Opinião

Extremos do clima e o "E" no direito das relações de consumo

Autor

  • Joanna Lopes de Souza Teixeira

    é advogada do Meira Breseghello Advogados MBA em Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) LL.M em Direito Tributário pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP/RS) membro da Comissão Especial de Direito do Consumidor da OAB/RS e membro do Comitê de Relações de Consumo do IBRAC.

14 de fevereiro de 2024, 18h31

Os eventos climáticos extremos estão cada vez mais recorrentes e já levantam o debate sobre os direitos dos consumidores afetados pelos efeitos das intempéries.

Os intensos temporais que assolaram as regiões sul e sudeste do Brasil nos últimos dias deixaram diversas cidades do país, incluindo as capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto Alegre, sem energia elétrica, sem água, sem transporte público, entre outras dificuldades causadas pelo elevado volume de chuva. Inclusive, há registro de mortes causadas por fios caídos e descargas elétricas devido à queda de postes.

Milhões de moradores nas maiores cidades do país relatam horas, e até dias, sem luz, contabilizando imensos prejuízos e transtornos. A quase totalidade das redes de distribuição de energia elétrica existentes no Brasil ocorre de forma aérea (fios e postes) e concentra-se em grandes áreas urbanas, onde vive a maioria dos consumidores.

Assim, cabe a análise de qual seria a responsabilidade das concessionárias de serviço público regulado por falhas decorrentes de eventos da natureza.

É inegável que a relação estabelecida entre a concessionária de energia e o consumidor é respaldada pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90), como dispõe o artigo 22, no sentido de que as concessionárias são obrigadas a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos, estando sujeitas a reparar os consumidores lesados, portanto, na forma do CDC.

No caso, a responsabilidade destes é objetiva, a qual obriga o fornecedor a responder pelos danos que decorrem da falha na prestação de serviço, não exigindo que se demonstre culpa. [1]

Tânia Rêgo/Agência Brasil

Vale mencionar que a regulação do setor de energia elétrica, assim como em todos os serviços públicos, deve zelar pela proteção dos direitos do consumidor, “não apenas no que diz respeito às condutas do fornecedor na relação direta, como na formulação e aplicação das normas administrativas de regulação”[2].

Determinações da Aneel
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), por meio da Resolução nº 1.000/2021 [3], determina que a distribuidora deve restabelecer o fornecimento de energia em até 4 horas [4], sem nenhum custo ao consumidor. Ainda, deverá ser creditada ao consumidor a compensação pelo período com indisponibilidade do serviço, como dispõe o §1º, II, do artigo 362 da referida resolução [5].

Não obstante as obrigações citadas acima, as concessionárias de Energia Elétrica também são responsáveis por ressarcir eventual dano causado por falha no fornecimento de energia.

Além disso, medidas preventivas devem ser tomadas pelas concessionárias, de forma coletiva, visando a mitigar eventuais prolongamentos da falta de energia, e em caso de descumprimento, as empresas, responderão como asseverado acima.

O dever de indenizar, neste caso, não está pautado na interrupção de energia por conta dos eventos climáticos, mas sim, por conta da injustificada morosidade no restabelecimento no fornecimento da energia.

Daí, um dos exemplos da indissociável relação do “environmental” (ESG) nas relações de consumo, sendo certo que os eventos climáticos extremos são cada vez mais corriqueiros, sendo urgente a adequação das empresas de energia elétrica, posto que é atribuição das concessionárias de serviços públicos a modernização e atendimento às novas demandas atreladas à concessão.

Vale mencionar que a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, está acompanhando as recorrentes ocorrências de interrupção do fornecimento de energia e transtornos gerados aos consumidores. Recentemente foi realizada reunião entre o secretário nacional do consumidor e o diretor-geral da Aneel para debates sobre os problemas de energia no país [6], destacando a preocupação com a qualidade dos serviços, especialmente àqueles que se encontram em situação de maior vulnerabilidade.

Autuações nos estados
No Rio de Janeiro, foi realizada no dia 22 de janeiro de 2024 reunião deste órgão com a diretoria executiva do Procon carioca e representantes da Light, concessionária de energia local, para debaterem soluções efetivas para os problemas enfrentados. [7]

No estado de São Paulo foi instaurado processo administrativo, em face da Enel, concessionária estadual, para fins de averiguação de eventual violação aos direitos dos consumidores, por ter frequentemente deixado milhões de consumidores sem luz. [8]

Já no Rio Grande do Sul, o Ministério Público interpôs ação coletiva de consumo, em face da CEEE Equatorial [9], responsável pela concessão no estado, com pedidos de ressarcimentos e multas que totalizam mais de R$ 200 milhões, apontando ineficiência diante dos eventos climáticos.

Atenta a estes frequentes episódios de falta ou interrupção do fornecimento de energia elétrica, a Aneel poderá, entre as sanções, promover, por exemplo, eventual cassação de concessão de empresas de distribuição.

Assim, é necessário que sejam desenvolvidos mecanismos e estratégias adequadas à nova realidade climática, considerando os eventos extremos e desafios cada vez mais urgentes, evitando-se danos difusos.

No setor de energia, a adoção de práticas alinhadas aos princípios de ESG é fundamental para mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Geração de energia de maneira sustentável, boas práticas de governança, com abordagens proativas e responsáveis, transparência e diálogo entre os setores, além da eficiência energética, são balizas que devem conduzir as tratativas de todo o sistema,  abrandando e prevenindo impactos negativos.

Somente com a abordagem integrativa de todos estes pilares nas operações poderemos reestruturar um sistema de energia adequado, sustentável e capaz de atender com qualidade a todos os consumidores e setores da sociedade.


[1]   Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

[2] . MIRAGEM, Bruno. A Regulação do Serviço Público de Energia Elétrica e o Direito do Consumidor. In Revista de Direito do Consumidor | vol. 51/2004 | p. 68 – 100 | Jul – Set / 2004

[3] https://www2.aneel.gov.br/cedoc/ren20211000.pdf

[4] Art. 362. A distribuidora deve restabelecer o fornecimento de energia elétrica nos seguintes prazos, contados de forma contínua e sem interrupção:

I – 4 horas: para religação em caso de suspensão indevida do fornecimento;

II – 4 horas: para religação de urgência de instalações localizadas em área urbana;

[5] § 1º Em caso de suspensão indevida: II – a distribuidora deve creditar ao consumidor e demais usuários a compensação disposta no art. 441.

[6] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/secretario-nacional-do-consumidor-e-diretor-geral-da-aneel-discutem-problemas-de-energia-no-pais-1

[7] https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-debate-falta-de-energia-em-reuniao-com-concessionaria-no-rio-de-janeiro

 https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/senacon-abre-processo-administrativo-contra-enel-por-apagao-em-sao-paulo

[9] https://www.mprs.mp.br/noticias/58669/

Autores

  • é advogada do Meira Breseghello Advogados, MBA em Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), LL.M em Direito Tributário pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP/RS), membro da Comissão Especial de Direito do Consumidor da OAB/RS e membro do Comitê de Relações de Consumo do IBRAC.

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