Paradoxo da Corte

Julgamento de apelação mais rápido do mundo no Tribunal de Justiça de São Paulo

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

16 de fevereiro de 2024, 8h00

Como tive oportunidade de escrever, há alguns anos, num artigo acadêmico sobre a duração razoável do processo nos países europeus da zona do euro, o pronunciamento judicial que atinge o seu importante escopo de compor uma controvérsia intersubjetiva no momento oportuno proporciona às partes, aos interessados e aos operadores do direito grande satisfação.

Hoje em dia, mesmo aquele que sai derrotado não deve lamentar-se da pronta resposta do Judiciário, uma vez que, sob o prisma psicológico, o possível e natural inconformismo é, sem dúvida, mais tênue do que o excessivo e intolerável prolongamento da luta processual.

É inegável, por outro lado, que, quanto mais distante da ocasião tecnicamente propicia for proferida a sentença, a sua respectiva eficácia será proporcionalmente mais fraca e ilusória.

De tal sorte, um julgamento tardio irá perdendo progressivamente seu sentido reparador, na medida em que se postergue o momento do reconhecimento judicial dos direitos; e, transcorrido o tempo razoável para resolver a causa, qualquer solução será, de modo inexorável, injusta, por maior que seja o mérito intrínseco da decisão.

Lembro, a propósito, de conhecida passagem da Oração aos Moços, na qual exortava Rui Barbosa: “justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”!

Não se pode olvidar, nesse aspecto, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo um lapso temporal razoável para a tramitação do processo (“tempo fisiológico”), e o da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário (“tempo patológico”).

Spacca

Obtendo-se uma simetria destes dois regramentos segurança/celeridade emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional.

E é esse alvitrado equilíbrio que vem sendo perseguido, desde há muito, nas mais diferentes experiências jurídicas contemporâneas.

Importa reconhecer que a garantia à tempestividade da tutela jurisdicional complementa o ideário de um processo mais justo e, portanto, constitui um direito fundamental, expressamente consagrado nas cartas políticas que foram editadas em época mais moderna.

Pelo mundo
Na Europa Ocidental e na América do Norte, a despeito da lentidão verificada na justiça de vários países, o direito a um processo sem dilações indevidas vem igualmente reconhecido em inúmeros textos legislativos, dos quais derivou fecunda elaboração doutrinária e jurisprudencial.

O famoso artigo 6º, n. 1, da Convenção Europeia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, subscrita em Roma no dia 4 de novembro de 1950, prescreve que:

“Toda pessoa tem direito a que sua causa seja examinada equitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida.”

Foi, sem dúvida, a partir da edição desse diploma legal supranacional, que o direito ao processo sem dilações indevidas passou a ser concebido como um direito subjetivo constitucional, de caráter autônomo, de todos os membros da coletividade (incluídas as pessoas jurídicas) à tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável.

Efetivou-se, outrossim, ao longo do tempo, a necessária exegese da abrangência do supra transcrito dispositivo, tendo-se, unanimemente, como dilações indevidas, “os atrasos ou delongas que se produzem no processo por descumprimento dos prazos estabelecidos, por injustificados prolongamentos das etapas mortas que separam a realização de um ato processual de outro, sem subordinação a um lapso temporal previamente fixado, e, sempre, sem que aludidas dilações dependam da vontade das partes ou de seus mandatários” (cf. José Antonio Tomé Garcia, Protección procesal de los derechos humanos ante los tribunales ordinarios, Madrid, Montecorvo, 1987, pág. 119).

Todavia, torna-se impossível fixar a priori uma regra específica, determinante da violação à garantia da tutela jurisdicional dentro de um prazo razoável.

E, por isso, consoante orientação jurisprudencial da Corte Europeia dos Direitos do Homem, consolidada em 1987, no famoso caso Capuano, três critérios, segundo as circunstâncias de cada caso concreto, devem ser levados em consideração para ser apreciado o limite temporal razoável de duração de um determinado processo.

Por via de consequência, somente será possível diagnosticar a ocorrência de uma indevida dilação processual a partir da análise: a) da complexidade do assunto; b) do comportamento dos litigantes e de seus procuradores; e c) da atuação do órgão jurisdicional.

O reconhecimento de tais critérios, que exige uma análise casuísta, bem revela que as dilações indevidas não decorrem da simples inobservância dos prazos processuais pré-fixados.

Assim, é evidente que se uma determinada questão envolve, por exemplo, a apuração de danos à natureza, a prova pericial a ser produzida poderá demandar muitas diligências que justificarão duração bem mais prolongada da fase instrutória.

O Tribunal Europeu exige da parte reclamante diligência normal no desenrolar do processo, não lhe sendo imputável a demora decorrente do exercício de direitos ou poderes processuais, como o de recorrer ou de suscitar incidentes.

Cumpre esclarecer que, na contínua evolução exegética da Corte Europeia, atualmente, o prazo considerado excessivo é aquele que supera cinco anos.

É, pois, em princípio, considerado razoável, em média, o limite de três anos, para a tramitação do processo em primeiro grau; e de dois anos, para o procedimento recursal.

Dos 22 países que compõem a União Europeia 11 deles estabeleceram, em 1998, inúmeras diretrizes e metas visando à adoção de moeda única: o euro. Para tanto, em prol de uma economia estável e duradoura, além de muitas medidas de caráter financeiro, tributário e social, tornou-se imprescindível o compromisso com a segurança jurídica.

A previsibilidade das decisões e a celeridade da prestação jurisdicional constituem por certo relevantes vetores para a segurança jurídica.

A generalidade dos Estados-membros que instituíram a denominada “zona do euro”, cada qual em maior ou menor dimensão, passou a rever os seus respectivos modelos processuais em busca de maior eficiência, até porque o artigo 47 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (2000) consagra o direito a um processo sem dilações indevidas.

No Brasil, como também já tive oportunidade de frisar, com a consolidação do processo eletrônico, do aprimoramento de outras ferramentas operacionais e, outrossim, de gerenciamento adequado, mesmo antes dos anos de pandemia, a justiça brasileira deu um grande passo em busca da efetiva duração razoável do processo, atendendo à garantia contemplada no artigo 5º, LXXVIII, da nossa Constituição.

É evidente que há ainda inúmeros gargalos e disfunções que emperram a máquina judiciária.

No que toca à minha experiência profissional de mais de 40 anos de advocacia, registro que, sopesadas as coisas, devido aos fatores acima mencionados, somados às metas traçadas em passado não muito remoto pelo Conselho Nacional de Justiça, bem como à inequívoca vontade política de seus últimos dirigentes, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem julgado os recursos num lapso temporal invejável.

Jamais imaginei que, ainda no exercício profissional, pudesse sentir a satisfação que tenho experimentado nestes últimos três anos, de ver uma apelação ser julgada, em regra, dentro de três a oito meses na Corte de Justiça paulista.

É certo que esse interregno suplanta as melhores expectativas de qualquer tribunal dos países ocidentais!

Causa realmente enorme conforto — e por isso devemos dar a mão à palmatória — de constatar esse formidável e auspicioso fenômeno, que tem ocorrido de forma sistemática, ressalvando-se é claro algumas exceções, relacionadas, em sua maioria, a processos físicos mais antigos.

Nessa direção, não posso deixar de compartilhar com os meus colegas que atuam no contencioso da nossa justiça estadual, fato realmente inusitado que recentemente ocorreu num recurso de apelação, sob o meu patrocínio.

Em tal caso concreto, o litigante que perdeu a demanda interpôs recurso de apelação, o qual, depois da apresentação das contrarrazões, deu entrada no Tribunal de Justiça bandeirante e foi distribuído no dia 23/1 próximo passado para a 12ª Câmara de Direito Privado, sob a relatoria do ilustre doutor Alexandre David Malfatti, juiz convocado que honra a magistratura paulista.

No dia 24/1, os autos foram encaminhados à conclusão do relator. No dia subsequente foi iniciado o julgamento virtual. Em 31/1 foi concluído o julgamento colegiado, do qual também participaram os ilustres desembargadores Sandra Galhardo Esteves e Castro Figliolia, com a certificação, nesse mesmo dia, do registro do respectivo acórdão.

Fato realmente emblemático: 7 dias entre a distribuição e o registro do acórdão!
Entendo que esta efeméride merece todos os encômios da nossa comunidade jurídica, uma vez que pode perfeitamente ser considerado, sem ufanismo, o julgamento de um recurso mais rápido do mundo.

Ressalto outrossim que, a despeito da invejável celeridade, o acórdão de 13 laudas é muito bem fundamentado, revelando estudo cuidadoso e aprofundado das questões suscitadas.

Não é preciso salientar, por outro lado, que continuam existindo várias distorções no processamento dos recursos no TJ-SP, como, por exemplo, a declaração de incompetência de determinada seção do tribunal por meio de acórdão, a insensibilidade de alguns desembargadores, que se recusam a receber advogados, o abuso das sustentações orais, a banalização dos embargos de declaração etc. Faço votos que algumas delas sejam solucionadas em breve tempo…

Reportando-me, por fim, à conclusão de outro artigo, ocasião em que afirmei que, como advogado militante, não posso deixar de reconhecer o esforço dos últimos dirigentes, dos atuais e, em particular, dos juízes integrantes do TJ-SP, decorrente da conscientização da mais alta missão que lhes cabe, vale dizer, a de distribuir Justiça tempestiva!

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da Aasp, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual, conselheiro do MDA e vice- presidente do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos da Fiesp.

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