FALTOU DEBATER

Sem contraditório, condenado no júri não deve indenizar por dano moral, decide TJ-MG

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2 de março de 2024, 8h22

A fixação na sentença condenatória do valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, nos moldes do artigo 387, inciso IV, do Código de Processo Penal (CPP), deve ser debatida em plenário, na hipótese de crime julgado pelo Tribunal do Júri, para não serem afrontados os princípios do contraditório e da plenitude de defesa.

TJ de Minas entendeu que faltou debate no Tribunal do Júri

Por maioria de votos, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) adotou esse entendimento para, de ofício, afastar de um réu condenado por tentativa de homicídio qualificado o dever de pagar R$ 10 mil à vítima, a título da reparação mínima prevista no inciso IV do artigo 387 do CPP.

“Conforme reiterados julgados dos tribunais superiores, para que o menor montante seja estabelecido, é preciso que haja pedido do ofendido ou do Ministério Público, facultando-se amplo debate a respeito do tema, assegurando-se as garantias processuais ao acusado para que ele se defenda também do aspecto cível debatido”, frisou o desembargador Eduardo Brum.

Relator do recurso de apelação interposto pela Defensoria Pública, Brum verificou que não houve discussão no júri sobre o montante indenizatório devido pelo réu ao ofendido, seja por dano material ou moral. Conforme o julgador, o MP formulou apenas um pedido de forma “absolutamente genérica” ao final da denúncia, não ocorrendo “amplo debate necessário a se assegurar o contraditório ou mesmo para se estipular um valor mínimo”.

Desse modo, o relator votou para afastar da condenação o valor mínimo fixado para a reparação dos danos causados pela infração. Contudo, ele ressalvou que a vítima, caso tenha interesse, poderá ajuizar ação autônoma, na esfera cível, pleiteando a indenização daquilo que achar cabível.

A Defensoria Pública postulou na apelação a anulação do júri com o argumento de que a decisão dos jurados contrariou a prova dos autos. Subsidiariamente, pediu a redução da pena fixada pela juíza Elisa Marco Antonio, da Vara do Júri de Araguari (MG), em cinco anos, seis meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial semiaberto.

De acordo com Brum, sob pena de se negar vigência ao princípio constitucional da soberania dos veredictos, não é caso de anulação porque os jurados optaram por uma das teses apresentadas em plenário, que é condizente com as provas. No entanto, o relator deu parcial provimento ao recurso defensivo para readequar a dosimetria, reduzindo a pena para quatro anos e oito meses, mantido o regime semiaberto.

O desembargador Corrêa Camargo acompanhou na íntegra o voto do relator. O crime ocorreu em 13 outubro de 2022. O réu é acusado de atirar na direção da vítima ao cobrar suposta dívida de drogas no valor R$ 80. Ela estava no banheiro de sua casa e escapou ilesa.

Voto vencido

Revisor da apelação, o desembargador Doorgal Borges de Andrada divergiu dos colegas da 4ª Câmara Criminal e defendeu a manutenção de um valor mínimo para a reparação dos danos, que, no caso concreto, considerou mais adequado ser no patamar de R$ 5 mil, “haja vista as circunstâncias da infração”.

Segundo Andrada, não resta dúvida de que qualquer vítima de ato delituoso sofre uma dor de existência moral inequívoca com o crime cometido contra si, sendo-lhe devida a fixação de indenização pelo dano extrapatrimonial. Eventual dano material também pode ocorrer, mas ele não foi constatado no caso sob análise.

“Não cabe alegar que não houve contraditório ou falta de provas da ocorrência do dano moral civil, uma vez que se extrai dos autos, após todo o contraditório e ampla defesa, a condenação criminal em face, obviamente, de um delito penal. Como dito, se demonstrado a prevalência do crime, o ilícito civil dele é uma decorrência automática”, sustentou o revisor.

Andrada acrescentou que, apesar da sua natureza cível, a regra do artigo 387, inciso IV, do CPP é de Direito Público, devendo o juiz aplicá-la de ofício. “No Direito Público, o magistrado não fica adstrito ao pedido das partes. A reparação civil no juízo criminal já vem sendo praticada com êxito há muitos anos no Juizado Especial Criminal, através do Código de Trânsito Brasileiro e nos crimes ambientais.”

Processo 1.0000.23.212484-2/001

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