Tribunal do Júri

Os debates em plenário por meio do método analítico de Wigmore

Autores

  • Denis Sampaio

    é defensor público titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal) mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • Rodrigo Faucz Pereira e Silva

    é advogado criminalista habilitado no Tribunal Penal Internacional (em Haia) pós-doutor em Direito (UFPR) doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG) mestre em Direito (UniBrasil) e coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

  • Gina Ribeiro Gonçalves Muniz

    é defensora pública do estado de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.

  • Daniel Ribeiro Surdi de Avelar

    é juiz de Direito mestre e doutorando em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil) professor de Processo Penal (UTP EJUD-PR e Emap) e professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI.

27 de maio de 2023, 8h00

No último artigo da coluna, abordamos o modelo (teórico) argumentativo da prova penal na dinâmica dos debates no plenário do júri. Nossa proposta seguiu na individualização dos elementos de provas pela argumentação das partes, em especial à defesa, para além do modelo narrativista (storytelling) muito utilizado no Tribunal do Júri.

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Claro que, no momento dos debates (artigo 476, CPP), a argumentação probatória deve fazer parte integrante dessa dialética, principalmente porque a oralidade e imediatividade se fazem mais consistentes em decorrência da originalidade cognitiva dos jurados. Mas até que ponto essa estrutura reluz a argumentação como ato processual de análise individual sobre todos os elementos de prova?

Indiscutivelmente, essa indagação segue na proximidade do modelo argumentativo com a concepção persuasiva da prova. Por isso, a importância desse modelo cria um elo indissociável com o Tribunal do Júri e o critério de formação da decisão pelo Conselho de Sentença.

Como apontamos semana passada, a referência aos modelos de prova segue como característica eminentemente teórica, até porque implica na formação de um esboço hipotético relativamente a uma determinada esquematização [1], mas traz como condicionante a necessidade de implementação prática. Existem, nesta linha, algumas propostas para a visibilidade dos diversos modelos teóricos de prova. Seguimos, como referência, pelo método analítico de Wigmore por sua inovação e proximidade ao modelo argumentativo da prova [2].

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John Henry Wigmore foi professor da Faculdade de Direito da Northwestern University, reitor da mesma Universidade (1901 a 1929) e um grande expoente da Evidence Scholarship dos EUA. Wigmore escreveu um dos mais importantes, debatidos e criticados tratados sobre a prova penal, intitulado "A treatise on the system of evidence in trials at common law including the statutes and judicial decision of all jurisdictions of the United States" (Boston: Little, Brown, 1904 [3]). Um dos pontos de destaque nos estudos do referido jurista é justamente a tentativa de estabelecer uma aproximação interdisciplinar sobre a teoria geral da prova, em especial, na publicação da clássica obra "The Principies of Judicial Proof As Given by Logic, Psychology, and General Experience and Illustrated in Judicial Triais", publicada em 1913. Porém, é no capítulo XXXI do "The Science of Judicial Proof" que Wigmore desenvolve o "the chart method", sobre o qual nos debruçaremos nesse rápido ensaio.

É possível afirmar que o método analítico de Wigmore (chart method) [4] é o precursor da formulação de inferência tópica que apresenta uma alternativa ao modelo narrativo. Com uma lista exaustiva de proposições (key list) para a aferição de cada um dos fatos principais, pretende estabelecer a relevância e a confirmação ou negação dos elementos de prova, através da sequência de passos inferenciais simbolizados, caracterizados pela relação entre todas as proposições em um diagrama gráfico (diagrama de Wigmore).

Essa discussão teve por gênese as ilações de Wigmore no sentido de que, na análise probatória, se torna necessária a exigência de um método prático para a individualização dos dados como objetivo de formação da convicção de qualquer pessoa, na medida em que seria possível coordenar racionalmente o efeito líquido de cada determinado elemento de prova, ajustando ideias de forma detalhada (individualizada), com o propósito de alcançar racionalmente uma conclusão final [5].

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O gráfico de Wigmore possui uma função prática de visualização dos elementos de prova e dos argumentos necessários à formação da convicção do julgador, não dispondo de concretude necessária para alcançar a demonstração fática na sua realidade, o que leva ao endereçamento condizente com a concepção persuasiva da prova penal, adequando ao enfrentamento no Tribunal do Júri.

Para o método de Wigmore algumas condições se mostram necessárias:

1ª) devem ser empregados meios de prova adequados para representar todos os casos apresentados; 2ª) os meios de prova devem ser capazes de incluir todos os elementos de prova apresentáveis em um determinado caso; 3ª) os meios de prova devem ser capazes de mostrar a relação probatória para cada fato a ser provado e as relação com os demais; 4ª) os meios de prova devem ser capazes de indicar a distinção entre um fato como alegado pela parte e o fato que formou o convencimento ou não do Conselho de Sentença; 5ª) os meios de prova devem ser capazes de representar todos os dados como potencialmente presentes no tempo para a formação da convicção; 6ª) as proposições devem ser concisas e não muito complicada em variedades de símbolos.

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Ainda, como condição negativa, o esquema "não precisa nos mostrar o que nossa convicção (crença) deveria ser. Pretende mostrar somente o que nossa convicção realmente é, e como podemos alcançá-la" [6].

Antes de adentrarmos aos níveis do método de esquema wigmoriano (que enfrentaremos em outra oportunidade), insta apontar que a análise (atomística) dos elementos de prova formam o conteúdo principal do labor, especialmente, defensivo.

Por outro lado, o nível macroscópico estabelece a estrutura do esquema. A partir de uma teoria provisória do caso, as partes devem coligar o que será provado com a estrutura jurídica. Neste ponto, identificam-se quais são as proposições principais e quais os elementos de prova devem respaldar a proposição e os elementos probatórios subordinados, bem como os possíveis níveis de refutação (hipótese e elementos de prova acusatório e defensivo).

Exemplificando em uma imputação de homicídio, três principais perguntas devem ser realizadas:

1º) Foi o acusado quem cometeu o fato?

2º) Há provas de que o acusado tenha praticado o fato?

3º) A conduta é ilícita e culpável?

Neste ponto, o trabalho da acusação é identificar quais elementos de prova respaldam a inferência de que o acusado praticou um fato classificado como injusto penal. Por outro lado, a defesa deve analisar sua teoria do caso para aferir se há provas necessárias para a confirmação da imputação e sua caracterização como injusto penal, ou se há elementos alternativos que afastem essa verificação (momento de testabilidade defensiva) [7].

Fato é que, não obstante a origem do método argumentativo ser reconhecido a partir das ideias de Wigmore, o seu esquema de valoração da prova (gráfico de Wigmore), não resultou em aplicabilidade prática em decorrência da sua dificuldade [8].

Porém, é possível extrair do método de Wigmore três vantagens essenciais que influenciam o modelo argumentativo sobre o percurso de inferência probatória, em especial, no Tribunal do Júri.

Primeiro, é plausível articular precisamente cada proposição para ser considerado um passo necessário para os argumentos do caso concreto. Ou seja, o valor que se pretende alcançar é a precisão.

Segundo, o método impõe a especificação com precisão de cada passo em congruência com o argumento exposto. Deriva, neste ponto, a possibilidade de expor nos debates rigorosamente cada argumento probatório.

Terceiro, resulta em um método para organizar todos os elementos de prova relevantes ou potencialmente relevantes sobre um caso complexo, em uma única estrutura coerente e clara, em forma de argumento [9].

A partir desse contexto, convém também apontar que o modelo argumentativo de formação da prova é estruturado através de um processo dialético [10], em que não há apenas argumentos para a prova de um fato particular, mas a consideração de argumentos contra o fato (contra-argumentos), objetivando, por meio do ato de debates em plenário, cada dado probatório para o encontro de uma conclusão (acusatória ou defensiva) [11].

Com influência ao método de Wigmore, é plausível afirmar que o enfoque baseado em argumentos — no momento dos debates —, as considerações probatórias são construídas através da realização de passos consecutivos de raciocínio para alcançar a conclusão [12], sempre se valendo do confronto dos valores inferidos pelos elementos de prova individualmente – aqui o leitor pode reviver a proposta atomística de exposição e valoração da prova e os argumentos expostos (das partes) e, consequentemente, convencer o Conselho de Sentença.

Na realidade, deve-se refletir que o ato de provar conterá sempre um componente argumentativo intrínseco, que renderá homogeneidade ao ato de julgar [13]. Na proposta de adequação prática ao modelo teórico da prova penal, esse momento processual (debates) se destaca pela possibilidade das partes conseguirem aprimorar a forma de exposição de todos os elementos, justamente pelo tempo regulamentado por lei e pela originalidade cognitiva dos jurados [14].

 


[1] PEREIRA, Rui Soares. Modelos de Prova. In Prova Penal Teórica e Prática. Coord. Paulo de Sousa Mendes e Rui Soares Pereira. Coimbra: Almedina, 2019, p. 49.

[2] Vide o capítulo III da obra: "SAMPAIO, Denis. A Valoração da Prova Penal. O problema do livre convencimento e a necessidade de fixação do método de constatação probatório como viável controle decisório. 1ª ed. Florianópolis: Emais, 2022".

[3] TWINING, Willian. Theories of Evidence: Bentham and Wigmore. London: Weidenfeld & Nicolson. 1985, p. 112.

[4] Reconhecido por Wigmore como único método probatório completo e científico. Cf. WIGMORE, John Henry. The Science of Judicial Proof. 3ª ed. Boston: Little, Brown and Company, 1937, p. 858.

[5] Idem, p. 858/859.

[6] Ibidem, p. 859/860. Sobre a análise pormenorizada das condições, dos símbolos e do resultado do gráfico de Wigmore, ver ANDERSON, Terence, SCHUM, David e TWINING, Willian. Analysis of Evidence. 2ª ed. London: Cambridge University Press, 2005, p. 122s, cap. 5.

[7] O complexo tema do ônus e direto probatório não é objeto do presente artigo.

[8] MENDES. A incerteza factual e a prova no processo penal, p.1063. O próprio Wigmore afirmara que o seu método não seria fácil para muitas pessoas, até mesmo depois de muito exercício sobre ele. WIGMORE. The Science of Judicial, p. 858.

[9] ANDERSON, SCHUM e TWINING, Willian. Analysis of Evidence, p. 141/142.

[10] O que indica a observância de que o termo "argumento" pode ser caracterizado como o encadeamento de raciocínio através de interações humanas (debates, diálogos). Cf. ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito. Teoria da Argumentação Jurídica. 2ª. ed. trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014, p.102/103.

[11] VERHEIJ, Bart. Dialectical argumentation with argumentation schemes: An approach to legal logic. In Artificial Intelligence and Law, n. 11, 2003, p. 170.

[12] BEX, Floris J. Arguments, Stories and Criminal Evidence. A Formal Hybrid Theory. Dundee: Springer, 2010, p. 33.

[13] ORLANDI, Renzo. L'attività argomentativa delle parti nel dibattimento penale. In Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale. Milano: Dott. A. Giuffrè. Anno XLI, fasc. 2, Aprile-giugno, 1998, p. 452.

[14] Tema que poderia ser aplicado e discutido em um juízo monocrático caso não houvesse o contato direto entre o(a) julgador(a) e a investigação preliminar.

Autores

  • é defensor público, titular do 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, doutor em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Lisboa (Portugal), mestre em Ciências Criminais pela Ucam-RJ, investigador do Centro de Investigação em Direito Penal e Ciências Criminais da Faculdade de Lisboa, membro consultor da Comissão de Investigação Defensiva da OAB-RJ, membro honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros e professor de Processo Penal e autor de livros e artigos.

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito (UFPR), doutor pelo Programa Interdisciplinar em Neurociências (UFMG), mestre em Direito (UniBrasil), coordenador da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI, professor de Processo Penal da FAE e do programa de Mestrado em Psicologia Forense da UTP.

  • é defensora pública do Estado de Pernambuco e mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra.

  • é juiz de Direito, presidente do 2º Tribunal do Júri de Curitiba desde 2008, mestre em Direitos Fundamentais e Democracia (UniBrasil), professor de Processo Penal (FAE Centro Universitário, UTP e Emap), professor da pós-graduação em Tribunal do Júri do Curso CEI e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Tribunal do Júri (Nupejuri).

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