Opinião

STF e a colaboração ao objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU

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21 de fevereiro de 2024, 18h19

O Brasil, em 2015, ao aderir a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, a qual contém 17 objetivos de desenvolvimento sustentável [1] que buscam entre eles a redução das desigualdades, trouxe consigo uma série de novidades e mudanças que deveriam ser implementadas a fim de concretizar os objetos dispostos em tais objetivos.

Assim, os países e a ONU estabeleceram, não a primeira e tampouco a última vez, metas de desenvolvimento nacional que têm como princípio fundamental a união entre os membros e previsões sonhadoras acerca dos índices socioeconômicos e comportamentos necessários à sobrevivência de um país.

Não obstante, o Supremo Tribunal Federal [2] aderiu às diretrizes da Agenda 2030 da ONU que foram incorporadas à consulta da pauta do plenário buscando associar os objetivos aos processos julgados.

A possibilidade de “Ver Tema” associado ao lado dos números dos processos relacionados por cada ODS, aparentemente, por meio da ferramenta da IA RAFA 2030, permite conferir a pertinência da questão constitucional suscitada a fim de analisar a similitude do julgado às metas e objetivos globais e de que forma a ação julgada contribui para a consecução de tais planos, determinando também o posicionamento do poder judiciário acerca de tais cenários.

Diante dessas significativas mudanças a serem buscadas e apresentadas pelo Supremo Tribunal Federal, a fim de captar de maneira crítica o atual posicionamento dos instrumentos da atividade financeira estatal, tendo em vista seu potencial de minimizar as discrepâncias no tecido social e econômico do país, faz-se necessário o questionamento acerca de qual seria o papel desempenhado pelo Poder Judiciário diante das finanças públicas do país, tendo como foco principal a redução das desigualdades e o compromisso brasileiro com os objetivos sustentáveis da ONU.

Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgado em 11 de janeiro de 2024,[3] a taxa de desemprego global atingiu 5,1% em 2023, retornando aos níveis pré-pandemia.

Preocupação com desigualdade
Apesar da melhoria nas taxas de desemprego e déficit de empregos, o documento destaca preocupações com o aumento das desigualdades de renda. A OIT enfatiza que a recuperação econômica pós-pandemia permanece desigual, com novas vulnerabilidades e crises impactando a justiça social. O diretor-geral da OIT expressa grande preocupação, sugerindo que os desequilíbrios identificados podem ser estruturais, representando ameaças aos meios de subsistência individuais e empresariais. O relatório também destaca o crescimento da pobreza entre os trabalhadores, com diferenças significativas entre países de renda alta e baixa.

A disparidade de gênero persistente, especialmente em países emergentes e em desenvolvimento, e as taxas de desemprego juvenil, assim como a taxa de NEET, continuam sendo desafios para as perspectivas de emprego a longo prazo.

Nesse sentido, o contexto das desigualdades socioeconômicas é preocupante à medida que se tornou quase que intrínseco à realidade brasileira, reflexo disso é que mesmo diante de certas mudanças, mesmo que positivas no cenário econômico, não tem sido suficiente para proporcionar avanços efetivos.

A abordagem adotada na presente análise segue a perspectiva da investigação jurídica, destacando a interseção entre as ações de controle de constitucionalidade e os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) estabelecidos pela Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU). Em particular, o ODS 10, intitulado “Redução das Desigualdades”, o qual serve como referência para examinar as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) relacionadas, especificamente, à delimitação das finanças públicas do país, localizando 71 processos.

Realizado o levantamento jurisprudencial junto à própria plataforma de funcionalidade desenvolvida pelo STF [4], uma análise mais detalhada permitiu classificá-los em seis categorias principais relacionadas às finanças públicas: receita, despesa, federalismo fiscal, crédito, orçamento e fiscalização. Ao examinar os processos etiquetados com o selo de redução de desigualdades, destaca-se uma relação estreita com questões ligadas à distribuição de receita entre os entes federativos e debates sobre a competência de determinados impostos, em que, dos 39 processos associados a questões de receita, cinco apresentaram interseções com o federalismo fiscal.

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O papel financeiro do Estado na economia
Em síntese, as conclusões indicam que as atuais interpretações sobre o papel da atividade financeira estatal na redução das desigualdades estão intrinsecamente ligadas a mudanças na distribuição de receita, por meio do desenvolvimento de políticas públicas redistributivas, e no federalismo fiscal. Além disso, esses entendimentos estão vinculados ao debate sobre novos gastos sociais no contexto das políticas públicas afirmativas.

Outrossim, faz-se necessário tecer algumas críticas com relação ao posicionamento do STF acerca dos objetivos de redução das desigualdades. Primeiro, o procedimento com relação à colocação das etiquetas pela inteligência artificial RAFA 2030 não demonstra de maneira clara quais motivos foram estabelecidos como parâmetros para presença da etiqueta “redução das desigualdades” àquele processo, assim como o próprio tribunal não esclarece a associação realizada entre a temática da ação e o debate acerca das desigualdades e qual seriam os impactos, sejam positivos ou negativos.

Além disso, deve-se destacar processos que não possuem clara relação com a etiqueta tratada e que não foram esclarecidos quais os fundamentos utilizados para classificação. Dentre eles, ressalta-se o Tema 881 que trata dos “limites da coisa julgada em matéria tributária, notadamente diante de julgamento, em controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, que declara a constitucionalidade de tributo anteriormente considerado inconstitucional, na via do controle incidental, por decisão transitada em julgado”. Tendo em vista que o processo trata de controle processual acerca dos tributos, cabe o questionamento de qual seriam os critérios usados para sua classificação enquanto matéria importante para redução das desigualdades.

Por fim, destacam-se processos que possuem clara relação ao quadro de desigualdades no país, finanças públicas e equilíbrio econômico que tampouco foram enquadrados como fundamentais para redução das desigualdades, tal como a ADI 5595[6], possui as etiquetas ODS 3, ODS 17 e ODS 17. A ação, que foi julgada pelo Tribunal Pleno em 18/10/2022, tratou da Emenda Constitucional 86/2015, que estabeleceu um piso progressivo para o investimento em ações e serviços públicos de saúde, vinculando-o à participação no resultado ou compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural. Questionando a constitucionalidade dessa emenda, alegou violação ao direito social à saúde e à vedação ao retrocesso social. No julgamento, o tribunal concluiu que a Emenda Constitucional 86/2015 não violou o núcleo essencial das garantias sociais previstas na Constituição relacionadas às políticas públicas de saúde. Assim, a ADI foi julgada improcedente, a qual, significativamente, representa uma mitigação ao orçamento de seguridade social e a repartição dos tributos.

Dessa maneira, tem-se que o atual posicionamento do STF diante das finanças públicas do país é regressivo e antiquado, uma vez que insiste de forma excessiva na manutenção do papel ultrapassado no entendimento de que a redução das desigualdades parte, em sua maioria, de dispêndios públicos, permitindo que os outros instrumentos financeiros do país permaneçam em “desuso” e/ou “mau uso”, além de adotar uma classificação, por vezes, descompassada ao visualizar processos em dissonância do esperado com relação as reduções de desigualdade, o que torna distorcido o atendimento aos tão sonhados objetivos de desenvolvimento sustentável.

Avançar em estudos exploratórios acerca das formas de adesão do país aos ODS é fundamental para que o Brasil avance no cumprimento de tais objetivos a fim de alcançar o desenvolvimento necessário, mas, acima de tudo, seja transparente e coerente nos mecanismos adotados e toda a agenda.


[1] A erradicação da pobreza e da fome, associando a uma agricultura sustentável, promoção da saúde e do bem estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, ampliação do acesso à água potável e saneamento, promoção do uso de energia limpa e acessível, trabalho decente e crescimento econômico, indústria, inovação e infraestrutura, desenvolvimento de cidades e comunidades sustentáveis em busca de consumo e produção responsáveis, promoção de uma ação contra as mudanças globais de clima, estabilização de vida na água e terrestre, bem como pela promoção da paz, justiça e instituições eficazes com parcerias e meios de implementação.

[2] Supremo Tribunal Federal. Pauta de julgamentos do Plenário passa a ter busca pelos ODS da Agenda 2030 da ONU. A nova funcionalidade possibilita verificar a aderência do processo aos ODS. 2023. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=512299&ori=1. Acesso em: 12. Jan. 2024.

[3] Nações Unidas Brasil. Taxa de desemprego recua para níveis pré-pandemia, mas desigualdades preocupam. 2024. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/257617-taxa-de-desemprego-recua-para-n%C3%ADveis-pr%C3%A9-pandemia-mas-desigualdades-preocupam. Acesso em: 12. Jan. 2024.

[4] Supremo Tribunal Federal. Agenda 2030. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/. Acesso em: 12. Jan. 2024.

[5] Elaboração própria.

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 5595. Constitucional. Ação Direta. EC 86/2015. Piso progressivo para o investimento em ações e serviços públicos de saúde. Participação no resultado ou compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural. Direito social à saúde e vedação ao retrocesso social. Improcedência. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5056708. Acesso em: 12. Jan. 2024.

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