Vai e vem

Relator no STJ propõe afastar nulidades em condenações no 'caso Boate Kiss'

Autor

13 de junho de 2023, 18h51

O ministro Rogerio Schietti, do Superior Tribunal de Justiça, propôs nesta terça-feira (13/6) afastar as nulidades que levaram à anulação da condenação de quatro pessoas pelas mortes decorrentes do incêndio da Boate Kiss, ocorrido em Santa Maria (RS), em 2013.

O caso começou a ser julgado pela 6ª Turma do STJ em recurso especial manejado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul. A análise foi interrompida por pedidos de vista formulados pelos ministros Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Júnior.

Reprodução
Tragédia na Boate Kiss deixou 242 mortos em 2013, na cidade de Santa Maria (RS)

O recurso ataca o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, em agosto de 2022, anulou a condenação de Elissandro Spohr, Mauro Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão pelas 242 mortes e pelos mais de 600 feridos na tragédia.

Na ocasião, o TJ-RS identificou quatro causas de nulidade suficientes para macular a sentença condenatória. Em longo e profundo voto, o ministro Schietti afastou cada uma delas, com a proposta de devolver o caso para a corte estadual continuar o julgamento do mérito da apelação.

Na análise do ministro, o juiz presidente do júri, Orlando Faccini Neto, foi zeloso e comprometido com duas vertentes que são complementares e não antagônicas: a efetividade da Justiça e o respeito às garantias. Com isso, respeitou as garantias das partes ao se pautar com transparência, motivando seus atos decisórios.

"Tomou todas as providências para não permitir que o processo, por sua complexidade ímpar e carga emocional imensurável, se arrastasse por mais tempo, como poderia ocorrer se fosse conduzido de modo burocrático e literal", ressaltou ele. "Não identifiquei mácula que pudesse ensejar dúvidas quanto à correção formal do veredito final."

Nulidades afastadas
Para duas das causas de nulidade apontadas pelo TJ-RS, o ministro Schietti considerou que ocorreu a preclusão temporal — as defesas perderam o momento apropriado para alegá-las, o que seria durante a sessão de julgamento, e não apenas na apelação contra a condenação.

São elas o fato de o juiz presidente do júri ter feito uma reunião a portas fechadas com os jurados, sem a presença das partes, e a nulidade em dois quesitos formulados — as perguntas que o juiz faz aos jurados sobre os fatos em julgamento e que servem para definir a condenação.

Uma terceira nulidade foi arguida a tempo e modo apenas pela defesa de Mauro Hoffmann quanto a uma suposta inovação acusatória feita em réplica durante o julgamento. Em suma, o réu teria sido julgado por uma causa que não estaria no âmbito da acusação oferecida pelo MP-RS. Para o ministro Schietti, porém, não houve essa indevida ampliação.

Nelson Jr./STF
Voto do ministro Schietti afastou nulidades e elogiou conduta do juiz presidente do júri
Nelson Jr./STF

150 jurados sorteados
A nulidade mais debatida envolveu o fato de o juiz presidente ter feito três sorteios de jurados, um deles fora do prazo determinado por lei. Em regra, deveria ser promovido apenas um sorteio preliminar, com definição de 25 nomes, entre os quais posteriormente seriam sorteados sete para compor o Conselho de Sentença.

Nesse sorteio definitivo, defesa e acusação teriam a possibilidade de vetar um número limitado de nomes. Por isso, a necessidade de haver mais potenciais jurados à disposição. No caso da Boate Kiss, a pedido do MP-RS, o juiz Orlando Faccini Neto aumentou esse número para 150.

A justificativa foi a possibilidade de ocorrer o chamado estouro de urna — quando se torna impossível fazer o julgamento por ausência do número mínimo de jurados. Isso ocorreria porque muitos pedem dispensa e outros simplemente não comparecem à sessão de julgamento.

Para o ministro Schietti, o caso realmente recomendava cautela. Prova é que, no dia do julgamento, dos 25 jurados originalmente selecionados, apenas seis estavam presentes. E dos outros 125 suplentes, 59 apareceram. Entre os sete que participaram do julgamento, nenhum deles foi incluído na lista pelo último sorteio, feito fora do prazo legal.

"Não identifico nulidade no ato de convocar suplentes afim de evitar ocorrência de estouro de urna, uma possibilidade concretamente extraída", concluiu o ministro relator.

Pena antecipada?
Caso a 6ª Turma confirme o provimento do recurso do MP-RS, isso significará que voltará a valer a decisão do juiz presidente do júri, que determinou o cumprimento antecipado da pena. Essa medida é possível graças ao artigo 491, inciso I, alínea "e", do Código de Processo Penal.

Essa regra, incluída no CPP pelo pacote "anticrime" de 2019, continua muito polêmica e contestada, mas não poderá ser analisada de pronto pelo STJ, conforme adiantou o ministro Schietti. Caberá às defesas discutir o tema nas instâncias ordinárias.

O tema causou muita disputa no caso da Boate Kiss. Após a condenação pelo júri, o TJ-RS concedeu Habeas Corpus proibindo a prisão imediata dos réus. O MP-RS levou o caso ao Supremo Tribunal Federal, onde obteve a polêmica e muito contestada decisão monocrática do então presidente da corte, ministro Luiz Fux, autorizando o encarceramento.

Posteriormente, ele ainda tornou sem efeito eventual decisão colegiada de Tribunal de Justiça que pudesse ser favorável aos réus do caso da Boate Kiss. A revista eletrônica Consultor Jurídico apontou, na época, como as decisões respeitaram a soberania do Tribunal do Júri.

Foi a anulação da sentença pelo TJ-RS que levou à soltura dos réus, o que fez ser perdido o objeto das decisões do ministro Fux no STF.

REsp 2.062.459

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!