Opinião

Violência patrimonial e a concessão de medidas protetivas de urgência

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9 de setembro de 2022, 16h06

A Constituição, no parágrafo 8º, de seu artigo 226, determina que o Estado assegurará assistência à família, na pessoa de cada um dos que a integram, através da disponibilização de mecanismos que previnam e coíbam a violência familiar.

A Lei Federal 11.340/2006, apelidada Lei Maria da Penha, dando efetividade ao mencionado mandamento constitucional, criou mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Referida lei alerta que qualquer tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos, inclusive a violência patrimonial, que é a entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.

Entre as formas de violência patrimonial, umas das mais comuns ocorre no curso das dissoluções de casamentos ou de uniões estáveis, quando, após a separação de fato, um dos cônjuges permanece na administração, posse e usufruto exclusivo da totalidade ou de grande parte dos recursos, bens e direitos amealhados durante a conjugalidade, deixando o outro privado, inclusive, dos frutos produzidos por tal patrimônio.

A Lei Maria da Penha, atenta a tal cenário, em seu artigo 24, diz que para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, medidas protetivas de urgência.

Entretanto, a Lei Federal 11.340/2006, apesar de outorgar, em seu artigo 14-A, aos Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, competência para julgamento de ações de divórcio ou de dissolução de união estável, no §1º do mesmo artigo, exclui de tal competência as pretensões relacionadas à partilha de bens.

Dessa forma, por uma questão de coerência e lógica, assim como para evitar decisões conflitantes ou contraditórias, o Juízo competente para conceder medidas protetivas de urgência atinentes à violência patrimonial, nos casos envolvendo partilha de bens, será o de Família, não o do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

O entendimento acima exposto foi o acolhido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no julgamento do Agravo de Instrumento Criminal nº 1.0686.21.000179-4/001, cuja ementa diz o seguinte:

"(…) O pleito de concessão de medida protetiva de caráter patrimonial pela refere-se à matéria afeta ao direito de família, que exige ampla produção probatória, cabendo ao Juiz da Vara de Família julgar a partilha dos bens do ex-casal. (…)." (TJ-MG. Agravo de Instrumento-Cr 1.0686.21.000179-4/001, relator: des. Antônio Carlos Cruvinel, 3ª Câmara Criminal, julgamento em 29/6/2021, publicação da súmula em 1/7/2021).

A competência das Varas de Família, para julgamento de questões envolvendo violência doméstica e familiar, também é prevista no Código de Processo Civil, que no parágrafo único, de seu artigo 698, prevê que o "Ministério Público intervirá, quando não for parte, nas ações de família em que figure como parte vítima de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha)".

Nas Varas de família, após detectados indícios de situação de violência patrimonial, à respectiva ação deverá ser atribuída preferência de tramitação, nos termos do §2º, do artigo 14-A, da Lei Maria da Penha.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no §2º, do artigo 9º da Resolução/2018, buscando evitar que as mulheres sofram violência institucional nas demandas em curso no Poder Judiciário, alerta às magistradas e aos magistrados que: "o atendimento às mulheres em situação de violência, para fins de concessão de medidas protetivas de urgência, deve ocorrer independentemente de tipificação dos fatos como infração penal".

Reforçando tal alerta, o mesmo CNJ, através do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, orientou e determinou que as medidas protetivas de urgência, nos casos envolvendo violência patrimonial contra mulheres, fossem deferidas inclusive no âmbito das questões envolvendo direito das famílias e das sucessões.

Noutro giro, quando há nas ações de partilha de bens indicativo de violência patrimonial, uma das medidas protetivas de urgência que se faz mais premente, além das previstas nos incisos, do artigo 24 da Lei Federal 11.340/2006, é a fixação, com arrimo no artigo 22, inciso V, da Lei Maria da Penha, de alimentos compensatórios em favor da mulher vítima da violência.

Importante salientar que, fixados, à título de medida protetiva de urgência, alimentos compensatórios em favor da mulher vítima da violência, o não pagamento de tal verba pode, eventualmente, redundar até mesmo na detenção do devedor, pois o inadimplente terá cometido o crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, tipificado no artigo 24-A da Lei Maria da Penha, uma vez que, nos termos do §1º de tal dispositivo, a configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu a medida.

O raciocínio exposto até aqui vai de encontro ao entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que os pronunciamentos do Poder Judiciário, nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra as mulheres, devem ser norteados pelos tratados internacionais de proteção à dignidade da mulher.

"Os Tratados de proteção à vida, à integridade física e à dignidade da mulher, com destaque para a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher — 'Convenção de Belém do Pará' (1994); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher — 'Carta Internacional dos Direitos da Mulher' (1979); além das conferências internacionais sobre a mulher realizadas pela ONU — devem conduzir os pronunciamentos do Poder Judiciário na análise de atos potencialmente violadores de direitos previstos em nossa Constituição e que o Brasil se obrigou internacionalmente a proteger." (STF. Inq 3.932. Órgão julgador: 1ª Turma. Relator: ministro Luiz Fux. Julgamento: 21/6/2016. Publicação: 09/9/2016).

Desta forma, necessário se faz que os Juízos das Varas de Família, tão logo a situação de perigo seja conhecida, constatados indícios de violência patrimonial, intervenham precocemente, de forma célere e prioritária, concedendo às mulheres vítimas de tal forma de violação dos direitos humanos, as medidas protetivas de urgências necessárias para o resguardo de sua dignidade, sustento e segurança.

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