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Caso de Brumadinho levanta debate sobre legitimidade para execução de TAC

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30 de novembro de 2023, 17h44

Pessoas que alegam ser vítimas do desastre ambiental de Brumadinho (MG), ocorrido em 2019, estão se aproveitando de uma brecha na lei para buscar a reparação dos danos sofridos sem precisar passar pelo procedimento administrativo com a Vale, empresa responsável pela barragem rompida.

Divulgação/Corpo de Bombeiros MG
Rompimento de barragem em Brumadinho causou desastre ambiental em 2019

Elas têm ajuizado a execução de título extrajudicial que tem como base um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado pela mineradora com a Defensoria Pública de Minas Gerais para tratar das indenizações individuais relativas ao episódio.

O TAC estabelece parâmetros e critérios a serem observados para as indenizações extrajudiciais. A cláusula 15.7, que motivou as tentativas de execução, prevê pagamento de R$ 100 mil à vítima de dano à saúde mental/emocional e pensão, desde que haja incapacidade comprovada.

O cerne da questão é saber se essas pessoas têm legitimidade para executar individualmente o TAC.

O tema é disciplinado pela Lei 7.347/1985, que trata da ação civil pública. O artigo 5º lista quem são os legitimados a propor essa ação, que consiste em um processo coletivo. O parágrafo 6º os autoriza a tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta.

A mesma norma ainda diz que o TAC terá eficácia de título executivo extrajudicial. Não há nenhuma previsão sobre quem poderia fazer a execução do título, nem as condições em que isso seria cabível.

Até o momento, o único que resolveu a questão a favor das vítimas foi o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A corte registra acórdãos de câmaras cíveis autorizando a execução individual por entender que o TAC representa título extrajudicial com certeza e liquidez suficientes.

A Vale, por sua vez, tem recorrido ao STJ. A 3ª Turma tem um precedente recente em que concluiu que não caberia a execução individual pelas vítimas. Em sessão em 21 de novembro, a ministra Nancy Andrighi propôs mudar essa posição para validar as tentativas dessas vítimas.

Pode executar
Quando o TJ-RJ autoriza as execuções, o faz por considerar que o TAC versa sobre direitos individuais homogêneos, que não podem deixar de abranger todos os membros do grupo afetado. Logo, qualquer vítima, desde que assim comprove, por ser beneficiária direta da indenização.

Na 3ª Câmara Cível, voto da desembargadora Helda Lima Meireles explicou que o que define a inclusão de alguém no grupo beneficiário do TAC é ter sofrido a lesão. “Logo, não há óbice à execução mesmo que o apelante não tenha firmado referido TAC”, concluiu.

Já na 18ª Câmara Cível, o desembargador Claudio Dell’Orto aplicou ao caso o artigo 778 do Código de Processo Civil, que autoriza a execução forçada pelo credor a quem a lei confere o título executivo.

“A Defensoria Pública agiu como substituta processual dos legitimados, em defesa de toda a coletividade lesada, de sorte a legitimar todos os lesados na tragédia de Brumadinho a promoverem a execução individual”, explicou.

Nesse caso concreto, a autora tentou executar o TAC depois de ter seu pedido administrativo de indenização negado pela Vale. A empresa justifica essa negativa quando os requisitos para a condição de vítima do episódio de Brumadinho não são devidamente atendidos.

No STJ, o precedente que deu razão à Vale concluiu que o TAC só poderia ser executado se houvesse a comprovação do descumprimento de suas cláusulas, controle que só pode ser feito pela Defensoria Pública mineira.

Gustavo Lima/STJ
Ministra Nancy Andrighi propôs à 3ª Turma mudar posição sobre possibilidade de execução do TAC

À revista eletrônica Consultor Jurídico, a Vale informou que o TAC assinado levou a celebração de acordos com 7,8 mil pessoas afetadas pelo desastre ambiental, representando cerca de R$ 1,35 bilhão pagos em indenizações.

O termo foi criado para ser usado pela Defensoria Pública de Minas Gerais, mas houve a abertura para que pessoas patrocinadas por advogados particulares também se enquadrassem. A quem foi recusado, restou o caminho do Poder Judiciário.

Que TAC é esse?
O modelo do TAC é decorrente da experiência que a Defensoria Pública mineira obteve atuando com outro grande desastre ambiental causado por rompimento de barragem de mineradoras: o de Mariana (MG), que aconteceu em novembro de 2015.

O órgão já sabia que não adiantaria adotar um caráter revanchista contra os responsáveis. O modelo soft consistiu em um documento que quantificou previamente as possibilidades de reparação, mas sem força vinculante suficiente para motivar oposição ou judicialização.

O defensor público Antônio Lopes Carvalho Filho, que atuou desde o início no caso, avalia os resultados como extremamente positivos e afirma que, para algumas pessoas, especificidades tornaram necessário recorrer ao Poder Judiciário.

Em sua opinião, o TAC tem liquidez quanto aos valores indenizatórios e certeza quanto ao devedor e a obrigação abstrata de reparação. Mas não há certeza em relação há obrigação concreta de reparar, referente ao caso individual, nem aos credores, que não são especificados no documento.

“O termo de ajustamento é tratado como uma parametrização sobre as hipóteses indenizatórias. Mas para evitar conflito e evitar excluir pessoas, ele não explica, esmiúça, nem classifica quem são atingidos pela barragem”, explica.

Antônio Lopes Carvalho Filho diz que o TAC poderia ser usado como um reforço argumentativo na ação judicial. Seria necessário passar pelo processo de conhecimento ou, no mínimo, de liquidação, para demonstrar se o particular se enquadra nas hipóteses indenizatórias.

“Só buscar a hipótese indenizatória acho que é impossível. Em um processo de execução, ele não teria carga cognitiva para fazer verificação de quem é o credor”, afirmou.

Em sua opinião, o TAC atende massivamente o objetivo. Alguns pontos precisam de refinamento, o que pode ser feito inclusive a partir de decisões como a que será tomada pelo STJ. “Acredito que tenha sido o maior sistema de indenização da história do país, pela robustez que tem”, afirmou.

Leia a nota da Vale sobre o caso
O Termo de Compromisso (“TC”) foi firmado entre a Defensoria Pública de Minas Gerais (“DPMG”) e a VALE para tratar das indenizações individuais relativas ao rompimento da Barragem I da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, sendo, portanto, a Defensoria e a empresa as signatárias do compromisso firmado. O TC estabelece parâmetros e critérios a serem observados para as indenizações extrajudiciais. A VALE reitera seu compromisso de indenizar todas as pessoas que comprovadamente sofreram danos decorrentes do rompimento, como já vem fazendo desde então. Até o momento, no Programa Extrajudicial de Indenização, o qual aplica os parâmetros e critérios previstos no TC para os danos causados pelo rompimento, já foram celebrados acordos com 7,8 mil pessoas, representando cerca de R$ 1,35 bilhão em indenização. A VALE respeita o posicionamento noticiado pela mídia, e eventual decisão judicial, quando proferida, será objeto de análise oportuna e manifestação posterior nos autos.

REsp 2.059.781 (STJ)
REsp 2.100.105 (STJ)
REsp 2.080.812 (STJ)
Ap 0184719-80.2021.8.19.0001 (TJ-RJ)
Ap 0202777-34.2021.8.19.0001 (TJ-RJ)
Ap 0222615-60.2021.8.19.0001 (TJ-RJ)

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