Opinião

O outro lado da reforma tributária: a indução em matéria ambiental

Autor

  • Werner Grau Neto

    é advogado e professor universitário especialista em Direito Ambiental mestre em Direito Internacional e doutor em Direito Tributário pela USP.

4 de fevereiro de 2024, 7h19

Em lúcido artigo publicado nesta ConJur, Thiago Sales Pereira e João Pedro de Antonio Possi trataram do assim denominado “imposto do pecado”, inserido na reforma tributária recém-promulgada por meio da Emenda Constitucional 132, de 2023, especificamente no texto do artigo 153, VIII, da Constituição.

O propósito do imposto do pecado é desestimular, por meio da oneração, a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, conforme dispuser lei complementar.

O outro lado da reforma
Na senda ambiental, a reforma tributária cuida ainda, no inciso VIII que fez acrescentar ao § 1º do artigo 225 da Carta Magna, de conceder regime fiscal favorecido aos biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão de carbono, para que tenham tributação inferior aos combustíveis fósseis, declaradamente para tornar tais fontes de energia mais competitivas.

Vê-se, na concessão de regime diferenciado para os biocombustíveis e hidrogênio, a adoção da dinâmica da indução, pela qual o Estado, mediante o manejo de mecanismos tributários, induz o capital de investimento a um determinado campo ou segmento da economia que interessa ao Estado que se desenvolva em razão de critérios cruzados — aqui o interesse do Estado em ver atingido o propósito da redução das emissões de gases de efeito estufa como elemento de viabilização da competitividade de nossa economia e de nossos produtos e serviços vis-à-vis os compromissos nacionais e internacionais de combate à mudança do clima.

O ponto já reclamava atenção do legislador de há muito.

A uma, já o artigo 225, caput, do texto magno, ao estabelecer o conceito de sustentabilidade [para as presentes e futuras gerações], indicava a necessidade de uso de mecanismos tributários como fator não apenas voltado a deprimir as iniciativas indesejadas pela política de Estado, ainda que lícitas, mas especialmente voltado a estimular e, mais do que isso, induzir o desenvolvimento das atividades econômicas que, a par de seus resultados ordinariamente esperados, traga ainda benefícios de ordem ambiental.

Nesse sentir é que, por meio da Emenda Constitucional 42, já em 19.12.2003, alterou-se o inciso VI do artigo 170 da Constituição, que de mera referência à defesa do meio ambiente, recebeu texto adicional para dele ler-se

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

A concessão do regime diferenciado, portanto, já era mecanismo previsto desde 2003, mas muito pouco utilizado desde então, especialmente sob o signo da indução [que não se confunde, naturalmente, pela repressão, nem tampouco pelo mero incentivo, que premia um determinado comportamento sem alterar-lhe a estrutura ou o modelo, que é o que a indução realiza].

Estímulo à redução das emissões de gases de efeito estufa
De outro lado, a Política Nacional sobre a Mudança do Clima (Lei nº 12.187, de 29/12/2009) trouxe, como um dos instrumentos de sua implantação — artigo 6º, VI, a adoção de “medidas fiscais e tributárias destinadas a estimular a redução das emissões e remoção de gases de efeito estufa, incluindo alíquotas diferenciadas, isenções, compensações e incentivos, a serem estabelecidos em lei específica”.

Na mesma linha, o artigo 11, parágrafo único, da referida lei, trouxe a previsão de que determinados setores da economia, energia incluída, teriam planos setoriais de mitigação e adaptação às mudanças climáticas estabelecidos por decreto do Poder Executivo.

A inserção do ponto na reforma tributária, portanto, é medida que já veio tarde, e que demanda ação imediata para que a concessão de regime fiscal diferenciado, de índole indutiva, seja aplicada ao setor de energia.

Várias são as formas de estabelecimento da sinergia entre regime fiscal e propósito de indução do capital de investimento a matrizes de geração de energia — notadamente as duas trazidas ao texto constitucional pela reforma tributária, quais sejam, biocombustíveis e hidrogênio de baixa emissão de carbono — específicas.

Trago aqui uma dessas opções, da qual tratei em 2013 [1] e que se funda no que seria o estabelecimento de relação de tonelagem média de carbono para cada KWh produzido pelas diversas fontes de energia, de sorte a que, quanto maior a tonelagem média de emissão de gases de efeito estufa (GEE) para a geração de 1KWh de energia, maior a alíquota do tributo destinado à geração de maior competitividade à geração de energia com menor emissão de GEE. Esse tributo, na forma da estrutura de nosso sistema, teria em minha visão uma adequada inserção por meio da figura da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide).

Conclusão
Nossa sociedade, tanto a brasileira quanto a mundial, demorou por demais a conscientizar-se do perigo para a humanidade que representam a emissões de GEE. Agora que, finalmente, trouxemos ao plano constitucional o propósito de se utilizar as ferramentas tributárias para o combate às emissões de GEE, cabe ao Estado brasileiro debruçar-se sobre o tema e, de imediato, estabelecer o modelo de indução tributária que nos leve ao atingimento do propósito de sermos, seguirmos sendo e de capitanearmos as medidas, mundiais, para que evitemos a mudança do clima que nos poderá eliminar da Terra.

Outros países e blocos, como a Comunidade Europeia, já estão de sua parte estabelecendo e implementando mecanismos que nos impõem, a países como o Brasil, atender regras muito restritivas para que tenhamos acesso àqueles mercados. Atender as restrições que de lá virão passa necessariamente por implementarmos um sistema que privilegie, estimule e induza a economia de baixo carbono.


[1] Tese de Doutoramento submetida ao Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, disponível em www.teses.usp.br

Autores

  • é advogado e professor. Especialista em Direito Ambiental, mestre em Direito Internacional e doutor em Direito Tributário pela USP. Ativista da proteção animal.

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