito subjetivo à aceitação do bem por ele nomeado à penhora em desacordo com a ordem estabelecida no art. 11 da Lei 6.830/1980 e art. 655 do CPC” (Tema n° 578/STJ).

A contratação não é uma faculdade. É uma necessidade para quem não dispõe de caixa para depositar em dinheiro o montante executado. Tampouco é um benefício para quem não deposita, pois o executado precisa arcar com todos os custos necessários para a contratação e a manutenção da garantia devidos às instituições financeiras.

Quem pode depositar consegue suspender, por si só, a exigibilidade do crédito tributário e, sagrando-se vencedor ao final do processo, faz jus ao levantamento dos valores depositados acrescidos de atualização e juros de mora (Selic), cujos rendimentos são passiveis de incidência do IRRF, PIS e Cofins [4].

Dessa forma, não se pode considerar o oferecimento de fiança bancária e o seguro garantia como uma “faculdade” ou um “benefício”, já que a Fazenda Pública pode recusar bem oferecido à penhora, quando não observada a ordem legal de preferência.

Aliás, com base nessa justificativa, a recusa até mesmo de precatórios de própria titularidade do exequente, oferecidos à penhora, é prestigiada pelo Poder Judiciário.

Impõe-se ao executado, ainda “o ônus de comprovar, no caso concreto, que a indisponibilidade dos recursos financeiros põe em risco a sua subsistência e indicar outras garantias igualmente eficazes para a satisfação do crédito[5].

A exigência de que o contribuinte demonstre a ameaça à sua subsistência para evitar o depósito judicial de recursos financeiros, enquanto discute a legalidade de uma cobrança tributária, é desproporcional.

A rigidez na interpretação das normas que regem a penhora, especialmente em casos que envolvem a disputa de cobranças consideradas indevidas pelo contribuinte, não deve levar a uma situação em que a garantia do juízo se transforme em uma questão de sobrevivência financeira para o executado.

Única solução
Na ausência de mecanismos que assegurem um equilíbrio entre a eficiência da execução fiscal e a manutenção da saúde financeira do devedor, opções como a fiança bancária e o seguro garantia emergem como as únicas soluções viáveis para o contribuinte, já que evitam o comprometimento de seus recursos de forma imediata.

É relevante lembrar, ainda, que somente a fiança bancária ou seguro garantia [6] são regulamentadas, constituindo-se em modalidades de garantia mais seguras, atraindo menos riscos de penhora online ou de faturamento [7], sendo aceitas somente após a concordância das procuradorias.

Natureza contratual e o dever de restituição
Outro fundamento adotado pelo STJ para negar o direito à restituição é o de que essas despesas não seriam “processuais”, mas “extraprocessuais e de natureza contratual, pois decorrem de ajuste pactuado entre o devedor e a instituição seguradora, não sofrendo qualquer ingerência do Poder Judiciário” [8].

Porém, o próprio CPC, em seu art. 84, elenca despesas extraprocessuais e de natureza contratual, pactuadas sem qualquer ingerência do Poder Judiciário, como as viagens, os honorários de assistentes técnicos e as diárias de testemunhas, todas elas passíveis de restituição.

O dever da Fazenda Pública de restituir as despesas com a garantia das execuções indevidas que se propõe é corolário lógico dos princípios da sucumbência e da causalidade, uma vez que decorre diretamente do artigo 39 da LEF c/c artigo 776 do CPC c/c artigo 37, §6º da CF e sequer deveria demandar condenação expressa.

Para enfrentar a questão, o Congresso agiu decisivamente, aprovando o Projeto de Lei nº 4.689, convertido na Lei nº 14.689/23. O texto apresentou proposta de alteração da redação do parágrafo único do artigo 39 da Lei nº 6.830/80, especificando que a Fazenda Pública, se derrotada, deveria restituir integralmente as despesas incorridas pelo executado, incluindo custos com a emissão, contratação e manutenção de fianças bancárias ou seguros garantia.

Contudo, o veto presidencial a esse dispositivo, sob a justificativa de preocupações com o controle das contratações de garantias, revelou as complexidades políticas e econômicas que permeiam a discussão. A lógica por trás do veto desconsidera, todavia, que tanto as cartas de fiança quanto os seguros-garantia somente são aceitas após prévia e expressa concordância da Fazenda Nacional.

Assim, diante do rigoroso escrutínio da Procuradoria sobre essas garantias antes de sua aceitação, fica claro que já existe um mecanismo de controle eficaz sobre os termos dessas contratações.

Apesar do veto, é imperativo salientar que o Judiciário detém autonomia para revisitar e moldar a jurisprudência, de forma íntegra, estável e coerente (artigo 926/CPC), à luz dos princípios gerais do direito, especialmente em face da interpretação já dada às normas vigentes.

O Código de Processo Civil, ao tratar exemplificativamente das despesas processuais e não excluir expressamente esse tipo de despesa das passíveis de restituição, proporciona uma latitude interpretativa que permite considerar-se as garantias como despesas essencialmente processuais, enquanto pressuposto para o exercício da defesa e do contraditório. Em outras palavras, o veto não encerra o debate sobre a matéria, mas sim, convoca a doutrina e a jurisprudência a refletirem sobre o tema.

Conclusão
A controvérsia a respeito do conceito de “despesas processuais” ilustra não apenas um debate jurídico, mas também um reflexo das tensões entre eficiência fiscal e justiça tributária. No coração dessa disputa jaz a questão fundamental sobre a equidade do sistema fiscal e o direito dos contribuintes a uma defesa plena e justa, sem serem penalizados financeiramente por exercerem esse direito.

À medida que a jurisprudência evolui, há espaço para reavaliar não apenas o conceito de despesas processuais, mas também os princípios que norteiam a busca coletiva por justiça fiscal.

O STJ, em sua missão de uniformizar a interpretação da lei federal, pode expandir a sua visão sobre a responsabilidade objetiva do exequente por danos indevidos causados ao patrimônio do executado, incluindo a restituição das despesas com garantias de execuções indevidas dentro dessa perspectiva.

 


[1] Conforme art. 16, §1º, da Lei nº 6.830/80: “Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução”.

[2] TRF4, AC 5008453-63.2014.4.04.7111, 1ª Turma, relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 20/02/2020

[3] “Art. 84. As despesas abrangem as custas dos atos do processo, a indenização de viagem, a remuneração do assistente técnico e a diária de testemunha”.

[4] Os rendimentos do depósito estão sujeitos à incidência do IRRF, PIS e Cofins, conforme art. 776, §3º, do Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda) art. 1º, §1º, das Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 (Receitas Financeiras).

[5] STJ – AgInt no AREsp n. 2.187.083/RS, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 9/10/2023, DJe de 16/10/2023

[6] Como sabido, a legislação processual, em seu art. 835, §2º, equiparou a penhora em dinheiro à apólice de seguro-garantia ou carta de fiança bancária, as quais sequer dependem da aceitação do credor para fins de oposição dos embargos à execução, conforme arts. 9º, II, e 15, I e II, da Lei nº 6.830/80.

[7] “Inobstante a previsão do artigo 11 da LEF e do art. 655 do CPC (após as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei nº 11.382/06), a ordem preferencial deve ser relativizada nos casos em que nomeados bens outros que possam garantir a execução. (…) as atuais diretrizes do processo executório orientam-se pelo princípio da efetividade que, no caso, implicam em satisfação total do crédito. (…) imóvel indicado, de modo que a recusa do bem nomeado, bem como a penhora do numerário via BacenJud, afiguram-se incensuráveis (…) (TRF4, AC 5048971-59.2017.4.04.9999, 1ª Turma, relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 09/11/2017)

[8] AREsp n. 2.163.448/RO, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 15/12/2022

Autores

  • é LLM pela London School of Economics and Political Science (LSE), bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB) e sócio no Veirano Advogados.

  • é mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília (UCB), pós-graduada em Direito Tributário e Finanças Públicas pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e advogada no Veirano Advogados.

  • é pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul (PUC-RS) e advogado no Veirano Advogados.

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