Tortura processual

TJ-PR rejeita embargos do MP contra revisão criminal do 'caso Evandro'

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3 de maio de 2024, 12h20

Com o entendimento de que se trata de mero incoformismo da parte com o resultado do julgamento, além de ressaltar que não houve omissão ou obscuridade, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná rejeitou, por unanimidade, embargos de declaração propostos pelo Ministério Público estadual contra a decisão que determinou a revisão criminal de condenações que ocorreram no âmbito do “caso Evandro”.

TJ-PR rejeitou embargos do MP contra revisão criminal do Caso Evandro

Em agosto do ano passado, o mesmo tribunal havia proferido decisão, por maioria de votos, para aceitar a revisão criminal e anular as condenações dos acusados pelo assassinato de Evandro Ramos Caetano, em 1992. O caso é considerado um dos maiores erros do Judiciário brasileiro, com atuações desastrosas da polícia paranaense e do próprio MP.

Na decisão mais recente, assinada nesta quinta-feira (2/5), o relator da matéria, desembargador Xisto Pereira, afirma que o MP não enfrentou a decisão da Câmara que apontou para a revisão e baseou seus embargos em voto vencido, proferido pelo desembargador Miguel Kfouri Neto.

“É difícil aceitar que o acórdão embargado contenha algum defeito que necessite ser corrigido, especialmente omissão. Isso porque o Ministério Público, em seu parecer escrito, apenas sugeriu que as fitas vindas com a inicial da ação revisional deveriam ser submetidas a justificação criminal. Nada disse a respeito da matéria de fundo (de mérito), quando deveria tê-lo feito pelo princípio da eventualidade. Somente agora, nas razões destes embargos de declaração, em vários trechos, foram enfrentadas as razões meritórias da ação revisional.”

Tortura e confissão

A revisão criminal assegurou a anulação das condenações de quatro réus. A confissão dos acusados na época do crime ocorreu em decorrência de tortura, comprovada anos depois a partir de uma série de trabalhos de investigação do jornalista Ivan Mizanzuk.

Mesmo com a revisão criminal e com as provas (fitas que gravaram gritos e a violência contra os acusados, com os policiais orientando suas respostas em direção à confissão), o Ministério Público do Paraná se colocou de forma contrária à aplicação dessas fitas no processo, foi contra a revisão criminal e, com a decisão colegiada da 1ª Câmara, apresentou embargos de declaração para anulá-la.

No pedido do MP-PR, a promotora Maria Angela Camargo Kiszka questionou as provas obtidas pelo jornalista. “Se as fitas contêm torturas inomináveis, como argui a Defesa dos requerentes, porque, passados quase dois anos após a divulgação pública pelo jornalista Ivan Mizanzuk em seu podcast, propõe-se a revisão criminal meses depois?”, questionou ela.

“Veja-se, a mais do que isso, como se disse no início deste voto, que as razões destes embargos de declaração não abrangem todas os fundamentos, fáticos e jurídicos, que serviram de alicerce para o conhecimento da ação revisional, vale dizer, não se atentou para todo o contexto em que se entendeu desnecessária, ’em vista das especificidades do caso em exame’, a justificação criminal”, disse o desembargador relator ao rejeitar o pedido do MP-PR.

Contexto

Depois da decisão de agosto passado que determinou a revisão criminal de alguns acusados no “caso Evandro”, a mesma sentença foi estendida a outra ré. Durante toda a investigação nos anos 1990, polícia e promotoria sustentaram que ela e outros acusados faziam parte de uma seita satânica.

Poucos meses antes, a 2ª Câmara Criminal do mesmo tribunal havia negado um pedido de revisão no mesmo caso.

Na 1ª Câmara, todavia, os desembargadores reconheceram as fitas descobertas por Mizanzuk como válidas no processo e ordenou o prosseguimento da revisão criminal, tendo em vista as novas provas coletadas. A corrente vencedora foi composta pelos desembargadores Adalberto Jorge Xisto Pereira, Gamaliel Seme Scaff e Sérgio Patitucci.

Naquele julgamento, prevaleceu a tese de que não havia a necessidade de justificativa formal para acoplar as novas provas aos autos, posto que se tratam de provas documentais, históricas e produzidas pelo próprio Estado. Os indícios de tortura, disseram os desembargadores, foram mais do que evidentes.

O colegiado ainda reconheceu que as prisões feitas nos anos 1990 foram feitas sem mandado judicial.

As revisões vêm na esteira de revelações feitas por Mizanzuk por meio de uma série em formato de podcast e, posteriormente, um trabalho audiovisual produzido pelo serviço de streaming Globoplay apresentou novas provas pertinentes ao caso, a principal delas um conjunto de fitas com sessões de tortura dos acusados para confessarem as supostas participações no crime, as quais nunca ficaram comprovadas.

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Processo 0115029-77.2023.8.16.0000

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