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STF tem maioria pela competência da Justiça Militar para julgar civil por crime militar

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13 de novembro de 2023, 13h43

A atribuição constitucional da competência penal da Justiça Militar da União não se limita aos integrantes das Forças Armadas, pois não é estabelecida em razão da pessoa que comete o delito, mas em razão do tema.

STM
Caso diz respeito a civil acusado de oferecer propina a membro das Forças Armadas

Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal formou maioria, na última sexta-feira (10/11), para reconhecer a competência da Justiça Militar da União no julgamento de um civil por crime militar em tempo de paz.

Ainda há divergência quanto à aplicação de regras do Código de Processo Penal ao caso. A sessão virtual que analisa o recurso em Habeas Corpus se encerrará na próxima segunda-feira (20/11).

Histórico
O réu foi acusado de corrupção ativa militar, delito previsto no Código Penal Militar. Segundo a denúncia, ele ofereceu propina a um agente das Forças Armadas.

O homem argumentou que a Justiça Militar não tem competência para julgar civis, mas o Supremo Tribunal Militar negou o pedido de HC.

Ao STF, o réu reiterou o pedido e ainda alegou irregularidades processuais, já que não teve o direito de apresentar defesa preliminar à denúncia.

Mérito
Os ministros Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso, André Mendonça, Kassio Nunes Marques, Luiz Fux e Alexandre de Moraes validaram a competência da Justiça Militar para julgar o caso.

A questão ainda será analisada pelo STF na ADPF 289, pendente de julgamento. Mas Toffoli ressaltou que a jurisprudência da Corte “endossa a competência da Justiça Castrense na espécie”.

Segundo o magistrado, a conduta atribuída ao réu “tem o potencial de afetar bens e interesses das Forças Armadas”, em função da “suposta ofensa às instituições militares e a suas finalidades”. A oferta de propina pode causar prejuízo à atividade funcional, à credibilidade e à moralidade da administração militar, bem como ao bom andamento dos seus trabalhos.

Além disso, o delito em questão se enquadra na definição do CPM de crimes contra as instituições militares praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil. Nenhum desses agentes desempenha atividades tipicamente militares.

Já Barroso explicou que a competência da Justiça Militar para julgar civis ocorre apenas “nos casos em que a ofensa recaia sobre bens jurídicos vinculados à função militar, como a defesa da pátria e a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem”. No caso concreto, o crime de corrupção ativa militar “viola a probidade e a ordem administrativa militar”.

O ministro lembrou que, desde a promulgação da Lei nº 13.774/2018, a competência para processar e julgar civis na Justiça Militar da União é exercida de forma exclusiva e monocrática pelo juiz federal da Justiça Militar (que é civil).

Ele ainda ressaltou que a Justiça Militar brasileira não faz parte do Executivo ou das Forças Armadas, mas integra o Judiciário.

Por fim, Alexandre indicou que o CPM “não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas”. Assim, como já “pacificamente decidido” pelo STF, a Justiça Militar não julga crimes de militares, mas sim crimes militares.

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Ditadura militar, Exército, totalitarismo
Justiça Militar da União atualmente também julga civis que cometem crimes militares

Questão processual
A oportunidade de apresentação de defesa preliminar, solicitada pelo réu, é regulada por dispositivos do CPP. Toffoli, Mendonça e Fux votaram por aplicar tais regras ao processo penal militar e anular o recebimento da denúncia.

Eles também propuseram que esse entendimento seja aplicado, a partir da publicação da ata de julgamento, somente às ações penais militares cuja instrução ainda não tenha acabado.

Toffoli destacou que o Supremo “tem assentado a prevalência das normas contidas no CPP” em processos criminais militares. Segundo ele, a resposta à acusação é benéfica à defesa e deve ser aplicada na Justiça Militar “como corolário da máxima efetividade das garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa e do devido processo legal”.

Barroso e Kassio também votaram por abrir a oportunidade de apresentação de resposta à acusação, mas sugeriram a aplicação dessa orientação apenas às ações penais cuja instrução ainda não tenha começado (já que “não se trata de ato a ser praticado no fim da instrução, mas no início”). Eles ressaltaram que os acusados devem pedir de forma expressa a concessão dessa oportunidade e demonstrar qual seria o prejuízo em caso de eventual negativa.

Barroso lembrou que o próprio CPP prevê a aplicação de algumas de suas regras a todos os procedimentos penais, mesmo que previstos em legislação especial e não regulados pelo Código. A jurisprudência do STF também valida a aplicação das demais regras do CPP “quando essenciais à efetividade da defesa”.

Por fim, Alexandre votou contra a transposição dos dispositivos do CPP às ações militares, “diante da autonomia e da especialidade do Direito Processual Penal Militar”. Para ele, mesmo que as regras possam ser mais benéficas, “não devem simplesmente substituir a sistemática prevista no Código de Processo Penal Militar, que estabelece procedimento diverso”.

Conforme o voto do ministro, “não haverá declaração de nulidade quando não demonstrado o efetivo prejuízo causado à parte”. No caso concreto, ele não viu indicação de prejuízo ocorrido.

Voto vencido
O relator do caso, Luiz Edson Fachin, votou por declarar a incompetência da Justiça Militar para julgar o civil em tempo de paz. Ele foi acompanhado por Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e os já aposentados Ricardo Lewandowski e Rosa Weber.

Segundo Fachin, a composição do STM demonstra que a Justiça Militar tem o objetivo de propiciar o julgamento por pares, “a revelar a total excepcionalidade de submissão de civis a essa ambiência jurisdicional”.

A Corte Militar exige notável saber jurídico somente dos ministros civis. E os requisitos dirigidos aos ministros militares estão ligados a aspectos associados à própria relação funcional — que, em tese, poderiam “traduzir experiência profissional e espelhar relação hierárquica e disciplinar própria da estrutura militar”.

“Embora esse formato não esteja em questionamento, até mesmo por decorrer de opção do constituinte originário, essa estrutura, a meu ver, parece indicar que, de fato, o julgamento de condutas que, em tese, afetem bens jurídicos tipicamente militares, desencadeia-se segundo contornos hierárquicos que se aproximam da exteriorização de uma espécie de poder disciplinar”, avaliou o relator.

Para o magistrado, tais características demonstram que a Justiça Militar da União é inadequada para o processamento e julgamento de civis.. Assim, opinou, tal ramo do Judiciário só deve julgar civis em casos absolutamente excepcionais. Por exemplo, se o réu fosse militar à época dos fatos, mas tivesse deixado a carreira. Ou em caso de concurso de agentes, por eventual participação em crime militar próprio.

Fachin ressaltou que o artigo 79 do Código de Processo Civil estabelece que, na prática de crimes comuns e militares, não haverá julgamento conjunto. Por isso, votou pela remessa da ação penal à Justiça Federal.

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RHC 142.608

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