Opinião

Semiaberto domiciliar: uma alternativa a um sistema sobrecarregado

Autores

  • José Carlos Abissamra Filho

    é advogado criminal doutor e mestre pela PUC-SP ex-diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e autor de Política Pública Criminal - Um Modelo de Aferição da Idoneidade da Incidência Penal e dos Institutos Jurídicos Criminais (Juruá Editora).

  • Tânia Ribeiro da Silva

    é advogada criminal pós-graduada em Ciências Criminais pela USP e especialista em Direito Penal Econômico pelo IBCCrim e Universidade de Coimbra.

7 de novembro de 2023, 16h21

Quando o semiaberto — que preferimos chamar de semifechado — vem subsequentemente ao regime fechado, ou seja, em situação de progressão de regime, é um alívio enorme, afinal, há perspectiva de os rigores penais diminuírem.

​Já quando o semiaberto (ou semifechado) vem em decorrência de condenação transitada em julgado, a situação é terrível, pois alguém que estava em liberdade, que respondeu ao processo em liberdade por anos, terá que se dirigir a uma unidade prisional para dar início ao cumprimento de uma pena que, àquela altura do campeonato, terá um único efeito: o de desestabilizar relações já estabilizadas — é por isso que, via de regra, não vemos sentido em situações como essa, no que diz respeito ao senso comum ou no sentido político-criminal.

Não são raros os casos que chegam ao nosso escritório, de pessoas idosas, mulheres (com filhos pequenos ou adolescentes), que se veem diante dessa dura realidade: terem que se apresentar em uma unidade de semiaberto após um longo e desgastante processo criminal, que, frequentemente, constitui, por si só, em uma pena.

A pergunta que sempre se segue à explicação do que é efetivamente um cumprimento de pena em unidade de semiaberto é se não será possível trabalhar ou cuidar dos filhos e dos familiares durante o dia? E a resposta é: “Não, o semiaberto é, na verdade, um semifechado, o nome deveria ser diferente”. Ao que o desespero toma conta.

O presente artigo tem por escopo trazer luz ao tema, defendendo que o Poder Judiciário amplie orientação que já está em vigor, mas que vem sendo aplicada de forma muito tímida: que se aplique mais frequentemente o semiaberto diferenciado, ou harmonizado, ou o semiaberto domiciliar, permitindo que, em situações como as descritas de forma exemplificativa, seja fixado, mesmo após o trânsito em julgado da condenação, o semiaberto em prisão domiciliar, com ou sem tornozeleira eletrônica — o que não demanda nenhuma grande mudança no sistema, mas somente o alargamento de algo que já vem sendo implementado.

Por exemplo, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou, em 2022, a Resolução 474, prevendo que, nos casos envolvendo condenados às penas de prisão em regimes aberto e semiaberto, haverá a necessidade de expedição de mandado de intimação previamente à expedição de mandado de prisão, “sem prejuízo da realização de audiência admonitória e da observância da Súmula Vinculante nº 56” [1].

Referida alteração na resolução possui estrita ligação com outras medidas de política criminal adotadas nos últimos anos, as quais buscam minorar o superencarceramento e a superlotação carcerária — dois grandes problemas da realidade prisional brasileira — caracterizados pela ausência de vagas no sistema prisional e pelo agravamento da situação de violação de direitos humanos fundamentais nas unidades prisionais.

A edição da Súmula Vinculante nº 56 deu-se com o julgamento do RE nº 641.320/RS pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 2016, quando a Suprema Corte entendeu que a falta de estabelecimento penitenciário adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. Nesse julgamento, fixou-se o entendimento de que “havendo déficit de vagas, deverão ser determinadas as seguintes medidas: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas” [2]. Ressaltando, ainda, que “até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado”.

Nota-se, portanto, que a aplicação da prisão domiciliar, com ou sem monitoramento eletrônico, não se restringe às hipóteses previstas no artigo 117 da Lei de Execução Penal, a qual, por sua vez, não se confunde com a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar prevista no artigo 317 e seguintes do Código de Processo Penal. Sendo plenamente possível e factível a sua aplicação aos condenados em regime semiaberto e fechado quando verificada a peculiaridade do caso concreto, conforme já tem decidido os tribunais nacionais,

Em 2016, o ministro Rogério Schietti Cruz trouxe nos autos do Habeas Corpus nº 366.517/DF que “A melhor exegese, portanto, do artigo 117 da Lei nº 7.210/1984, extraída dos recentes precedentes da Suprema Corte, é na direção da possibilidade da prisão domiciliar em qualquer momento do cumprimento da pena, ainda que em regime fechado, desde que a realidade concreta assim o imponha” [3]. Isso porque, de acordo com o julgado, a LEP deve ser interpretada “visando a sua harmonização com um dos fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, I, da CF), de modo a assegurar acesso dos presos às necessidades básicas de vida, não suprimidas pela sanção criminal[4].

Apesar dos anos, não houve melhora no cenário nacional. Agora, em outubro de 2023, o Supremo também julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347 reconhecendo a existência do estado de coisas inconstitucional no sistema penitenciário brasileiro decorrente do déficit de atuação do poder público, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Adotou-se, assim, como política pública criminal a necessidade da criação de planos estaduais e distrital para a superação desse problema.

Nessa toada, a concessão da prisão domiciliar aos condenados em regime semiaberto pode ser uma solução impactante, no entanto, simples, rápida e fácil, sem que nenhuma grande mudança no sistema seja necessária. Trata-se de medida de curto prazo, efetiva para a concretização do caráter retributivo e preventivo da pena fixada ao condenado, ao mesmo tempo em que se mostra em sintonia com a política criminal nacional mais moderna, menos truculenta e mais eficaz, em sintonia com os tratados internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário e sustentada pelo Supremo Tribunal Federal.


[1] CNJ. Resolução Nº 474 de 09/09/2022. 2022. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/4732. Acesso em: 13 out. 2022.

[2] STF, RE 641.320, rel. min. Gilmar Mendes, j; 11/05/2016.

[3] STJ, HC 366.517/DF, rel. min. Rogério Schietti Cruz, 6ª Turma, j. 11/10/2016.

[4] Idem.

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