Fábrica de Leis

Legislação municipal e os desafios para uma vida melhor nas cidades

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16 de abril de 2024, 11h21

A legislação municipal brasileira tem suas particularidades e desafios. Parlamentares municipais costumam estar mais próximos das suas comunidades do que, usualmente, os deputados estaduais e os federais. Se há um ambiente feito para uma grande caixa de ressonância social é a Câmara Municipal. Conforme dados oficiais (IBGE), há hoje no Brasil 5.570 municípios (incluindo o Distrito Federal e Fernando de Noronha), ou o mesmo número de Câmaras Municipais. Algumas são bem antigas, remontam ao Brasil Colônia e possuíram graus de autonomia variados.

Com a Constituição da República de 1988, os municípios brasileiros ampliaram o seu rol de competências, mas no seu cotidiano, nem sempre há condições para que possam cuidar, mais de perto, dos assuntos e problemas das suas comunidades.

Assim como o Brasil, as Câmaras Municipais são assimétricas, muitas vezes dividindo as suas próprias instalações com a Prefeitura. O corpo de funcionários pode ou não apresentar carreiras que assegurem uma memória administrativa para além das legislaturas, ou mesmo a garantia de apoio para o exercício da vereança e do cumprimento dos seus objetivos, conforme as suas Leis Orgânicas.

Segundo dados do Panorama Legislativo Municipal, ferramenta disponibilizada pelo Data Senado, há hoje, no Brasil, 58.111 vereadores (16% de vereadoras) e 135.546 funcionários, 51% de mulheres. O orçamento público movimentado pelas Câmaras Municipais do Brasil afora está na casa dos R$16.901.344.312,00

Há municípios onde as Câmaras Municipais contam com edifícios próprios, diversos plenários e outros com luz e internet intermitentes. Há aqueles que se mantêm, exclusivamente, com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e outros que diversificaram as suas fontes de receita atraindo empresas, negócios, eventos, pessoas, estilos de vida, etc.

Porém, todos, possuem o mesmo problema: dar conta das questões relevantes, por vezes essenciais que afetam, cotidianamente as suas populações. Vereadores e vereadoras, por todo o Brasil, são pessoas que escolheram prestar um serviço público, de olho nas questões que afligem, elevam, transformam a vida das cidades.

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Sérios e permanentes problemas das cidades parecem ser esquecidos durante o exercício da legislatura, talvez porque haja modelos de relacionamento com a vereança fundados na satisfação das demandas pessoais, dos agrados ao Executivo, do desconhecimento e falta de disponibilidade para ouvir os diversos setores que documentam problemas ou mesmo soluções. Esses últimos evidenciam o abismo entre o amplo conceito de “interesse local” e sua noção concreta, real, cotidiana.

Insegurança alimentar e outros desafios

As cidades de um país desigual contam com uma categoria de problemas que se apresentam com intensidades diversas e que tocam aspectos importantes da vida dos municípios. Essa categoria engloba água, alimento, populações vulneráveis (inclusive a sua saúde). Durante os anos de 2022 e 2023, o Legislab UFMG [1], um laboratório social de inovação, pautou questões municipais (casos) em suas atividades. E esses casos podem inspirar proposições transformadoras da vida nas cidades.

A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), de 2017-2018, por exemplo, identificou que 36,7% dos domicílios brasileiros sofriam com algum grau de insegurança alimentar. Isso significa que habitantes das cidades enfrentam, diariamente, problemas para manter uma alimentação adequada, principalmente diante do alto custo dos alimentos. Por outro lado, é sabido que há uma enorme quantidade de produtos alimentícios, próprios para consumo, que acabam sendo descartados, sem o adequado reaproveitamento. O Relatório Global da ONU sobre Desperdício (2024) demonstra o volume colossal de alimentos perdidos ou descartados, em todo o mundo.

A criação de Bancos de Alimentos Municipais permite ligar possíveis doadores de alimentos a instituições interessadas em receber esses produtos. São aceitos produtos considerados fora dos padrões e de comercialização, mas que ainda estão adequados ao consumo humano.

Os riscos à saúde por vezes são ocultos. Dentre as várias questões tratadas na legislação sobre uso e ocupação do solo das necrópoles urbanas em suas dimensões paisagísticas, ou os conceitos de cemitérios-parque, ou como um lazer para além do tabu morte é ainda preciso falar em saneamento básico. Ninguém quer falar em necrochorume, seu impacto sobre lençóis freáticos e a disseminação de patógenos. Poucos percebem o efeito duradouro e qualitativo em legislar sobre saúde preventiva.

A questão da inversão da pirâmide etária no Brasil foi demonstrada no último Censo, quando a população idosa atingiu mais de 15% da população, mostrando uma tendência de crescimento, desde a última década. Nossas cidades, em sua maioria esmagadora, não estão preparadas para o cuidado da terceira idade.

De que forma os municípios poderiam contribuir para melhorar os indicadores de saúde física e mental da população idosa?

Um belo início começa por espaços de convivência e uma salutar transversalidade entre esporte, lazer, cultura que pudesse trazer mais vida aos espaços públicos, restauradores. A Cidade Amiga das Idosas ( estatisticamente as mulheres andam vivendo mais) e dos idosos, ideia legislativa federal, fomenta o reconhecimento institucional das cidades que promovam políticas públicas garantidoras de um envelhecimento ativo e digno, menos isolado, muito mais social.

Tudo isso é interesse local de bem-estar. Pautas para quem quer somar, na melhoria da vida nas cidades, de todo o Brasil.

 


[1] Laboratório de Legislação e Políticas Públicas coordenado pelos docentes e pesquisadores Fabiana de Menezes Soares e Manoel Wanderley dos Santos, da Faculdade de Direito e do Departamento de Ciência Política/FAFICH- UFMG

Autores

  • é professora do curso de graduação e do programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), doutora e mestre em Direito pela UFMG e coordenadora do Observatório para qualidade da Lei e do Legislab.

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