Opinião

As naturezas jurídicas distintas dos ilícitos na alienação parental

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6 de outubro de 2022, 6h02

Nos últimos tempos, na área do direito das crianças, dos adolescentes e das famílias, uma das temáticas mais polêmicas é a referente ao termo alienação parental, que, no ordenamento jurídico brasileiro atual, é mencionado em diversas leis ordinárias.

As leis que tratam sobre o tema alienação parental vêm equivocadamente sendo apontadas, por parte da sociedade, como instrumentos que contribuiriam para separar pais ou mães de filhos, proteger abusadoras ou abusadores, ocultar ilícitos praticados contra crianças e adolescentes etc.

Entretanto, ao contrário do entendimento desta parcela da população, as leis que versam sobre alienação parental têm exclusivamente viés protetivo, preventivo ou repressivo, buscando colocar as crianças e adolescentes, cidadãos vulneráveis, sujeitos de direito, a salvo de toda e qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, almejando, com isso, dar efetividade a mandamentos constitucionais [1] [2].

Questão ainda pouco explorada pela doutrina jurídica, mas de grande importância para realçar o caráter protetivo das leis que abordam a questão da alienação parental, é o fato de que alienação parental não é tudo igual, pois os possíveis atos ilícitos promovidos ou induzidos pela pessoa alienadora possuem naturezas jurídicas distintas, múltiplas, conforme será a seguir demonstrado.

A alienação parental, na forma tratada na Lei 12.318/2010, tem natureza jurídica de abuso de direito [3], abuso moral, praticado através de atos objetivos, conscientes ou inconsciente, com potencial de interferir na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por ascendentes, familiares ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua responsabilidade, guarda ou vigilância para que repudie(m) familiar(es) (nuclear, extenso, socioafetivo ou por afinidade) ou para que cause prejuízo ao estabelecimento, à manutenção, ao fortalecimento ou à reconstrução de vínculos saudáveis com este(s) [4].

A lei 12.318/2010 tem caráter protetivo preventivo, uma vez que exige apenas a presença de indício de ato objetivo que potencialmente, hipoteticamente, possa causar danos psicológicos à criança ou ao adolescente, ou impactar, negativamente, no constitucional direito de tais pessoas à convivência familiar e comunitária saudável.

Assim, as medidas protetivas previstas no artigo 6º da Lei 12.318/2010 ostentam caráter preventivo, buscando evitar que crianças e adolescentes sofram efetivos danos psicológicos, tal qual garantir a tais cidadãos o direito constitucional à saudável [5] convivência familiar e comunitária, direito esse que está compreendido [6] no fundamental direito à liberdade [7], do qual ninguém pode ser privado sem o devido processo legal [8].

O caráter preventivo de tais medidas protetivas, constantes da Lei 12.318/2010, foi confirmado e reforçado com a revogação, pela Lei 14.340/2022, do antigo inciso VII, que figurava em seu artigo 6º, no qual era prevista a suspensão da autoridade parental, medida essa com nítido escopo protetivo repressivo.

Eventual descumprimento de tais medidas protetivas preventivas atrairá a incidência de sanções de caráter unicamente cível, como, por exemplo, astreintes, redução de prerrogativas parentais [9], etc.

A competência para solucionar conflitos derivados de ato de alienação parental, na forma prevista na Lei 12.318/2010, que detém natureza jurídica de abuso de direto, abuso moral, pertence às Varas de Família, devendo a atuação do Judiciário ser prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer [10], preferencialmente através da adoção de medidas de caráter pedagógico, que visem ao fortalecimento [11] [12], manutenção, criação ou reconstrução[13] dos vínculos familiares e comunitários saudáveis, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial devidamente fundamentada [14] [15] [16].

Noutro giro, a alienação parental abordada nas Leis 13.431/2017 e 14.344/2022 possui natureza jurídica de violência psicológica, forma de violação dos direitos humanos [17] praticada através de atos subjetivos, conscientes ou inconsciente, que causam efetiva interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por ascendentes, familiares ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua responsabilidade, guarda ou vigilância, que, causando sofrimento psicológico, leve ao repúdio de familiar(es) (nuclear, extenso, socioafetivo ou por afinidade) ou que provoque prejuízo ao estabelecimento, à manutenção, ao fortalecimento ou à reconstrução de vínculo saudáveis com este(s) [18].

Referidas leis, tal qual as medidas nelas indicadas, ostentam caráter protetivo repressivo, pois buscam a efetiva cessação da violência psicológica em curso, conceder proteção prioritária e integral às vítimas, às crianças e aos adolescentes, visam dar efetividade à prerrogativa constitucional outorgada a tais sujeitos de direito, de serem colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Eventual descumprimento de tais medidas protetivas repressivas atrairá a incidência de sanções de caráter cível e penal, pois sua inobservância tipificará o crime previsto no artigo 25 [19] da Lei Henry Borel.

A competência para solucionar conflitos derivados da alienação parental, no modalidade prevista nas Leis 13.431/2017 e 14.344/2022, que ostenta natureza jurídica de efetiva violência psicológica, forma de violação dos direitos humanos, pertence às Varas da Infância e Juventude [20] [21] [22] [23], devendo a atuação do Judiciário ser prioritariamente voltada à proteção e socorro imediato das crianças e adolescentes, em quaisquer circunstâncias [24], através de atuação precoce, mínima e urgente, tão logo a situação de perigo seja conhecida [25], sendo assegurado a tais cidadãos o direito de exprimirem suas opiniões livremente nos assuntos que lhes digam respeito, consideradas a sua idade e a sua maturidade[26] e garantido o direito de permanecerem em silêncio[27].

Por fim, importante salientar que qualquer que seja a natureza jurídica do ato de alienação parental, abuso de direito ou violência psicológica [28] [29] [30], a respectiva ação sempre terá, desde sua distribuição, prioridade absoluta de tramitação [31], independentemente de prévia declaração de indício de ato de alienação parental [32], pois só assim, aos vulneráveis, às crianças e aos adolescentes, reais destinatários das normas protetivas, preventivas ou repressivas, serão disponibilizados, de forma precoce e célere, os meios aptos que viabilizarão o seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições familiares de liberdade e de dignidade.

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[1] Constituição. Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (…). § 8º. O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

[2] Constituição. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[3] Jornadas de Direito Civil, CJF, Enunciado 37: A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico.

[4] Lei 12.318/2010. Art. 2º — Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

[5] ECA. Art. 19. É direito da criança e do adolescente ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.

[6] ECA. Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: (…). V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

[7] Constituição. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, (…):

[8] Constituição. Art. 5º. (…). LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

[9] Código Civil. Art. 1.584. (…). §4º. A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda unilateral ou compartilhada poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor.

[10] Art. 1º. Esta Lei dispõe sobre o aperfeiçoamento da sistemática prevista para garantia do direito à convivência familiar a todas as crianças e adolescentes, na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente. §1º. A intervenção estatal, em observância ao disposto no caput do art. 226 da Constituição Federal, será prioritariamente voltada à orientação, apoio e promoção social da família natural, junto à qual a criança e o adolescente devem permanecer, ressalvada absoluta impossibilidade, demonstrada por decisão judicial fundamentada.

[11] ECA. Art. 100. Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

[12] Lei 12.318/2010. Art. 7º A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.

[13] Lei 8.742/1993. Art. 6º -A. (…). II – proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos.

[14] ECA. Art. 24. A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

[15] ECA. Art. 157. Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.

 

[16] Código Civil. Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: (…). V – por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.

 

[17] Lei 14.344/2022. Art. 3º. A violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente constitui uma das formas de violação dos direitos humanos.

[18] Lei 13.431/2017. Art. 4º. Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência: (…). II – violência psicológica: (…). b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este;

[19] Lei 14.344/2022. Art. 25. Descumprir decisão judicial que defere medida protetiva de urgência prevista nesta Lei:

 

[20] ECA. Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.

[21] ECA. Art. 146. A autoridade a que se refere esta Lei é o Juiz da Infância e da Juventude, ou o juiz que exerce essa função, na forma da lei de organização judiciária local.

[22] Lei 14.344/2022. Art. 14. Verificada a ocorrência de ação ou omissão que implique a ameaça ou a prática de violência doméstica e familiar, com a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da criança e do adolescente, ou de seus familiares, o agressor será imediatamente afastado do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima: I – pela autoridade judicial;

[23] Lei 14.344/2022. Art. 33. Aos procedimentos regulados nesta lei aplicam-se subsidiariamente, no que couber, as disposições das Leis nºs 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), e 13.431, de 4 de abril de 2017.

[24] Decreto 9.603/2018. Art. 2º Este Decreto será regido pelos seguintes princípios: (…). IV – em relação às medidas adotadas pelo Poder Público, a criança e o adolescente têm preferência: a) em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

 

[25] Decreto 9.603/2018. Art. 2º. (…). V – a criança e o adolescente devem receber intervenção precoce, mínima e urgente das autoridades competentes tão logo a situação de perigo seja conhecida;

[26] Decreto 9.603/2018. Art. 2º.(…). VI – a criança e o adolescente têm assegurado o direito de exprimir suas opiniões livremente nos assuntos que lhes digam respeito, inclusive nos procedimentos administrativos e jurídicos, consideradas a sua idade e a sua maturidade, garantido o direito de permanecer em silêncio;

[27] Decreto 9.603/2018. Art. 22. O depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária com a finalidade de produção de provas. (…). § 3º A criança ou o adolescente serão respeitados em sua iniciativa de não falar sobre a violência sofrida.

[28] CPC. Art. 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais: (…). III – em que figure como parte a vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha).

[29] Lei 13.431/2017. Art. 3º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento, às quais o Estado, a família e a sociedade devem assegurar a fruição dos direitos fundamentais com absoluta prioridade.

[30] Lei 13.431/2017. Art. 5º. A aplicação desta Lei, sem prejuízo dos princípios estabelecidos nas demais normas nacionais e internacionais de proteção dos direitos da criança e do adolescente, terá como base, entre outros, os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente a: I – receber prioridade absoluta e ter considerada a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento; (…). VIII – ser resguardado e protegido de sofrimento, com direito a apoio, planejamento de sua participação, prioridade na tramitação do processo, celeridade processual, idoneidade do atendimento e limitação das intervenções;

[31] ECA. Art. 152. (…). É assegurada, sob pena de responsabilidade, prioridade absoluta na tramitação dos processos e procedimentos previstos nesta Lei, assim como na execução dos atos e diligências judiciais a eles referentes.

[32] Lei 12.318/2010. Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso.

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