Reparação necessária

'O que se busca é recuperar um tempo perdido', afirma Jayme de Oliveira

 

10 de abril de 2024, 19h58

Inspirado na Resolução 525/2023 do Conselho Nacional de Justiça — que determina que as promoções por merecimento na segunda instância sejam feitas alternando-se as listas mistas com outras só de mulheres nos tribunais em que ainda não haja ao menos 40% de desembargadoras —, o juiz e conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Jayme de Oliveira levou ao órgão proposta semelhante.

Em sua opinião, a necessidade de reparação para as magistradas é grande e tanto a resolução do CNJ quanto a sua proposta ao CNMP buscam corrigir erros do passado.

“Tenho consciência de que pertenço à geração da reparação, do reequilíbrio institucional, que é melhor do que pertencer, consciente ou inconscientemente, à geração do desajuste”, afirma Jayme, que presidiu a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e coordenou a Escola Nacional de Magistratura e a área de estudos e propostas legislativas da Escola Paulista de Magistratura, além de ter sido fundador e presidente do Instituto Paulista de Magistrados.

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Jayme de Oliveira é graduado em Direito pela Faculdade Metropolitana Unidas, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e juiz de Direito desde 1991.

Leia a seguir a entrevista de Jayme de Oliveira à revista eletrônica Consultor Jurídico:

ConJur — Conselheiro, o TJ-SP discutiu recentemente um mandado de segurança que questionava a Resolução 525/2023. No CNMP, o senhor fez proposição semelhante. Como vê essa discussão?
Jayme de Oliveira — Bem, o mandado de segurança foi extinto por se reconhecer que o presidente do TJ-SP foi apenas executor das normas impostas na resolução. Eventual inconstitucionalidade da resolução deve ser questionada no STF. Esse é o entendimento pacificado.

ConJur — O CNMP terá norma semelhante?
Jayme de Oliveira — Isso dependerá do Plenário. Fizemos a proposta nos mesmos termos, com pequenas alterações, como por exemplo com previsão de que as listas tríplices encaminhadas aos tribunais devem observar a alternância. A proposta foi admitida e distribuída a um relator, que deve apresentar para breve o seu voto e levá-lo ao Plenário.

ConJur — Argumenta-se que em São Paulo as juízas aprovadas não foram prejudicadas na carreira e isso tiraria o fundamento da resolução. Como vê essa situação?
Jayme de Oliveira — Como regra geral, acredito que na maioria dos casos essa alegação seja verdadeira para São Paulo, mas a resolução não tem em mente apenas esse aspecto. O que se busca é recuperar um tempo perdido em que as mulheres eram simplesmente alijadas dos concursos pelo simples fato de serem mulheres. E isso ocorreu aqui em São Paulo. Ao contrário de outros estados da federação, em São Paulo houve muita resistência ao ingresso de mulheres e elas foram, durante muitos anos, reprovadas pelo fato de serem mulheres.

Ora, se mulheres são reprovadas pelo fato de serem mulheres, isso significa que homens ocuparam esses espaços, essas vagas, o que causou enorme prejuízo à estrutura e ao equilíbrio da carreira. Não fosse por isso, é bem provável que o TJ-SP tivesse o percentual mínimo desejado de 40% de mulheres, mas isso não foi possível por conta desses equívocos do passado, o que a resolução busca agora ajustar. Não é um encontro marcado com cada uma das mulheres prejudicadas, mas um encontro marcado com os direitos das mulheres, que, violados no passado, exigem ajustes no presente.

ConJur — Mas um dos argumentos é que essa regra seria inconstitucional…
Jayme de Oliveira — Esse é um argumento e sobre ele a autoridade para falar é o Supremo Tribunal Federal, mas parece-nos que os fundamentos expostos por ocasião da aprovação da resolução, as competências hoje reconhecidas ao CNJ e os princípios constitucionais que a amparam são bastantes sólidos para mantê-la hígida. O conselheiro relator, ilustre magistrado em São Paulo, doutor Richard Pae Kim, foi bastante técnico na construção de seu voto e encontrou um ponto de equilíbrio adequado ao circunscrever a promoção no campo do merecimento.

ConJur — Mas a regra desagradou muita gente?
Jayme de Oliveira — Natural e compreensível. Os homens, em especial os que estão próximos da promoção, como eu, tendem a sentir-se prejudicados. Mas o fato é que, passados tantos anos, a novel resolução está, em verdade, no caso de São Paulo, ajustando equívocos do passado de maneira que — e falando apenas por mim e sempre respeitando o pensamento contrário —, ainda que demorando um pouco mais para minha promoção, tenho consciência de que pertenço à geração da reparação, do reequilíbrio institucional, que é melhor do que pertencer, consciente ou inconscientemente, à geração do desajuste.

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