Opinião

Problemas do texto da reforma tributária aprovado

Autor

  • Ives Gandra da Silva Martins

    é professor emérito das universidades Mackenzie Unip Unifieo UniFMU do Ciee/O Estado de S. Paulo das Escolas de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) Superior de Guerra (ESG) e da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor honorário das Universidades Austral (Argentina) San Martin de Porres (Peru) e Vasili Goldis (Romênia) doutor honoris causa das Universidades de Craiova (Romênia) e das PUCs PR e RS catedrático da Universidade do Minho (Portugal) presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP ex-presidente da Academia Paulista de Letras (APL) e do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp).

10 de novembro de 2023, 19h24

Uma mudança tão ampla do atual sistema tributário deveria ter sido estudada como fez a Comissão do Instituto Brasileiro de Direito Financeiro na década de 1950 e parte da de 1960 para plasmar a Emenda nº 18/ 65 e o Código Tributário Nacional.

O anteprojeto de Rubens Gomes de Souza estudado anos a fio pelos melhores tributaristas da história do Brasil, como Gilberto de Ulhôa Canto, Tito Rezende, Aliomar Baleeiro, Amílcar de Araújo Falcão, Carlos da Rocha Guimarães e outros, resiste, na sua espinha dorsal, até hoje, apesar da intensa “contribuição de pioria” que políticos e regulamenteiros no curso destes 60 anos têm trazido ao sistema.

A desfigurada PEC 45 apresentada por Arthur Lira e aprovada em poucos dias na Câmara e, agora, pelo Senado, traz como elementos estruturantes do novo sistema:

1- Uma desfiguração do sistema federativo ao retirar a competência plena dos estados sobre ICMS (90% em média de sua arrecadação) e dos municípios sobre o ISS (principal tributo dos médios e grandes Municípios), transferindo toda a competência impositiva para a União, que legislará sobre CBS e IBS.  Além disso, um Comitê Gestor terá capacidade de arrecadação e distribuição do IBS para 5.565 Municípios, 26 estados e Distrito Federal. Tal Comitê será composto de 54 delegados, 27 dos estados e DF e 27 dos 5.569 municípios.

2 – Muda o regime misto de origem e destino, exclusivamente para destino sem nenhuma projeção quantitativa de como impactará a receita de todas as entidades federativas.

3 – Mantém a convivência do atual sistema com a CBS da União desde 2026 e o IBS desde 2029 até 2033, o que vale para “simplificar” complicará o sistema até 2033 se não houver prorrogações.

4 – Impactará o setor de serviços, hoje com um ISS de até 5% e um PIS/Cofins cumulativo de 3,65 para os setores não excepcionados para uma alíquota que será de no mínimo 27%, mas provavelmente superior a 30%, se considerarmos o cálculo da incidência de ICMS, PIS, Cofins e ISS em relação ao PIB dos últimos anos em torno de 11,8%. Quanto maiores forem as exceções, maior a alíquota.

5 – A indústria sujeita a IPI, ICMS, PIS, Cofins deverá ter um alívio de tributação, levando em consideração todas as deduções que poderá fazer, não se sabendo ainda como funcionará o denominado imposto seletivo, cuja abrangência se desconhece.

6 – Os bancos, por serem trocadores de dinheiro, serão pouco atingidos.

7 – O setor de serviço sujeito a ISS e PIS/Cofins cumulativo, com pouquíssimas deduções, deverá, nas alíquotas não excepcionadas, pagar mais do que a indústria, que poderá deduzir o tributo anterior em valores muito maiores.

8 – O comércio sujeito ao ICMS e PIS/Cofins terá também um aumento considerável, pois não paga o IPI que a indústria paga hoje, mas pagará na não exceção o mesmo que a indústria paga de PIS/Cofins ICMS e IPI.

9 – A agropecuária, mesmo com a redução de 60%, pagará mais do que está pagando hoje, ou seja, em torno de 4,5%, razão pela qual é o setor da economia que tem salvo o país do descompasso, gerando superávits na balança comercial. De cada cinco pratos que se come no mundo, um é fornecido pelo Brasil.

10 – Por fim, para não alongar em demasia, quando os números e as alíquota forem apresentadas na legislação infraconstitucional a ser produzida, todos os setores duramente impactados farão seus “lobbies” no Congresso, prevendo-se mais exceções.
Como estados, municípios e União não têm certeza de como seus vencimentos se comportarão, o próprio Fundo que, na plenitude da vigência do sistema deverá destinar R$ 60 bilhões tirados do orçamento da União, prevê-se que ou os contribuintes pagarão a conta ou o endividamento crescerá, pois quem ganhar de entidades federativas ficará satisfeito, quem perder terá que ser compensado, o que vale dizer, para simplificar o sistema criamos três vezes mais dispositivos constitucionais que o do atual sistema, que certamente exigirão a interpretação provocada por entidades públicas prejudicadas por tais disposições por parte da Suprema Corte.

Creio que contadores e advogados tributaristas não se queixarão do trabalho que terão por dezenas de anos, pois só a definição pela Suprema Corte do que seria “operação”, “circulação” e “mercadoria” do ICM levou aproximadamente 30 anos.

Autores

  • é advogado, professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP e fundador e presidente honorário do Centro de Extensão Universitária do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS).

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