Opinião

NLLC: matriz de riscos e a inversão do risco qualitativo

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

17 de janeiro de 2024, 6h08

Problema corriqueiro na administração pública é a entrega de produto de “segunda linha”, já que o fornecedor pressupõe a inoperância do servidor público encarregado de conferir a qualidade do produto.

Problemas crônicos de gestão do serviço público são utilizados como forma de enriquecimento sem causa de licitantes pouco profissionais.

Uma saída para esse lamentável procedimento de desonestidade licitatória pode ser a previsão no edital de que o risco da insuficiência de qualidade será arcado com exclusividade pelo licitante.

A recomendação é que haja previsão de regra no edital de “matriz de riscos exclusivo do fornecedor e previsão de multa de 30% do valor do bem que deveria ter sido entregue.

Uma sugestão seria:

“x.xxx MATRIZ DE RISCOS: O risco do prejuízo pela entrega de produto com insuficiência qualitativa será exclusivo do licitante vencedor que arcará, inclusive com multa de 30% (trinta por cento) do valor do produto que deveria ter sido entregue com a qualidade prevista no edital sem prejuízo das regras qualitativas ordinariamente  previstas nos padrões de mercado.

x.xxx A multa decorrente da insuficiência qualitativa deverá ser indicada pela administração pública após o recebimento provisório e antes do recebimento definitivo do objeto previsto no edital.

x.xxx O licitante vencedor terá o prazo de 15 (quinze) dias para, nos termos do artigo 157, II da Lei Federal nº 14.133/2.021, apresentar defesa e/ou providenciar a troca do produto por outro de qualidade suficiente.

x.xxx A efetiva resolução do problema dentro do prazo de defesa do licitante vencedor será utilizada, obrigatoriamente, como critério de redução da pena de multa, observados os limites de 30% (trinta por cento) a 10% (dez por cento) sendo obrigatória a aplicação de multa na hipótese de entrega de produto com qualidade insatisfatória.

x.xxx A entrega do produto após o prazo previsto no edital equivale à deficiência qualitativa aplicando-se as mesmas regras anteriores, contando-se o prazo inicial de defesa, automaticamente, a partir do último dia da entrega do produto sem necessidade de notificação expressa.

x.xxx A notificação sobre insuficiência qualitativa tem a natureza de advertência para fins de registro cadastral do licitante vencedor e nos termos do artigo 60, II da Lei Federal nº 14.133/2.021 para fins de desempate por desempenho contratual.”

A regra sugerida está em consonância com o princípio da proporcionalidade explicitado com cores licitatórias no artigo 115 da Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC). Assim:

“Art. 115. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.”

Em razão da regra acima indicada é que o percentual deverá incidir sobre a parcela do objeto entregue/não entregue, bem como sobre a resolução posterior (ou não) pelo licitante em seu prazo de defesa.

A NLLC introduziu regras da gestão que aproximam a gestão pública da gestão privada, seja no âmbito da possibilidade de inversão da assunção do risco qualitativo, seja na adoção expressa do princípio tipicamente privado do “custo de oportunidade”.

Ainda que a previsão esteja no âmbito da nulidade contratual (artigo 147,I), nosso modesto entendimento é o de que se trata de princípio decorrente dos demais princípios do artigo 5º da NLLC. Portanto, é aplicável a todas as regras licitatórias que, no fundo, regulamentam as oportunidades do poder público em relação aos negócios que serão firmados com a iniciativa privada.

A regra da matriz de riscos com a inversão do risco qualitativo está em absoluta consonância com os princípios da moralidade, competitividade e economicidade. Também está em consonância com a necessidade de previsão de regras que não amesquinhem a oportunidade de boa gestão criando “custo negativo de oportunidade” em razão do comportamento do licitante desleixado.

A regra pode parecer estranha quando feita no seio da administração pública, mas nada mais é do que uma versão de direito público das regras de gestão de riscos já feita há décadas pelo setor privado.

Qualquer consumidor é obrigado a fornecer, no mínimo, seu CPF/MF para pesquisa junta a empresas de ranking de riscos analisados de forma direta ou indireta ou até com estabelecimento de score de pontos.

São exemplos dessa análise prévia do risco do negócio respeitadas instituições como Serasa, Serasa Experian, associações comerciais, sistema “Sisbacen”, CCF (cadastro de cheques sem fundos), etc.

A NLLC não tem previsão expressa do uso destas instituições como instrumento de defesa do dinheiro público. Mas tem previsão de instrumentos equivalentes para a defesa do dinheiro público como a “memória administrativa”.

Assim, prevê nosso sistema legal licitatório:

“Art. 88 (…)

§3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.

§4º A anotação do cumprimento de obrigações pelo contratado, de que trata o § 3º deste artigo, será condicionada à implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, apto à realização do registro de forma objetiva, em atendimento aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia, da publicidade e da transparência, de modo a possibilitar a implementação de medidas de incentivo aos licitantes que possuírem ótimo desempenho anotado em seu registro cadastral.”

A formalização contratual deverá ser precedida de consulta pelo setor público de regularidade fiscal e junto ao CEIS e CNEP.

Reiteramos, aqui, que há uma sistematização cadastral que aproxima o setor público do setor privado. Há um conjunto de cadastros e consultas que se assemelham à “Serasa” no âmbito particular, inobstante a consulta dos órgãos públicos seja bem mais detalhada. Assim:

“Art. 91 (…)

§4º Antes de formalizar ou prorrogar o prazo de vigência do contrato, a Administração deverá verificar a regularidade fiscal do contratado, consultar o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), emitir as certidões negativas de inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas e juntá-las ao respectivo processo.”

A memória administrativa é um item que faz parte do dever de planejamento, conforme já mencionamos nesta respeitada ConJur em 10 de junho de 2021.

A inversão do risco qualitativo é mais um instrumento para assegurar a gestão efetiva da administração pública e respeito ao dinheiro público e vedação ao enriquecimento sem causa do licitante desonesto e/ou desleixado.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro, Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª Ed. Dialética, 2.023) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (Coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2.023).

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