Reflexões Trabalhistas

Contribuição assistencial: o acórdão do STF e os embargos do MPT

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10 de novembro de 2023, 8h00

Os sindicatos de trabalhadores, historicamente, no mundo inteiro, desempenharam papel relevante na construção dos direitos trabalhistas. Entre nós não foi diferente. Todavia, na atualidade, os sindicatos passam por um processo de transformação em que o modelo de unicidade sindical serviu para fortalecer economicamente os sindicatos, mas, de outro lado, enfraqueceu a representatividade das organizações.

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A publicação do acórdão dos embargos declaratórios no Recurso Extraordinário 1.018.459, da lavra do ministro Gilmar Mendes, que tratou de rever decisão anterior sobre os descontos de contribuição assistencial prevista em norma coletiva — entendendo, agora, como constitucional a imposição a todos os empregados representados pelo sindicato, filiados ou não, desde que seja assegurado o direito de oposição dos trabalhadores não associados —, ficou longe de atender a prestação jurisdicional esperada e trouxe inconsistências em seus fundamentos.

A tese fixada (Tema 935) ficou redigida assim: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”.

O fundamento legal da possibilidade de impor contribuições assistenciais está no artigo 513 da CLT, ao tratar das prerrogativas dos sindicatos, mencionada na alínea “e”, autorizando a entidade a “impor contribuições a todos aqueles que participam das categorias econômicas ou profissionais ou das profissões liberais representadas”.

A fim de garantir a legitimidade da cobrança, os trabalhadores definem o valor da contribuição assistencial no momento das assembleias de associados, designadas pelo sindicato para definir a pauta de reivindicações, que será objeto das negociações coletivas. Em palavras outras, a contribuição não é objeto da negociação e nem depende de concordância do sindicato patronal ou empresa quando se tratar de acordo coletivo. Ela, a contribuição, recebe a aprovação dos descontos em assembleia e não poderá ser contestada.

Vale lembrar que os sindicatos, de acordo com o disposto pelo artigo 612 da CLT,  somente poderão celebrar Convenções ou Acordos Coletivos de Trabalho, por deliberação de Assembleia Geral especialmente convocada para esse fim, consoante o disposto nos respectivos Estatutos, dependendo a validade da mesma do comparecimento e votação, em primeira convocação, de 2/3 (dois terços) dos associados da entidade, se se tratar de Convenção, e dos interessados, no caso de Acordo, e, em segunda, de 1/3 (um terço) dos mesmos”. (gn)

Portanto, a decisão pela contribuição assistencial é tomada pelos associados do sindicato, devidamente convocados para deliberação, e o fato de pertencerem à “categoria” não significa dizer associado e, portanto, não poderiam comparecer à assembleia para manifestar seus interesses ou oposição. Neste sentido, o voto do ministro Roberto Barroso traz inconsistência absoluta ao afirmar que

“Convoca-se a assembleia com garantia ampla de informação a respeito da cobrança e, na ocasião, permite-se que o trabalhador se oponha àquele pagamento. Ele continuará se beneficiando do resultado da negociação, mas, nesse caso, a lógica é invertida: em regra admite-se a cobrança e, caso o trabalhador se oponha, ela deixa de ser cobrado”.

O sindicato não tem poderes para convocar assembleia para não associados!

Melhor seria manter a lógica do artigo 545, da CLT, pelo qual a obrigação de desconto em folha de pagamento está condicionada à autorização dos empregados (Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados”).

De outro lado, ao afirmar que, de acordo com o disposto pelo artigo 8º, III, da CF, o sindicato tem a representação de toda a categoria profissional, não significa poderes absolutos para determinar que não associados estejam obrigados ao pagamento da contribuição, ainda que beneficiários do modelo corporativo de organização sindical. A figura do “carona”, referida pelo ministro, na verdade, está nesta condição em razão do sistema e está privado da liberdade sindical de escolher o transporte.

De fato, o STF fez um remendo para tentar socorrer o histórico baixo índice de sindicalização, mais evidenciado pela Lei nº 13.467/2017, ao dar à contribuição sindical caráter facultativo. Afirma o ministro Roberto Barroso que

“Caso mantido o entendimento de que a contribuição assistencial também não pode ser cobrada dos trabalhadores não filiados, o financiamento da atividade sindical será prejudicado de maneira severa. Há, portanto, um risco significativo de enfraquecimento do sistema sindical“. (gn)

Com todo respeito, o sindicalismo não será mais forte com modelos de custeio forçados, mas pela adesão de trabalhadores que, efetivamente, deem ao sindicato legitimidade na representação.

Dito isso, a convenção ou o acordo coletivo são instrumentos normativos que estipulam condições de trabalho no âmbito das respectivas representações às relações individuais de trabalho, conforme dispõe o artigo 611, da CLT.

Claro está que as normas que fixam deveres e obrigações dos trabalhadores, vis à vis a entidade sindical, têm caráter regulamentar e de cunho associativo, basicamente, e não devem merecer interferência patronal sob pena de prática de ato antisindical.

O Ministério Público do Trabalho, oportunamente, opôs embargos declaratórios para que sejam esclarecidas omissões na “perspectiva da fixação da tese e modulação de efeitos” a fim de evitar conflitos trabalhistas que, aliás, já se mostram em grande número perante o Judiciário Trabalhista.

Pretende o MPT que o STF observe em sua decisão três aspectos: (1) module os efeitos da exigência a partir da decisão do STF com o objetivo de cumprir mandamento constitucional da segurança jurídica, evitando cobranças retroativas; (2) que seja observado um valor razoável da contribuição assistencial; (3) que se manifeste quanto a eventuais atos antissindicais.

Parece que o MPT tenha perdido a oportunidade, ainda, em defesa do exercício da liberdade sindical e da proteção de dados de acordo com a LGPD, de apontar que a decisão do STF não protege a condição cidadão enquanto associado ou não ao sindicato.

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