Opinião

Termo inicial da prescrição da pretensão executória tem três momentos distintos

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1 de março de 2024, 7h04

A questão posta em debate é aferir qual o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva de que trata o artigo 1º-A da Lei 9.873/99, segundo o qual constituído definitivamente o crédito não tributário, após o término regular do processo administrativo, prescreve em cinco anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.

Com efeito, o término do processo administrativo pressupõe a inexistência de discussão ou de possibilidade de alteração do crédito. Este é o pressuposto básico. Assim, não há se confundir “término regular do processo administrativo” com “constituição definitiva do crédito não tributário”, conceito, este, impreciso e importado do direito tributário, inaplicável ao direito sancionatório.

Deste modo, há três momentos distintos, a depender do curso do processo administrativo, em que pode ocorrer o termo inicial da prescrição da pretensão executória, advindo da aplicação da multa ambiental, não previstos na Lei 9.873/99, quais sejam:

  • no dia do decurso do prazo de 20 dias para a impugnação, sem apresentação de qualquer defesa administrativa pelo autuado e sem pagamento; ou,
  • no dia do decurso de prazo de 20 dias para recorrer da decisão de primeira instância, caso não tenha efetivado o pagamento da multa; ou
  • um dia depois da prolação da decisão de segunda instância, uma vez que inexiste previsão de outra instância recursal e possibilidade de recurso no processo administrativo federal ambiental, a teor do Decreto 6.514/08 e legislações atinentes.

É que o legislador federal, quando da inserção do artigo 1º-A na Lei 9.873/99, não teve o intuito de conceituar a “constituição definitiva de crédito não tributário”. O verdadeiro intuito foi regular quando se inicia o prazo da prescrição da pretensão executória, sendo considerado o momento do “término regular do processo administrativo”.

Entretanto, muitos intérpretes fazem confusão, criando interpretações sobre o termo inicial ou a “data da constituição definitiva”, associando ao direito tributário, que muito se fala sobre a “notificação” da decisão final.  De fato, a Lei 9.873/99 falou menos do que deveria, entretanto, é possível fazer uma analogia e chegar à conclusão acima.

Não por outro motivo a Lei 21.735/2015 do Estado de Minas Gerais, com inteligência, regulou muito bem o tema. É possível notar que a legislação cuidou de esgotar todas as hipóteses de início do prazo prescricional para cobrança do crédito não tributário, a fim de não criar celeumas interpretativas e criação de termos iniciais ao gosto do intérprete. Vejamos:

Art. 3° Constituído definitivamente o crédito não tributário, mediante regular processo administrativo, prescreve em cinco anos a pretensão de exigi-lo.

§ 1º Considera-se definitivamente constituído o crédito não tributário quando a obrigação se tornar exigível, notadamente quando:

I – do vencimento de pleno direito da obrigação constante em título executivo extrajudicial;

II – o devedor não pagar nem apresentar defesa no prazo legal;

III – não mais couber recurso da decisão administrativa, certificando-se a data do exaurimento da instância administrativa.

§ 2º O prazo prescricional começa a ser contado no dia do vencimento do crédito sem pagamento ou na data do exaurimento da instância administrativa que confirmar a aplicação da penalidade, observado o disposto no § 3º do art. 2º da Lei federal nº 6.830, de 22 de setembro de 1980.

Vê-se que em Minas Gerais a lei é mais completa e dispõe expressamente sobre a constituição definitiva, bem como especifica que ela se dá com o término do regular processo administrativo.

Em momento algum, portanto, há a equivocada interpretação de que seria apenas com a notificação do autuado da decisão irrecorrível, notadamente porque aí a Administração poderia demorar propositadamente para notificar o autuado.

Abaixo explana-se sinteticamente cada uma das hipóteses, então, previstas na Lei 9.873/99, ou seja, dos possíveis “términos regulares dos processos”, conforme o curso que se der ao processo administrativo.

O devedor não pagar nem apresentar defesa no prazo legal
Inexistindo qualquer impugnação do autuado durante todo o decorrer do processo administrativo, o crédito torna-se exigível na própria data do vencimento da multa e a partir daí começa a correr o prazo prescricional para ajuizar a execução fiscal.

Logo, o termo inicial para a contagem da prescrição executória, em se tratando de multa administrativa, é o vencimento do crédito sem pagamento, ou seja, quando o infrator se torna inadimplente.

No ponto, imprescindível anotar o teor da Súmula 622 do STJ, que prevê que “a notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial”.

Assim, o crédito poderá ser constituído logo no início, nos casos em que o infrator é cientificado da lavratura do auto de infração ambiental e não efetua o pagamento da multa, tampouco oferece defesa administrativa, para impugnar a sanção imposta ou o seu valor, sendo o entendimento jurisprudencial no sentido de que nesta hipótese o crédito se torna exigível.

Por consequência, tem início o prazo prescricional para o ajuizamento da execução fiscal, na própria data do vencimento da multa, já que com o vencimento do crédito sem pagamento torna-se inadimplente o infrator.

Imperioso registrar que o entendimento acima explanado é pacífico no TRF-1 [1], segundo o qual, “sem notícia de pagamento ou impugnação do valor cobrado no auto de infração, é de se concluir que o crédito foi definitivamente constituído no seu vencimento”.

Desta feita, sem notícia de pagamento ou impugnação do valor cobrado no auto de infração é de se concluir que o crédito é definitivamente constituído, podendo ser cobrado a partir do vigésimo primeiro dia da notificação para apresentar a defesa.

Convém esclarecer que, quando o auto de infração ambiental é lavrado, o autuado é notificado para apresentar defesa ou pagar a multa ambiental, no prazo de 20  dias, contado da data da ciência da autuação. Esta notificação do autuado se dá no próprio auto de infração, que já conta com a qualificação do notificado, valor da multa e data do seu vencimento.

Desse modo, a falta de pagamento, somada à revelia na fase de instrução do processo administrativo, enseja a constituição definitiva do crédito, de modo a torná-lo exigível no vigésimo primeiro dia da notificação, ainda que a aplicação efetiva de uma sanção administrativa reclame o devido processo legal, iniciando a primeira hipótese de prescrição da pretensão executória.

Ausência de pagamento da multa e de interposição de recurso contra a decisão administrativa de 1ª instância
Dispõe o artigo 126 do Decreto 6.514/08 que, julgado o auto de infração, o autuado será notificado por via postal com aviso de recebimento ou outro meio válido que assegure a certeza de sua ciência para pagar a multa no prazo de cinco dias, a partir do recebimento da notificação, ou para apresentar recurso no prazo de 20 dias.

Deste modo, percebe-se que, transcorrido o prazo de 20 dias sem a apresentação de recurso, operar-se-á o que se chama coisa julgada administrativa da decisão de primeira instância, tornando-a imutável.

Nesta hipótese, por ser possível a alteração da decisão por meio de recurso, a notificação é obrigatória para que a multa venha se tornar exigível, sob pena de violação ao contraditório e ampla defesa. Sobre este ponto, a Instrução Normativa Ibama 19/2023, dispõe:

Art. 109. Julgado o auto de infração ambiental, o autuado será notificado para:

I – pagar a multa, no prazo de cinco dias, ou solicitar o parcelamento administrativo do débito;

II – formalizar a adesão à conversão da multa ambiental, se deferido pedido nesse sentido; ou

III – interpor recurso, no prazo de vinte dias.

§ 1º A notificação de que trata este artigo conterá também a advertência de que o valor da dívida será definitivamente constituído e incluído no Cadastro Informativo de créditos não quitados do setor público federal (Cadin), caso não haja pagamento ou interposição de recurso.

Assim, não havendo o pagamento da multa cumulada com a não apresentação do recurso, no vigésimo primeiro dia o valor se torna exigível, iniciando-se, portanto, o prazo de prescrição da pretensão executória, sem maiores discussões quanto esta hipótese na lei e na jurisprudência, vez que houve a cientificação e a ausência de recurso.

Decisão recursal de 2ª instância como termo inicial da prescrição da pretensão executória
A terceira e última hipótese é a coisa julgada em razão do esgotamento de recursos, o que gera a imutabilidade da decisão proferida em segunda instância e automático início da fluição do prazo prescricional da pretensão executória, já que houve o término regular do processo administrativo.

Como sabido, a Lei 11.941/2009 revogou o inciso III do artigo 8º da Lei 6.938/81, que conferia ao Conama a competência de decidir, como última instância administrativa, em grau de recurso, as multas e outras penalidades impostas ao Ibama. Desse modo, só há a possibilidade de um único recurso na esfera administrativa em processos ambientais perante a administração pública federal, sendo a decisão de segunda instância administrativa imutável.

Por sua vez, dispõe o artigo 1-A da Lei 9.873/99 que, após o término regular do processo administrativo, prescreve em cinco anos a ação de execução da administração pública federal relativa a crédito decorrente da aplicação de multa por infração à legislação em vigor.

Neste sentido, o termo inicial da prescrição da pretensão executória se dá no dia seguinte ao da decisão definitiva de segunda instância. É que se a decisão é definitiva, imutável administrativamente, posto que não há mais possibilidade de interposição de recurso, o processo administrativo teve o seu término regular, havendo subsunção ao que está descrito na lei.

Interpretação diversa a concluir que a decisão só se torna exigível com a notificação do autuado acerca do julgamento seria elastecer o prazo prescricional em favor da administração pública, em descompasso com a segurança jurídica, “ressuscitando” a famigerada tese dos 5+5 (5 anos para intimar + 5 anos para executar).

Isso porque, alguns intérpretes entendem, equivocadamente, que até mesmo a decisão de segunda instância interrompe a prescrição da pretensão punitiva, iniciando novamente o prazo prescricional da pretensão punitiva de cinco anos para então notificar o autuado, o que é errado, a teor do artigo 2º, III, da Lei 9.873/99.

Tal erro interpretativo se dá porque a decisão de segunda instância encerra totalmente a fase instrutória, não havendo mais se falar em prescrição da pretensão punitiva, seja propriamente dita ou intercorrente. Inicia-se, a partir desta decisão, a pretensão executória da administração.

Na equivocada interpretação acima mencionada, com a prolação da decisão administrativa de segunda instância, que sequer é marco interruptivo da prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, por ser irrecorrível (Lei 9.873/99, artigo 2º, III), a administração ainda deve notificar o autuado para poder cobrar a dívida.

O fato é que após o julgamento definitivo há uma conhecida e extrema morosidade da administração em proceder à notificação. É corriqueiro demorar mais três ou quatro anos para que isso ocorra. Ora, se para toda pretensão há uma prescrição, qual seria o prazo contra a Fazenda Pública então entre a decisão de segunda instância e a notificação?

Percebe-se que nesta interpretação equivocada haveria um elastecimento do prazo prescricional da pretensão punitiva em favor da administração pública caso o prazo da prescrição da pretensão executória começasse a fluir tão somente após a notificação, já que poderia haver morosidade de anos para a efetivação desta comunicação.

Logo, poderia a administração demorar em média três ou quatro anos para efetivar a notificação e, não efetivado o pagamento da multa após a notificação, ainda teria mais cinco anos para promover a execução fiscal para cobrança do crédito não tributário. Esta interpretação viola a legalidade e a isonomia entre a Administração e o administrado.

Essa não foi a intenção do legislador. Tanto assim o é que no artigo 2º, inciso III, da Lei 9.873/99, ele cuidou bem em mencionar que somente a decisão condenatória recorrível é apta a interromper a prescrição da pretensão punitiva, porque ainda não se esgotou a apuração dos fatos. Da decisão irrecorrível, como é da de segunda instância, começa a contar a prescrição da pretensão executória.

E assim sendo, se proferida a decisão irrecorrível, houve o término regular do processo administrativo e, por óbvio, fluirá automaticamente a prescrição da pretensão executória prevista no artigo 1º-A. Daí o motivo de a Lei mencionar expressamente que só interrompe a prescrição da pretensão punitiva se a decisão for recorrível. Essa foi a razão da elaboração da Súmula 467 do STJ.

Ora. A lei dispõe que o último marco interruptivo da prescrição da pretensão punitiva é a decisão administrativa de primeira instância, porque recorrível. Assim, o julgamento e a notificação do administrado da decisão de segunda instância devem se dar dentro de cinco anos contados da decisão administrativa de primeira instância, sob pena de configurada a prescrição da pretensão punitiva.

Isso porque pensamento diverso poderia criar um vácuo sem fluxo de prazo prescricional entre a decisão de segunda instância e a notificação do autuado, quando então, após esta, surgiria o prazo de prescrição da pretensão executória. Haveria, portanto, um elastecimento do prazo prescricional sem previsão legal, sem segurança jurídica ao administrado.

Portanto, na terceira hipótese, a interpretação mais coerente é aquela de que não havendo mais recurso previsto em lei e tornada imutável a decisão de primeira instância, houve o término regular do processo administrativo, iniciando-se no dia seguinte à decisão de segunda instância a prescrição da pretensão executória, cabendo à administração efetivar a notificação da decisão definitiva e propor a execução fiscal dentro do interregno de cinco anos, sob pena de elastecimento da pretensão punitiva estatal sem previsão legal.

 


[1] TRF1 – AC 1000754-61.2022.4.01.9999, DESEMBARGADORA FEDERAL GILDA SIGMARINGA SEIXAS, SÉTIMA TURMA, PJe 28/07/2022.

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