Opinião

Por que a decisão do ministro Dias Toffoli é correta?

Autor

  • André Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor nos cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) do IDP/Brasília e sócio do Callegari Advocacia Criminal.

7 de fevereiro de 2024, 18h09

Decorridos alguns anos da famigerada e outrora aplaudida operação “lava jato” — alguns ainda a defendem — foi descortinada a sua metodologia de trabalho.

Seguem algumas reveladas até agora: combinações de estratégias processuais entre acusação e o juiz responsável pelo processo tais como: apresentação de denúncia previamente combinada para determinado momento, trocas de mensagens, decretação de prisões preventivas, bloqueio de bens e morte civil das empresas, acordos de colaboração premiada, conduções coercitivas (na época da operação isso era possível), escutas telefônicas com prazos vencidos, dentre outras mazelas ocorridas pela equipe responsável e os juízes que dirigiam os processos.

Lembremos: tudo isso veio à tona pela denominada operação spoofing, que investigou as contas do Telegram de autoridades e pessoas ligadas à “lava jato”.

Os argumentos dos que tiveram as suas ações criminosas descobertas pela operação logo gritaram que se tratava de prova ilícita, uma vez que não fora autorizada pelo poder judiciário.

A ironia da argumentação é que justamente estes, agora defensores do devido processo legal, foram os que num passado próximo defendiam a inclusão no “pacote anticrime” de um dispositivo que permitisse a prova ilícita desde que “obtida de boa-fé”.Confesso que nunca entendi muito bem o que seria esse

Spacca

instrumento anômalo no ordenamento jurídico. Talvez os nossos professores da “lava jato” tenham uma explicação do significado de prova ilícita obtida de boa-fé, mas talvez já não a queiram mais, porque isso certamente permitiria a validade do que há hoje na operação spoofing contra eles.

Dias Toffoli
Retomemos o tema da decisão do ministro Dias Toffoli, tão combatida pela imprensa, ou, por aqueles que não sentiram na pele como operava o sistema à época dos fatos.

Evidentemente que havia um estado de coisas inconstitucional na “lava jato”. Inúmeros acordos de colaboração foram firmados em face das prisões preventivas que se alongavam pelo tempo. Inclusive, para quem tiver alguma dúvida, basta que leia a manifestação de um procurador da República que oficiava junto ao TRF-4.

Naquela oportunidade o membro do MPF disse, quando emitiu parecer em habeas corpus impetrado pela defesa, que era contrário à liberdade porque isso era um incentivo a um possível acordo de colaboração premiada. Bem, se isso era o normal e o ministro Toffoli já andou bem em sua decisão. Mas todos sabemos que não houve só isso.

Especificamente em relação a empresa onde houve a multa suspensa já havia uma série de decisões cautelares de afastamento da administração dos dirigentes da empresa, de repetidas buscas e apreensões desnecessárias, diga-se de passagem, e, sugestões de que o acordo de leniência fosse firmado para a solução dos problemas da empresa (junto como o acordo de colaboração, é claro).

Vamos fazer um pequeno exercício que não demanda muito tempo: qual o empresário que premido por tudo isso não aceitaria um acordo? A empresa, à época dos fatos, discordou veementemente dos valores propostos, inclusive apresentando cálculos elaborados por peritos, porém, valia a palavra dos mais fortes, de quem tinha as rédeas da situação nas mãos, neste caso, o MPF.

Tudo isso aconteceu com o consentimento da imprensa que achava e continua achando que a operação “lava jato” foi num sucesso, apesar da quebra de quase todas as empresas envolvidas.

Sucesso teria sido uma forma de não decretar a morte civil das empresas, de elaboração de acordos razoáveis como existem nos EUA ou na Europa e, talvez, ao invés de multas absurdas que formulassem uma proposta legislativa de responsabilidade penal da pessoa jurídica como existe nos países citados.

Porém, preferiram se esbaldar no momento de fragilidade dos empresários e de seus familiares que já não suportavam mais prisões e cautelares sem fim, preferiram propostas que fazem corar um estudante de Direito, como a prova ilícita obtida de boa-fé.

Revisão parcial
Por tudo isso, agiu bem mais uma vez o ministro Toffoli. É preciso esclarecer que já houve revisão parcial pela própria contadoria da PGR que reduziu substancialmente a multa de R$ 10 bilhões para R$ 3,5 bilhões. Diante dessas evidências prévias e de tudo o que foi dito anteriormente é que o ministro suspendeu o pagamento da multa imposta.

O caso sim era exatamente  o de suspensão da multa neste momento até que o juízo competente  julgue a devida readequação aos valores que se enquadram dentro da realidade e não da visão ilusória dos que pretendiam, dentre outras coisas, destinar os valores ao que determinava uma ONG. Claro, sem deixar de lembrar que também quase construímos uma estátua ao arauto da “lava jato” em Curitiba (lembrando que um outdoor foi feito).

Finalmente, não matemos o mensageiro antes da decisão do STF. A suspensão era necessária. A readequação é necessária. A crucificação do ministro é desnecessária. O colegiado resolverá a questão e certamente, como tem feito, colocará os erros e os acertos em seus devidos lugares. O acerto, neste caso, é a manutenção da suspensão da multa até que se julgue o valor corretamente devido pela empresa.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal no IDP-Brasília, sócio fundador do Callegari Advocacia Criminal e coordenador do Grupo Criminalistas.

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