Opinião

Só o Direito pode salvar a Cultura

Autor

12 de abril de 2024, 21h25

A confluência entre o Direito e a cultura é cheia de franjas. Mas, se são interdependentes, essas duas áreas do conhecimento humano podem também se excluir, se o diálogo não for inteligente. Num exemplo paradigmático: seria ótimo se correspondesse à realidade que o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí (SP), ainda estivesse na condição de ostentar a posição de grande escola brasileira de ensino musical. Na atual conjuntura, a Organização Social Sustenidos é a gestora deste importante projeto de cultura e tudo mudou no ensino musical de excelência.

Esta O.S. conseguiu desagregar o projeto pedagógico do Conservatório e agora, com a “colaboração” da secretária Marília Marton (Cultura/SP), finaliza seu sepultamento. A Sustenidos assumiu no governo estadual anterior. Sua “metodologia” foi demitir músicos, encerrar as atividades da Orquestra Sinfônica do Conservatório de Tatuí, criada em 1985, Coro Sinfônico do Conservatório, Samjazz e todos os conjuntos musicais, que totalizavam cinquenta e três grupos.

O objetivo dos antigos diretores tatuianos, maestros José Coelho de Almeida e Antonio Carlos Neves Campos, já falecido, era propiciar ampla experiência na execução da música clássica e sempre levar os alunos a um ambiente musical de excelência.

É muito simples de entender. Todo método pedagógico do Conservatório tinha como suporte esses conjuntos musicais. Eram formados por 70% de professores (músicos profissionais) e 30% de alunos, em último estágio de aprendizado de seus instrumentos. A metodologia era ambientar esses futuros músicos em conjuntos profissionais. A Orquestra Sinfônica, que não mais existe, contava com 80 músicos e maestro de alto nível. O último foi Edson Beltrami, da equipe do maestro João Carlos Martins. E a mesma situação ocorreu com o Coro Sinfônico, sob a regência de Cadmo Fausto, e outros grupos musicais pedagógicos.

Não podemos nos calar

O Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”. localizado em Tatuí

O golpe fatal no Conservatório será de responsabilidade da secretária Marília Marton, da Secretaria de Estado da Cultura do Estado de São Paulo. Este órgão governamental repassa verbas para a O.S. Sustenidos, atual gestora. Cerca de R$ 30 milhões anuais. O Conservatório sempre manteve em seu método de aprendizado o curso de Iniciação Musical, para alunos de 4 a 8 anos. A finalidade é descobrir talentos, ambientar as crianças e prepará-las para o ensino musical de alta performance. E, a partir dos oito anos, esses alunos, com conhecimento prévio de notas musicais, são direcionados à escolha de instrumentos de suas preferências e passam a frequentar aulas práticas, com professores/músicos profissionais.

A secretária Marília Marton, a partir de 2024, decidiu não abrir mais matrículas para o curso de Iniciação Musical. E só permanecem na escola cerca de 150 alunos ainda matriculados. O Conservatório de Tatuí, na contramão do aprendizado musical, só vai aceitar a inscrição de alunos com idade acima de oito anos. E já direcionados para a escolha do instrumento musical. Um raciocínio lógico leva a deduzir que, daqui a três anos, o Conservatório de Tatuí não contará com alunos devidamente preparados para a continuidade do ensino profissional e de alta performance.
É lamentável ter que expor publicamente este fato. Afinal, uma escola de música, com 70 anos de funcionamento e mantida pelos cofres públicos, não pode ser gerida por métodos aplicados por pessoas que desconhecem seu real funcionamento.

Spacca

Um decreto estadual, assinado em 1971 pelo governador Abreu Sodré, ainda em vigor, norteia o ensino musical do Conservatório. Desobedecer esse diploma legal e colocar em risco este importante projeto cultural, pode ser considerado, no mínimo, de administração amadora e de especialista em Projeto Guri. Cerca de 20 por cento da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) é composta por tatuianos natos. E tantas outras orquestras do Brasil contam com músicos profissionais, formados no Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí.

Nós, moradores desta cidade, distante apenas a 120 quilômetros de São Paulo, considerada a maior cidade do Brasil, não podemos assistir um fim tão melancólico para um projeto musical dessa envergadura. Não podemos nos calar. Devemos protestar, com toda veemência, contra a incúria e iconoclastia de administração, implantada a “fórceps”, na já denominada “melhor escola de música da América Latina”.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!