Opinião

Da inaplicabilidade dos prazos prescricionais penais ao processo administrativo disciplinar

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19 de fevereiro de 2024, 16h18

Em estudos recentes, deparei-me com uma situação peculiar, que provavelmente merece ser mais bem avaliada no âmbito do egrégio Superior Tribunal de Justiça, haja vista a patente existência de divergência, com relação à aplicação dos prazos prescricionais penais na seara administrativa, consoante preleciona o artigo 142, §2º da Lei nº 8.112/1990, o qual dispõe que “os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime”.

Nessa toada, sem se atentar para as especificidades da absolvição no processo criminal para a incidência do artigo 142, §2º da Lei nº 8.112/1990, o Tribunal tem mantido o posicionamento de que a absolvição na esfera penal só influencia no âmbito do processo administrativo disciplinar se ficar comprovada, naquela instância, a não ocorrência do fato ou a negativa da sua autoria, de modo que somente em tais casos a absolvição operada no juízo criminal se comunicaria com a esfera administrativa.

Desse modo, existe julgado [1] no sentido de que os prazos de prescrição da lei penal aplicam-se às infrações disciplinares que também são tipificadas como crimes, conforme o artigo com a Lei 8.112/90, ainda que, instaurada a ação penal, esta tenha resultado em absolvição ou extinção da punibilidade pela prescrição, pois, diante da independência das instâncias administrativa e criminal, a sentença penal somente repercute no processo administrativo disciplinar na hipótese de absolvição criminal fundada na negativa do fato ou de sua autoria (artigo 126 da Lei 8.112/90).

A tese acima exposta é defendida pelo Parquet, inclusive, para que seja aplicado o prazo prescricional penal ao processo administrativo de servidor público que foi absolvido na seara criminal em razão da atipicidade da conduta, sob a justificativa de que somente haveria repercussão no processo administrativo a absolvição criminal por negativa do fato ou de sua autoria.

Distinguishing
Como dito no início, trata-se de uma situação peculiar, à qual o Judiciário não tem dado a devida atenção aos efeitos práticos da temática, favorecendo o punitivismo, porquanto contraria a lógica do razoável aplicar os prazos prescricionais previstos no Direito Penal aos processos administrativos em caso de absolvição criminal do servidor público, pois, com a absolvição do réu, sequer haverá prazo prescricional vinculado a algum crime para ser aplicado.

Ademais, considerando a existência de absolvição na seara criminal em razão da atipicidade da conduta do agente, pertinente indagar: qual será o prazo prescricional penal a ser considerado para a aferição da prescrição ao processo administrativo disciplinar?

Nessa quadra, imprescindível realizar um distinguishing acerca da jurisprudência que afirma que não impede a aplicação do artigo 142, §2º, da Lei nº 8.112/1990 a inexistência de notícia nos autos sobre a instauração da apuração criminal quanto aos fatos imputados ao servidor público, ou seja, a aplicação do prazo prescricional penal ao processo administrativo não está vinculada à existência prévia de apuração criminal, contudo, advoga-se que havendo a absolvição criminal, independentemente do fundamento, esta repercutirá insofismavelmente na não incidência do prazo prescricional penal ao processo administrativo.

Ressalta-se, conquanto o artigo 126 da Lei nº 8.112/1990 disponha que a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria, tal dispositivo não tem o condão de manter a aplicação dos prazos prescricionais penais ao processo administrativo em caso de absolvição do Réu, pois, com a absolvição, não há o que se falar em crime, não incidindo então o teor do artigo 142, §2º da Lei nº 8.112/1990, segundo o qual os prazos de prescrição previstos na lei penal seriam aplicáveis apenas às infrações disciplinares capituladas também como crime.

Jurisprudência
Nesse sentido existe, também, orientação jurisprudencial do colendo STJ, informando que, tendo havido absolvição no processo criminal, o prazo prescricional deve ser aquele disposto na legislação administrativa, o que revela a existência de divergência, senão vejamos:

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ABSOLVIÇÃO NA SEARA CRIMINAL. PRAZO PRESCRICIONAL QUE DEVE SEGUIR O ESTATUTO ADMINISTRATIVO. DECISÃO AGRAVADA RECONSIDERADA PARA DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. (STJ – RMS: 57120 PE 2018/0083265-8, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Publicação: DJ 02/08/2019). (Grifamos)

Conclusão
Por fim, impende destacar que não se defende aqui a ampliação das hipóteses em que a absolvição criminal representará o afastamento da responsabilidade administrativa do servidor, mas, tão somente, que a absolvição criminal afasta a aplicação do prazo prescricional penal ao processo administrativo conforme previsto no artigo 142, §2º da Lei nº 8.112/1990.

 


[1] (MS 20.857/DF, rel. min. Og Fernandes, 1ª Seção, DJe 12.06.2019).

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