Opinião

NLLC: manutenção da frota e inconstitucionalidade progressiva

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

16 de outubro de 2023, 18h24

A inconstitucionalidade progressiva oriunda do direito alemão foca a hermenêutica na resolução dos problemas, utilizando o sistema jurídico como ferramenta.

De nada adiantaria, por exemplo, que o STF reconhecesse como inconstitucional a defesa dos hipossuficientes pelo MP em razão da criação da Defensoria e ignorasse que a respeitada instituição não tem estrutura física suficiente para o seu desiderato constitucional.

Muito mais consentâneo com a finalidade da norma constitucional seria interpretar-se que "progressivamente" a defesa pelo MP seria inconstitucional na exata medida do aumento da estrutura da defensoria.

Nesse sentido decidiu a Corte Suprema no Recurso Extraordinário 147.776/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence. Assim que a defensoria tiver estrutura nacional a inconstitucionalidade que era progressiva será efetiva.

Ousamos afirmar que o artigo 75 §7º da NLLC já nasceu com a semente de sua própria morte em razão de sua inconstitucionalidade progressiva.

A referida norma autoriza uma espécie de "fracionamento lícito" para manutenção de veículos, incluindo a aquisição de peças.

Mencionamos como "fracionamento lícito" no sentido de que cada aquisição/conserto, de cada veículo, não se encaixa na regra geral do "caput" do artigo 75 que estabelece como regra geral o teto de R$ 50 mil (cerca de R$ 57 mil nos dias atuais).

Em nosso modesto entendimento o legislador criou um "monstrengo" do ponto de vista formal já que deu legitimidade à falta de planejamento que viceja feito tiririca no seio da administração pública.

A verdade é que a gestão da frota de veículos não é função para amadores e a administração pública costuma ter quadro insuficiente para alguns setores. É o caso da gestão de frota.

Não parece, data venia, adequada tampouco constitucional a norma em comento no caso do Estado do Paraná já que tivemos acesso a documentos licitatórios que demonstram um grau de requinte raro no setor público. Impossível não fazer registro de elogio.

O termo de referência do pregão eletrônico nº 389/2019 do governo do Paraná (Departamento de Logística para contratações públicas) tem 82 páginas muitíssimo detalhadas sobre o gerenciamento e manutenção da frota de veículos. Aliás, o TCE/PR decidiu nesse diapasão:

"Após solicitação de esclarecimentos por este Tribunal de Contas, a Seap realizou nova pesquisa em 800 (oitocentos) estabelecimentos comerciais de reparação automotiva distribuídos nas diferentes regiões do Estado; comparou pesquisas de mercado constantes em editais e contratos de manutenção veicular elaborados por outros entes públicos; realizou pesquisa de valores praticados sobre peças e mão de obra no atual contrato emergencial; e realizou comparativo de valores dependidos por veículo no atual contrato emergencial e no contrato anterior" (Proc. , 817754/19, conselheiro Fernando Augusto Mello Guimarães).

A regra em discussão não teria o menor sentido para o respeitado setor do governo do Estado do Paraná. Porém, que pequena urbe teria estrutura para 800 consultas a estabelecimentos comerciais?

Nas acanhadas urbes a regra da NLLC cai como uma luva, já que sequer há um setor com qualificação profissional semelhante ao do Estado do Paraná. Por isso qualificamos a regra como "a caminho da inconstitucionalidade".

No atual momento, a solução para pequenas cidades que queiram economizar dinheiro e fugir da referida regra do "fracionamento lícito" seria a modalidade licitatória "diálogo competitivo".

Referida modalidade, de pouco uso no momento, deveria ser feita com vistas a firmar posterior "contrato de eficiência" (previsto no artigo 6º, LIII da NLLC).

Por que o uso do diálogo competitivo?

Por que a imensa maioria dos entes políticos não tem o cabedal técnico do Departamento de Logística do Estado do Paraná.

Quando há uma "assimetria de informações" entre o Poder Público e os fornecedores a modalidade que viabiliza a licitação é o diálogo competitivo.

Nesse sentido prevê a NLLC:

"Artigo 32. A modalidade diálogo competitivo é restrita a contratações em que a Administração:
I – vise a contratar objeto que envolva as seguintes condições:
(…)
c) impossibilidade de as especificações técnicas serem definidas com precisão suficiente pela Administração;."

Desta forma, a fase de diálogo deverá ser feita com antecedência mínima de 25 dias para a coleta (gravada) de soluções para o gerenciamento da frota.

Por isso é que o diálogo competitivo consiste, a bem da verdade, em duas licitações com prazos bem mais amplos do que as licitações convencionais.

A primeira para o diálogo com possíveis licitantes e a fase seguinte com a licitação propriamente dita. A mencionada fase de competição deve ter prazo de 60 dias.

Numa hermenêutica exclusivamente formal, a regra do artigo 75, §7º fere o princípio da moralidade já que autoriza e legitima a absoluta falta de planejamento. Não podemos nos esquecer que o planejamento é uma regra constitucional que corrobora o princípio da moralidade e tem previsão expressa no artigo 174 da CF. Uma lei ordinária não poder afastar tal dever previsto em regras constitucionais.

Assim, prevê a regra constitucional:

"Artigo 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado."

Em síntese, a regra do artigo 75,§7º é uma regra "ainda constitucional" e os seus dias de validade dependem de melhor estruturação da administração pública no âmbito do setor de gerenciamento de frotas.

Autores

  • é mestre em Direito pela PUC-SP, procurador municipal e autor do livro, Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª Ed. Dialética, 2.023) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (Coordenador: Marcelo Figueiredo, Ed. Juspodivm, 2.023).

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