Opinião

O segundo tempo da Justiça no caso Daniel Alves

Autor

  • Vladimir Aras

    é professor da UFBA e do IDP integrante do MPF mestre em Direito Público (UFPE) doutor em Direito (UniCeub) especialista MBA em Gestão Pública (FGV) e membro-fundador do Instituto de Direito e Inovação (ID-i).

22 de fevereiro de 2024, 15h15

Daniel Alves foi condenado em primeira instância pela Audiência Provincial de Barcelona por fatos ocorridos na mesma cidade, em 30 de dezembro de 2022.

Numa tramitação rápida, se tomamos em conta o padrão brasileiro, a decisão condenatória foi proferida por um órgão colegiado, formado por dois juízes e uma juíza em 22 de fevereiro de 2024.

No Brasil, normalmente, as decisões penais em primeiro grau são tomadas por juízos unipessoais, formados por um juiz togado. As exceções estão no tribunal do júri (sete jurados mais um magistrado togado), nos crimes de competência da Justiça Militar (onde os conselhos julgam os militares) e, no contexto da criminalidade organizada, nas hipóteses previstas pela Lei 12.694/2012.

A pena de Daniel Alves foi fixada em quatro anos e seis meses de prisão pelo delito de “agresión” sexual. O crime de lesão corporal leve foi punido com multa de 9.000 euros.

A pena do crime sexual foi atenuada pela oferta de reparação civil pelo acusado à vítima, antes da condenação, o que se fez mediante o depósito de 150 mil euros em conta judicial.

Considerada a gravidade do delito sexual, a sanção prisional equivalente a reclusão foi cumulada com pena de liberdade vigiada por cinco anos, o que corresponde ao prazo mínimo para crimes graves, segundo a legislação local. Esta pena deve começar a ser cumprida depois da execução da sanção privativa de liberdade.

Também foi imposta ao jogador a pena acessória (o que equivaleria a um efeito da condenação, de natureza protetiva e cautelar) de proibição de aproximação a menos de mil metros da vítima e proibição de comunicar-se com ela, em ambos os casos pelo prazo de nove anos e seis meses, isto é, por cinco anos após haver sido cumprida a sanção prisional.

Divulgação

Também lhe foi imposta a pena de inabilitação (aqui seria um efeito da condenação) para o exercício de cargo, emprego, profissão ou ofício relacionado a crianças ou adolescentes, também pelo prazo de nove anos e seis meses.

Outro comando da sentença determina que Daniel Alves fica com seus direitos políticos suspensos (direito de sufrágio passivo), pelo tempo da condenação. Esta medida assemelha-se ao que prevê o artigo 15 da Constituição brasileira.

O tribunal provincial de Barcelona também estabeleceu em 150 mil euros o valor devido à vítima como acusadora particular (parte civil) no processo penal, a título de reparação do dano moral e pelas lesões que sofreu.

As custas do processo também correrão por conta do sentenciado.

Pode recorrer
A decisão barcelonesa não é definitiva.

Daniel Alves ainda pode recorrer ao Tribunal Superior de Justiça da Província da Catalunha, no prazo de dez dias a contar da intimação da sentença, e, em seguida, se não tiver êxito, ao Tribunal Supremo na capital do país, que funciona como corte de cassação.

Eventualmente, pode ser possível recurso ao Tribunal Constitucional em Madri, se presentes as hipóteses legais, que são restritas.

Ademais, em sendo esgotados os recursos internos e tendo havido alguma violação à Convenção Europeia de Direitos Humanos, ele poderá pedir a abertura de um caso contra a Espanha no Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo, o que será mais difícil.

O recurso criminal do réu tramitará estando ele preso, mas o tribunal se reservou o direito de reavaliar sua situação prisional no momento da interposição da apelação criminal.

Se a decisão for confirmada pelas instâncias superiores, Daniel Alves deve cumprir pelo menos 36 meses de prisão, na melhor das hipóteses, conforme o artigo 90.2 do Código Penal da Espanha, sem prejuízo da detração do tempo de prisão preventiva já cumprido (atualmente pouco mais de um ano e um mês, já que a prisão cautelar se iniciou em 20 de janeiro de 2023). Só então ele poderá obter liberdade condicional (libertad condicional).

Assim que ele cumprir os requisitos legais, Daniel Alves deve ser expulso da Espanha, como prevê o artigo 89 do Código Penal espanhol.

Pelo visto, Daniel Alves não escapou da Justiça espanhola. Veremos em breve se Robinho, seu colega de ofício, escapará da Justiça brasileira. Seu caso está no STJ para decisão sobre o reconhecimento da sentença penal italiana que o condenou por estupro.

A expectativa é que a Corte Especial do STJ admita a execução da condenação estrangeira no Brasil.

Para encerrar, é preciso lembrar que Daniel Alves pode cumprir sua pena no Brasil. Para isso, sua sentença deve tornar-se definitiva e haver concordância dele e dos dois países. Espanha e Brasil mantêm um Tratado sobre Transferência de Presos, firmado em 1996, posto em vigor pelo Decreto 2.576/1998.

Os requisitos para a transferência de condenados entre os dois países são:

a) a existência de condenação definitiva no Estado remetente: não caber mais recurso ordinário da sentença;
b) a dupla tipicidade: a conduta deve ser crime nos dois países;
c) a nacionalidade: o sentenciado deve ser nacional do Estado recebedor;
d) tempo remanescente: a pena a cumprir no Estado recebedor deve ser superior a seis  meses de prisão; e
e) consentimento: tanto do preso quanto das autoridades centrais dos Estados cooperantes.

Embora essa medida de cooperação internacional pareça interessante para nacionais que cumprem pena no exterior, é preciso sopesar as condições carcerárias do estabelecimento prisional no Estado de destino. Na média, as unidades prisionais brasileiras são piores que as penitenciárias espanholas.

Autores

  • é doutor em Direito (UniCeub), mestre em Direito Público (UFPE), especialista MBA em Gestão Pública (FGV), membro do MP desde 1993, atualmente no cargo de Procurador Regional da República em Brasília (MPF), professor assistente de Processo Penal da UFBA, secretário de Cooperação Internacional da PGR (2013-2017), fundador do Instituto de Direito e Inovação (ID-i) e editor do site www.vladimiraras.blog (Blog do Vlad).

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