Contratação direta não admite burocracia em excesso

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

24 de novembro de 2023, 8h00

Indene de dúvidas a respeitabilidade que deve ser deferida ao texto constitucional quanto à necessidade de licitação como regra no processo de contratação pública. Bem por isso, o inciso XXI do artigo 37 preceitua que “ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

Inquestionavelmente, o princípio da isonomia ignora favoritismos não condizentes com a máxima competitividade, os quais devem ser descartados dos vínculos mantidos com a Administração Pública, razão pela qual tal premissa é respeitada até mesmo na Administração Instrumental Indireta (empresas públicas e sociedades de economia mista), embora que na regência de outro regime legal (Lei nº 13.303/2016), que, todavia, não abduz a necessidade de assegurar a igualdade de condições entre os licitantes.

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Sem minudenciar as especificidades de contratação direta, certo é que a ela é conferido um ritmo procedimental mais célere que o usual processo licitatório, o que ocorre por razões axiomáticas, as quais priorizam a efetividade das escolhas deferidas pelo próprio legislador, sobretudo nas hipóteses de dispensa de licitação, em que se faz possível realizar a disputa.

Logo, atribuir à contratação direta os mesmos requisitos que são exigidos no processo licitatório é, para além de contraproducente, uma manifesta deslealdade ao desiderato normativo. Dito de outro modo, o processo de contratação direta não pode ser guiado por tendências burocráticas, que mais se destinam a justificar a negativa de preferência de quem inaugura o processo de contratação pública, funcionando como uma refratária e preventiva demonstração de futura imputabilidade que, hipoteticamente, possa ser atribuída àquele agente administrativo que não procedeu à combativa e competitiva licitação.

Tal porque a contratação direta não pode ser interpretada como uma confissão de culpa, mas sim como solução indispensável ao fiel cumprimento da melhor resolução administrativa, tudo em homenagem ao pragmatismo.

Tanto assim o é que o legislador previu um processo específico para contratação direta, cujas regras encontram-se estabelecidas no artigo 72, da Lei nº 14.133/2021. Não se trata, portanto, da ausência de qualquer regra construtiva de um processo, mas sim de um séquito procedimental mais simplificado, que vai ao encontro da utilidade da própria contratação direta.

Por assim ser, qualquer dificuldade que se imponha para além do arcabouço normativo previsto no art. 72 acima mencionado flerta com manifesta ilegalidade, meramente por ampliar – sem autorização do legislador ordinário – etapas não previstas em lei, incrementando, desavisadamente, o arquétipo burocrático do qual o agente administrativo deve, se permitido, desvencilhar-se.

Em abono aos argumentos aqui trazidos à consideração, uma exemplificação, merecedora das mais severas críticas, é traduzida na Instrução Normativa Seges/ME Nº 67, de 8 de julho de 2021, já atualizada em 29/03/2023, que “dispõe sobre a dispensa de licitação, na forma eletrônica, de que trata a Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, e institui o Sistema de Dispensa Eletrônica, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”.

Para além da manifesta criação de uma nova modalidade de licitação, vedada pelo § 2º do artigo 28 da Lei nº 14.133/2021, denominada, no cotidiano da Administração Pública Federal, como “preguinho” – epíteto que confessa a existência de uma nova modalidade de licitação —, a referida Instrução Normativa, no intuito de perfilhar por um caminho de isonomia entre os licitantes que se submetem a um processo de contratação direta, acaba por desvirtuá-lo, inclusive com desconfigurada violação a direitos fundamentais conferidos na própria Lei nº 14.1133/2021, como o direito a recurso, deteriorando, por imediata contraposição, o direito ao devido processo legal.

Mais contundentes desaprovações servem à aludida norma infralegal. Porém, para o quanto interessa a esse artigo, impõem-se reduzi-la a um alegórico protótipo do que não pode e nem deve ser tolerado quanto à contratação direta, é dizer, atribuir-lhe empecilhos burocraciais que se desviem de sua mais cristalina finalidade.

Se o legislador prevê um processo de contratação direta, em norma própria (artigo 72), inquestionavelmente nacional, nenhum ente federativo pode, salvo por expressa modificação legislativa (aprovada pelo Congresso Nacional), dilatar o rol de requisitos previstos neste dispositivo legal, mesmo que intuitivamente o propósito seja garantir maior isonomia e se eximir de possível processo de responsabilização.

A contratação direta indevida (artigo 73, da Lei nº 14.133/2021) ou mesmo a tipificação penal encontrada no artigo 337-E, do Código Penal Brasileiro (crime de contratação direta ilegal) não podem servir de motivação para infundir ao processo de contratação direta um comprometimento burocrático indesejado, perfilhando por caminho deselegantemente mais oneroso para a Administração Pública.

A expressiva ampliação quantitativa quanto aos valores de contratação direta previstos nos incisos I e II do artigo 75 da Lei nº 14.133/2021, quando comparados à Lei nº 8.666/1993, mais que comprova uma evidente necessidade da Administração Pública em ser providente quanto às suas próprias necessidades, contemplando, dentre outros, a eficiência que se espera de todo e qualquer atuar administrativo.

Proceder à simplificação da contratação pública não significa, sob nenhum viés, negar o permissivo legal. Definitivamente, a norma serve ao administrado e não aos caprichos insubmissos de gestores que não se sentem seguros ao exercício da função administrativa.  

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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