O acerto de Toffoli no caso do acordo de leniência da Odebrecht
6 de fevereiro de 2024, 16h11
Foi enorme o destaque dado pelos jornais à decisão proferida pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, de suspensão das obrigações de pagamento do acordo de leniência da Odebrecht no contexto da finada operação “lava jato”.
Manchetes caça-cliques do tipo “liberou geral”, “passou a boiada” e “prêmio à corrupção” pulularam pelos veículos de comunicação. Poucos, contudo, deram-se ao trabalho de compreender os seus fundamentos técnicos, assim como a sua correção em um ambiente de devido processo legal de que devem se valer todos os regimes democráticos.
Rastro de destruição
O caso não pode ser examinado a partir de uma foto ou de um recorte. A decisão decorre de um processo que revelou incontáveis abusos e violações à lei e que deixou no país um rastro luminoso de destruição e miséria. Segundo dados do Dieese, o Brasil perdeu R$ 172,2 bilhões em investimentos entre 2014 e 2017, 4,4 milhões de empregos, deixou de arrecadar R$ 50 bilhões em impostos e setores importantes da indústria nacional foram desestruturados (construção civil, engenharia, petróleo e gás e naval).
Muitos foram os desmandos neste período marcado pela instrumentalização e pela espetacularização da nossa Justiça criminal. Foram constantes a banalização de prisões temporárias e preventivas como forma de pressão psicológica para obter confissões e os inúmeros vazamentos casuísticos e direcionados de informações sigilosas, entre tantas outras graves irregularidades.
Conluio entre acusação e juiz
É preciso, pois, remontar a 2020, quando um dos réus da “lava jato” pede ao STF acesso aos sistemas de informações da Odebrecht e, logo depois, ao material apreendido pela Polícia Federal em poder dos hackers na operação “spoofing”.
Foram, então, aportadas ao processo mensagens privadas trocadas entre autoridades responsáveis pelo caso. Entre as revelações, o desabrido e criminoso conluio registrado entre acusação e magistrado contra os réus. Além disso, tratativas com autoridades estrangeiras foram realizadas ao largo dos canais formais, em flagrante desrespeito à lei, e dados e arquivos dos sistemas da Odebrecht foram manipulados sem qualquer cuidado, violando-se a integridade das provas e a cadeia de custódia.
Com isso, em fevereiro de 2022, a 2ª Turma do STF reconheceu que a prática de diversos atos instrutórios e decisórios de Curitiba foi tisnada pela mácula da incompetência e da parcialidade, inclusive quanto à recepção do próprio acordo de leniência da empresa. Os vícios impuseram a invalidade das provas e vedaram o seu uso nos processos criminais de que delas se valiam.
Provas imprestáveis e pagamentos suspensos
Outros réus formularam pedidos similares, recebendo do STF comandos sucessivos similares. A partir desse quadro, o ministro Toffoli, já em setembro de 2023, acertadamente declarou imprestável o uso desses elementos de prova em todos os processos que deles se utilizaram, em fundamentada decisão que apontou novos abusos e a violação generalizada de diversos direitos fundamentais. Apesar de monocrática, a corajosa decisão não inovou em nada, mas apenas reafirmou o que já estava consolidado no STF.
É nessa toada de verificação de insistentes arbitrariedades cometidas pelas autoridades da “lava jato” que os pagamentos do acordo da Odebrecht foram cautelarmente suspensos. Note-se que a decisão não anula o acordo, apenas o suspende enquanto se apura eventuais excessos que possam comprometer o seu conteúdo.
Conclusão
A decisão do ministro é coerente, lógica e orientada por sólidos precedentes. Na prática, estende à pessoa jurídica aquilo que já fora concedido aos réus pessoas físicas. Franqueia acesso à empresa de materiais de prova da operação “spoofing” para que esta os utilize em sua defesa. E a suspensão das obrigações do acordo, enquanto se realiza essa análise, é consequência natural sob o ponto de vista cautelar, especialmente diante do farto histórico de excessos até aqui apurado.
Há mais coragem em ser justo, parecendo ser injusto, do que em ser injusto para salvaguardar a aparência de justiça, já disse o jurista italiano Piero Calamandrei. É preciso louvar magistrados que oferecem segurança jurídica à sociedade, resguardando o devido processo legal, ainda que para isso tenham de firmar posições contramajoritárias ou que, pelo senso comum, possam parecer equivocadas à primeira vista.
*artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo
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