Licitações e Contratos

Impugnação do edital impede mandado de segurança?

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

1 de março de 2024, 9h13

A utilização do mandado de segurança durante o curso do processo licitatório provoca as mais variadas polêmicas, especialmente quando se perfilha sobre o cabimento do respectivo lenitivo processual, o qual, ao tempo em que combate um ato administrativo (ou até judicial, não relevante para o presente tema), também provoca discussão acerca do âmbito de atuação do Judiciário quanto ao controle dos atos praticados pela Administração Pública.

Assim o é pelo simples fato de que, à luz da Teoria da Separação dos Poderes — teoricamente harmônicos e independentes entre si —, ao Poder Judiciário caberia um resquício de controle último sobre o curso do processo licitatório, não sendo legítimo adentrar em pormenores intestinos ao habitual trato conferido pela Administração Pública à modelagem contratual contornada por fiel apego normativo, decorrente de outro independente Poder, o Legislativo.

Portanto, levar à apreciação do Judiciário um ato praticado pela Administração Pública, cujo guião é esquadrado em norma jurídica amplamente debatida, de conteúdo nacional, encartada em lei (preferencialmente a Lei nº 14.133/2021, sem prejuízo de outros normativos infralegais), seria, em tese, uma afronta multiforme e copiosa, se se considerar que atinge mais de um dos três Poderes.

A perfectibilizada secessão de Poderes, patentemente axiomática (perdão à proposital perissologia), é incurial para a solução prática dos reveses e embaraços que aos gestores públicos se impõem, tanto quanto maiores são as vicissitudes que, cotidianamente, despontam.

Logo, esclarecer administrativamente, em sanatória com silhuetas de arrematação, nem sempre proporciona a melhor solução (tampouco a “ótima” — matematicamente a mais plausível e, juridicamente, com potencial equidade), apontando-se para o Judiciário (medianeiro Poder), o propósito de enquadrar a tomada de decisão administrativa.

Sob o intento de ser deferente ao Judiciário, reduzindo plausíveis demandas processuais, a norma informa que, somente em algumas hipóteses, faz-se possível socorrer-se do Mandado de Segurança, tanto quanto não seja mais possível esgotar a via administrativa (exegese do inciso I do artigo 5º da Lei nº 12.016/2009). Logo, existindo recurso administrativo com efeito suspensivo, inviável a pavimentação provocada pela via estreita do Mandamus.

Guilherme Carvalho tarja

Confessadamente, salvo raros e exclusivos casos, não há contundente discussão no que toca à provocação judicial se não esgotada a via administrativa. À vista disso, nem toda negativa administrativa é o bastante para que se possa propor, ao Poder Judiciário, a substituição do inconformismo de um ou outro licitante.

Esgotamento
Porém, desde esse ponto surge outro emblema: mas o que pode ser entendido como esgotamento da via administrativa?

Quer-se, a partir do pretérito questionamento, indagar sobre um específico quesito: a não impugnação do edital da licitação é suficiente para impedir o acesso jurisdicional pela via do Mandado de Segurança?

Antecipadamente, parecer crível que não. A despeito dessa sutil interpretação, nem sempre o julgador — independentemente do grau de jurisdição — assim entende, valendo-se de falsa — e abstrusa — premissa de que a impugnação ao edital é recurso administrativo com efeito suspensivo.

Muito embora estejam contidos no mesmo capítulo, a impugnação ao edital guarda mais similaridade com os pedidos de esclarecimento, sendo pouco adjunto aos recursos administrativos e pedidos de reconsideração.

Para além dessa distintiva particularidade, é poder-dever da Administração nulificar um processo licitatório (respeitados, claramente, o devido processo legal, bem assim o contraditório e a ampla defesa — literalidade do artigo 71, III, da Lei nº 14.133/2021), inclusive de ofício, sem que haja, necessariamente, provocação de terceiros (leia-se, licitantes), maiormente se o vício for insanável.

Impugnado ou não o instrumento convocatório, é inconcebível a manutenção de uma nulidade impassível de sanatória — oposição clara ao inciso I do artigo 71 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Consequentemente, em tal circunstância, é dizer, sem viabilizar a impetração do Mandado de Segurança, estará o Judiciário chancelando uma nulidade, a qual pode, inclusive, ser declarada oficiosamente

Por decorrência lógica, a não impugnação ao edital não obstaculiza a propositura do remédio constitucional, destacando-se, ainda mais, que a indicação da nulidade foi levada ao exame do Poder que, por regra — respeitadas as balizas constitucionais —, deve conceder a concretização da legalidade legítima.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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