Processo Tributário

Comitê gestor, IBS e o contencioso administrativo tributário

Autores

  • Carlos Eduardo M. Gasperin

    é advogado doutorando em Direito Processual e Constitucional Tributário pela PUC-SP mestre em Direito Tributário pela FGV/Direito e pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Fernanda Camano

    é advogada pós-doutora pela Faculdade de Direito da USP professora do curso de Especialização do Ibet professora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

4 de fevereiro de 2024, 8h00

Um dos pilares da reforma tributária do consumo veiculada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 (fruto da aprovação da PEC 45/2019) é a uniformização entre estados, municípios e Distrito Federal da tributação do ICMS e do ISS, por meio de um tributo de competência compartilhada, denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Segundo o recém introduzido artigo 156-A da Constituição, o IBS será informado pelo princípio da neutralidade e deverá ter “legislação única e uniforme em todo o território nacional”.

Conjectura
Porém, ao mesmo tempo que se preconiza essa harmonia legislativa, a nova redação constitucional confere a cada ente, nos termos a serem fixados por lei complementar, a “fiscalização, o lançamento e a cobrança do imposto”, bem como que a sua “representação administrativa” dar-se-á por meio das procuradorias estaduais, municipais e distritais (artigo 156-B, 2°, V). Ou seja, cada ente será autônomo, em tese, para interpretar e aplicar a legislação do IBS a partir de suas estruturas administrativas.

A partir disso pode-se conjecturar um cenário no qual estados, municípios e o Distrito Federal atuarão de forma independente, exigindo o IBS por meio de aparato administrativo próprio, aí incluídos os órgãos atuais de julgamento administrativo nos quais serão solucionados os conflitos havidos em torno da exigência desse novo imposto.

 

Vale dizer, um auto de infração lavrado pela autoridade fazendária de São Paulo, referente ao IBS, deverá ser julgado pelo Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) da mesma forma que o Conselho de Contribuintes e Recursos Fiscais do Paraná o fará, quando o auto provier de autoridades fiscais paranaenses. Essa é a pretensão, pensamos, a intenção do texto constitucional, manter a unicidade interpretativa.

Competência do Comitê Gestor do IBS
Contudo, para que esse cenário se perfectibilize, é importante analisar a competência outorgada ao Comitê Gestor do IBS pelo novo artigo 156-B, I, da Constituição. Para além de ser um agente financeiro centralizador, conferiu-se a esse órgão a potência de garantidor da uniformidade de interpretação e aplicação da legislação do tributo que se concretizará de duas formas.

A primeira delas, por meio de uniformização do entendimento dos tribunais administrativos municipais, estaduais e distrital sobre questões controvertidas atinentes ao IBS, conferindo-se ao Comitê capacidade judicante. Em outras palavras, o Comitê deverá funcionar como uma espécie de Corte de Cúpula do respectivo processo administrativo [1], solucionando as divergências jurisprudenciais advindas do contencioso local, formando verdadeiros precedentes vinculantes à administração tributária competente pela exigência do IBS.

Órgão paritário
Nesse tocante, uma das questões a se pensar diz respeito à formação do referido órgão judicante nacional. O paralelo com o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) é inevitável, mas não tão assertivo [2]. De fato, o modelo a ser seguido poderia se basear na representação paritária dos contribuintes, por meio de indicação das Confederações Nacionais representativas dos setores da economia, como já ocorre no órgão federal.

Mas, e a representação do setor público? Devemos lembrar que comungam interesses sobre o IBS os 26 estados, o Distrito Federal e os mais de 5.500 municípios, sendo que muitos desses entes disputam(rão) entre si o produto arrecadado. Sendo assim, uma providência adequada para estancar futuros problemas seria a fixação de critérios de rotação da representação no órgão de julgamento entre os entes eleitos a participarem do Comitê Gestor, nos termos fixados pelo novel artigo 156-B, § 2º, II e § 3º, da Constituição.

Orientações ao contribuinte
Mas a uniformidade na interpretação/aplicação da legislação do IBS não virá somente por meio de decisões no contencioso administrativo. Desse modo, a segunda forma de garantir a pretendida harmonia é mediante o exercício, pela administração fiscal, de orientações prévias aos contribuintes, especialmente por meio de diretrizes gerais exaradas em forma de resposta às consultas que eventualmente venha a ser formuladas.

Em um cenário de competência tributária compartilhada entre entes federados com interesses diversos, somente garantir-se-á a neutralidade almejada na Constituição se se entender, inserida na competência integradora dada ao Comitê Gestor, a de harmonizar as orientações gerais e oficiais sobre o IBS. Em outras palavras, o CGIBS deve estar munido de estrutura para responder às consultas oficiais sobre o imposto ou, quando muito, atuar como uniformizador dos entendimentos emitidos pelas fazendas municipais, distrital e estaduais em soluções de consulta sobre o IBS.

Função tríplice do comitê
Esse papel centralizador a cargo de um órgão gestor de caráter nacional, com representação paritária e que comungue interesses dos contribuintes e das administrações fazendárias é, em nosso sentir, o meio para que a uniformidade e a neutralidade do IBS sejam concretizadas, evitando-se que, por meio da interpretação do texto legal, criem-se competições entre jurisdições.

Da leitura dos novos dispositivos constitucionais inseridos pela EC 132/2023, percebe-se, então, que o Comitê Gestor terá tríplice função na administração do IBS. Atuará como agente financeiro a possibilitar o controle da arrecadação, das compensações e dos repasses a cada ente federado, conforme o critério de destino estabelecido. Também exercerá papel de órgão judicante, uniformizando a jurisprudência administrativa do contencioso que se formará sobre o novo imposto. E, por fim terá papel de administrador tributário, na medida em que deverá exarar orientações gerais de interpretação da legislação do IBS.

Daí porque é relevante que a legislação complementar que criará o referido Comitê disponha acerca de cada uma das características dessas funções que serão exercidas por uma mesma estrutura administrativa, evitando-se que os interesses diversos dos entes políticos, antes detentores autônomos da competência tributária, confundam-se ou conflitem entre si.

 


[1] Conforme sugerem Sarina Sasaki Manata e Rodrigo Dalla Pria em artigo publicado nesta coluna em 08/12/2023:  https://www.conjur.com.br/2023-nov-05/processo-tributario-reforma-tributacao-consumo-contencioso-tributario/

[2] Paralelo efetuado, aliás, pelos idealizadores da PEC 45/2019. SANTI, Eurico Marcos Diniz de; MACHADO, Nelson. Imposto sobre Bens e Serviços. Centro de Cidadania Fiscal: Estatuto, PEC 45, PEC Brasil Solidário, PEC 110, Notas Técnicas e Visão 2023. São Paulo: Editora Max Limonard, 2023. Disponível em: < https://ccif.com.br/wp-content/uploads/2023/05/Imposto-Sobre-Bens-e-Servicos_CCiF_2023.pdf>.  Acesso em 08.12.2023.

Autores

  • é advogado, doutorando em Direito Processual e Constitucional Tributário pela PUC-SP, mestre em Direito Tributário pela FGV Direito e pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do IBET.

  • é advogada, pós-doutora pela Faculdade de Direito da USP, professora do curso de especialização do Ibet, professora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet, pesquisador do grupo de estudos Processo Tributário Analítico do Ibet.

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!