Opinião

Intervenção do Ministério Público na mudança do regime de bens

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27 de janeiro de 2024, 9h15

O atual Código Civil, no parágrafo segundo, de seu artigo 1.639 [1], declara ser “admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

Conforme já interpretado pelo Superior Tribunal de Justiça, a própria norma legal já resguarda os direitos de terceiros que eventualmente se considerarem prejudicados pela modificação do regime de bens do respectivo casal, sendo tal alteração ineficaz em relação àquelas pessoas [2].

Em respeito à mencionada preservação do direito de terceiros, o parágrafo primeiro, do artigo 9º-A do Provimento nº 37/2014, publicado pelo Conselho Nacional de justiça (CNJ), determina que a averbação da alteração do regime de bens deverá obrigatoriamente consignar a seguinte informação:

“a alteração do regime de bens não prejudicará terceiros de boa-fé, inclusive os credores dos companheiros cujos créditos já existiam antes da alteração do regime” [3].

O que diz o CPC?
O Código de Processo Civil, ao dispor sobre o procedimento de alteração do regime de bens do casamento, no parágrafo primeiro, de seu artigo 734, aponta que o juiz, ao receber a petição inicial, deverá determinar, entre outros, a intimação do Ministério Público [4].

O CNJ, através da publicação do Provimento nº 141/2023, alterou o mencionado Provimento nº 37/2014, acrescentando um capítulo para tratar especificamente da alteração de regime de bens na união estável, diretamente perante o registro civil de pessoas naturais, de forma extrajudicial.

No referido novo capítulo, a atual redação do Provimento nº 37/2014 não prevê a intervenção do Ministério Público nos procedimentos extrajudiciais de alteração de regime de bens na união estável.

Antes de continuar, cabe observar que seria interessante e salutar que o CNJ, através de ato normativo expresso, calcado no princípio da isonomia, buscando fomentar ainda mais a incessante busca pela desjudicialização, estendesse também aos cônjuges a alternativa de alteração de regime de bens do casamento, diretamente perante o registro civil de pessoas naturais, de forma extrajudicial, nos mesmos moldes previstos para as uniões estáveis.

A proteção à união estável na CF/88
Prosseguindo, conforme já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal [5] e pelo STJ [6], o artigo 226, §3º, da Constituição, ao conferir proteção à união estável, visou a igualar os direitos entre ela e o casamento, sendo vedado conceder mais direitos aos companheiros do que aos cônjuges, uma vez que tais pessoas se encontram em igualdade de condições.

Nesta linha, a atual interpretação da regra contida no parágrafo primeiro, do artigo 734 do CPC, a que melhor se coaduna com os valores estabelecidos na Constituição [7], deve ser no sentido de que nos procedimentos de alteração do regime de bens, a intervenção do Ministério Público somente será necessária quando presentes as hipóteses previstas no artigo 178 [8] do mesmo Diploma Processual Civil.

Em consonância com tal entendimento, na III Jornada de Direito Processual Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o seguinte enunciado, que recebeu o número 177:

ENUNCIADO 177: No procedimento de alteração de regime de bens, a intimação do Ministério Público prevista no art. 734, §1º, do CPC somente se dará nos casos dos arts. 178 e 721 do CPC.

A justificativa apresentada pelo proponente do referido enunciado, foi a seguinte:

Justificativa: O art. 734, §1º, trata de matéria patrimonial e, em tese, disponível, de modo que não se justifica tratar o dispositivo como exceção ao art. 721, do CPC, que forma um regime único interventivo para o Ministério Público nos procedimentos especiais de jurisdição voluntária.

As hipóteses do artigo 178  do CPC
Importante deixar consignado que a não obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público nos procedimentos de alteração de regime bens, tanto nas uniões estáveis, quanto nos casamentos, salvo quando presentes as hipóteses previstas no artigo 178 do CPC, também concede efetividade à norma legal contida no artigo 1.513 do Código Civil, que alerta ser “defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família” [9].

Desta forma, fica evidenciado que, após a publicação do Provimento CNJ 141/2023, a intervenção do Ministério Público, nos procedimentos de alteração do regime de bens, somente será necessária quando presentes as hipóteses previstas no artigo 178 [10] do CPC. Ausentes tais pressupostos, desnecessária se revela a intervenção do Parquet.


[1] Lei Federal 10.406/2002. Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. (…) §2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.

[2] STJ. REsp n. 1.671.422/SP, relator Ministro Raul Araújo, 4ª Turma, julgado em 25/4/2023, DJe de 30/5/2023.

[3] Provimento CNJ 37/2014. Art. 9º-A. (…). § 1º O oficial averbará a alteração do regime de bens à vista do requerimento de que trata o caput deste artigo, consignando expressamente o seguinte: “a alteração do regime de bens não prejudicará terceiros de boa-fé, inclusive os credores dos companheiros cujos créditos já existiam antes da alteração do regime”. (incluído pelo Provimento CN n. 141, de 16.3.2023).

[4] Lei 13.405/2015. Art. 734. A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros. § 1º Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital.

[5] STF. RE 878694, Relator: Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 10/05/2017, Processo Eletrônico Repercussão Geral – Mérito DJe-021 Divulgação: 05.02.2018, Publicação: 06.02.2018.

[6] STJ. RMS n. 59.709/RS, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 25/6/2020.

[7] Lei 13.405/2015. Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil , observando-se as disposições deste Código.

[8] Lei 13.405/2015. Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: I – interesse público ou social; II – interesse de incapaz; III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

[9] Lei 10.406/2002. Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

[10] Lei 13.405/2015. Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: I – interesse público ou social; II – interesse de incapaz; III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana. Parágrafo único. A participação da Fazenda Pública não configura, por si só, hipótese de intervenção do Ministério Público.

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