Opinião

NLLC e implementação de regras de compliance em consórcios de empresas

Autores

  • André Castro Carvalho

    é mestre doutor e pós-doutorando em Direito pela USP. Tem pós-doutorado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

  • Daniel Gustavo Falcão Pimentel dos Reis

    é controlador-geral do município de São Paulo doutor mestre pós-graduado (especialização) em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela ECA-USP bacharel em Ciências Sociais pela FFLCH-USP e professor de graduação e pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

  • José Maurício Linhares Barreto Neto

    é coordenador do Programa de Integridade da Cidade de São Paulo mestrando na FGV-SP pós-graduado em Direito Penal Empresarial e Criminalidade Complexa no Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep).

19 de novembro de 2023, 17h01

Atualmente, algumas legislações, seja de cunho nacional, como a Lei nº 14.133/2021 (a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos — NLLC), seja regional ou local, vêm exigindo a implementação de programas de integridade para que as empresas possam celebrar contratos com órgãos e entidades públicas, de acordo com certos requisitos pré-determinados (em geral, em relação ao valor da contratação).

No entanto, tanto a normativa de licitações e contratações públicas como a de integridade (que envolve a Lei nº 12.846/2013 e o Decreto nº 11.129/2022) pouco dispõem a respeito de integridade nos consórcios de empresas, os quais são bastante comuns em licitações de obras e serviços de engenharia.

Como os consórcios são entidades despersonalizadas e formados por diversas empresas, cada uma com cultura e maturidade em relação à compliance diferentes, é importante que haja uma normatização e definição de regras de compliance a serem seguidas, seja no próprio termo de constituição do consórcio (TCC) ou nas normas e procedimentos operacionais (NPO) do consórcio.

A normativa de compliance aplicável a consórcios
As regras de compliance adotadas pelo consórcio são projetadas para atender tanto às leis e normas que regem as atividades corporativas das empresas consorciadas quanto às exigências aplicáveis especificamente na obra ou no serviço a ser prestado, ou seja, a lei aplicável ao “canteiro da obra”.

Em virtude disso, o consórcio precisa seguir as legislações de compliance e integridade vigentes no local de execução das obras ou prestação de serviços, bem como o aplicável em sua sede corporativa, havendo uma múltipla incidência de normas locais, nacionais ou internacionais. Em algumas situações, há o desafio de se lidar com legislações de efeito extraterritorial: quando aplicáveis, o consórcio deve obedecer tanto à legislação local (Lei nº 12.846/2013 e Decreto nº 11.129/2022) quanto à legislação extraterritorial de cada empresa consorciada. Isso inclui leis como a Lei Anticorrupção brasileira, o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), o UKBA (UK Bribery Act), e a Loi Sapin II, entre outras.

Além da questão normativa anticorrupção, cumpre salientar outras leis que também vão incidir nessas situações: Lei de Improbidade (nº 8.429/1992); Lei de Concorrência Desleal (nº 9.279/1996); Lei de Lavagem de Dinheiro (nº 9.613/1998); Lei de Defesa da Concorrência (nº 12.529/2011); Lei de Conflitos de Interesses (nº 12.813/2013); Lei das Estatais (nº 13.303/2016) — quando a contratação envolver uma estatal.

Observa-se que a NLLC possui inúmeros artigos citando o instituto de consórcios. Nesse sentido, importante destacar a necessidade de programas de integridade maduros, pois a temática de gestão de riscos de integridade é exaltada na nova cultura de processo licitatório no país. As empresas que compõe o consórcio precisam estar atentas para as regras de integridade, sobretudo na fase prévia à constituição e registro do consórcio, mediante um TCC que contenha cláusulas de integridade para cumprimento do consórcio. Entender a sinergia das empresas tem o papel fundamental para a execução do consórcio, redução de riscos e mitigação de eventos indesejados, bem como até mesmo evitar conflitos societários em razão de quebras de integridade.

Programa de compliance de referência para o consórcio
Para garantir a escolha adequada das regras de compliance a serem aplicadas ao consórcio, são levados em consideração diversos critérios de referência. A liderança no consórcio, a experiência prévia das empresas no país ou região de atuação, bem como certificações internacionais como a ISO 37001 e ISO 37301 ou outros selos são alguns dos aspectos que podem ser levados em consideração. Além disso, a consolidação e o tempo de maturidade do Programa de Compliance na consorciada é fundamental, bem como a expertise técnica específica para a execução operacional do consórcio.

Portanto, em um consórcio, deve haver uma análise das consorciadas para se verificar, em comum acordo, qual o programa de compliance que esteja mais adequado para servir como referência. Nem sempre a empresa-líder terá o melhor programa de compliance, então é importante tomar cuidado para não se cair nessa decisão automática de adoção de um programa apenas pelo aspecto da condição de liderança, olvidando-se em relação aos demais acima delineados.

Logo, a escolha do programa de compliance mais maduro a ser aplicado no consórcio implicará, necessariamente, uma avaliação dos programas das consorciadas para se chegar a esta conclusão.

Gestão de riscos no âmbito da contratação do consórcio
Os consórcios podem vislumbrar as diretrizes internacionais para o tema na gestão dos seus programas de compliance, tais como os da ISOs 31000 (Gestão de Riscos), 37001 (Sistemas de Gestão Antissuborno), 37301 (Sistema de Gestão de Compliance).

Na ISO 31000, merece destaque o item 5.3, em que trata a respeito de integração, visto que a gestão de riscos se apoia na compreensão das estruturas e do contexto organizacional. Aliás, as estruturas diferem, dependendo do propósito, metas e complexidade da organização. Dessa maneira, o risco é administrado por todas as partes e todos da organização tem sua responsabilidade. Compreender isso é de tal maneira 1) adaptar a cultura das empresas de modo convergente; 2) elaborar gestão de processos compartilhados; 3) individualizar responsabilidades jurídicas, quando necessário.

Engajamento de alta gestão e a criação do Comitê de Ética do Consórcio
O consórcio precisa providenciar a criação de um Comitê de Ética próprio, independente do comitê das demais consorciadas e paritário, composto por representantes de cada empresa consorciada, com preferência de indicação de membros que já estejam envolvidos na função de compliance em suas respectivas empresas.

Não se recomenda que a participação seja proporcional ao percentual do consórcio, pois isso pode acarretar o “domínio” do Comitê por membros da empresa-líder, dificultando a participação dos demais consorciados. Por esse motivo que o sistema de “uma consorciada, um voto” se mostra mais adequado para a formação do Comitê.

Esse comitê dedicado será um órgão deliberativo com autonomia para apurar e deliberar sobre violações a regras de compliance do consórcio, como denúncias de condutas inadequadas que possam ocorrer no canteiro de obras ou na interação com o contratante. A independência do Comitê precisa ser evidenciada, com a possibilidade de comunicação direta com a alta administração das empresas consorciadas.

É fundamental, por fim, que os responsáveis pelos consórcios, como os gerentes administrativos e financeiros e outras posições relevantes, possam estar aptos a disseminar uma cultura de compliance que permeie todo o consórcio, visto que ele, por vezes, estará composto por empregados de diversas consorciadas, cada qual com seu nível de cultura e maturidade no tema. Esse compromisso com a integridade deve ser disseminado de cima para baixo (tone from the top), com o comprometimento e apoio mútuo de todas as partes envolvidas.

Custos compartilhados (cost-sharing) de compliance
Para garantir a implementação e a efetividade de regras de compliance em consórcios, as consorciadas precisam se comprometer a custear as ferramentas necessárias para a gestão das regras de compliance aplicáveis. É nessa linha, aliás, na ISO 37301 no tocante à alocação de recursos.

Algumas ferramentas da consorciada de referência podem ser compartilhadas com o consórcio, como canal de denúncias, ambiente de treinamentos virtuais, e sistemas de due diligence e background checks. O custo de capital humano da área de compliance da consorciada que terá o seu programa de referência também pode ser considerado nessa conta, visto que haverá a obrigação de manter uma análise de riscos e os normativos atualizados (como Código de Ética, políticas e procedimentos).

Por conseguinte, esses custos podem ser compartilhados entre as empresas consorciadas, considerando um valor fixo que represente o impacto que o consórcio terá no faturamento da consorciada de referência.

Conclusão
É preciso que as empresas consorciadas envolvidas considerem que a implementação das regras de compliance em consórcio seja indispensável para a sua própria participação no consórcio. Outrossim, os órgãos e entidades públicas, nos editais de licitações e minutas de contratos, podem começar a prever, por meio de cláusulas contratuais, obrigações de compliance aos consórcios formados, podendo, inclusive, fiscalizar o seu fiel compromisso e cumprimento ao longo da execução da obra ou serviço. É nessa toada o que direciona a NLLC.

Com essas e outras medidas, as contratações públicas que envolvem consórcios terão um melhor ambiente de integridade e maior mitigação dos riscos envolvidos na execução de tais obras e serviços, beneficiando tanto as consorciadas como os órgãos e entidades contratantes.

Autores

  • é mestre e Doutor em Direito pela USP. Pós-doutorando pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

  • é controlador-geral do município de São Paulo, doutor, mestre, pós-graduado (especialização) em Marketing Político e Propaganda Eleitoral pela ECA-USP, bacharel em Ciências Sociais pela FFLCH-USP e professor de graduação e pós-graduação do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

  • é coordenador da Promoção da Integridade da cidade de São Paulo, pós-graduado em Direito Penal Econômico e Criminalidade Complexa pelo Ibmec-RJ, ex-membro do Grupo de Pesquisa "Direito e Novas Perspectivas Regulatórias", coordenando o grupo de estudo "Democracia, Eleições e Inovação" do LEDH.uff — Laboratório Empresa e Direitos Humanos da Universidade Federal Fluminense, ex-delegado da Comissão Especial de Direito Eleitoral e Reforma Política da OAB, formado em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Política (Abradep) e autor de artigos científicos e de opinião nos portais ConJur, Jota, Migalhas.

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