mira aumentada

Ao admitir novas provas em Aije, TSE amplia possibilidade de analisar abusos

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16 de fevereiro de 2023, 20h37

A decisão de admitir a inclusão de novos documentos nas ações de investigação judicial eleitoral (Aijes) referentes à eleição presidencial de 2022 dá ao Tribunal Superior Eleitoral a possibilidade de ampliar bastante o retrato sobre o qual serão apurados casos de abuso de poder. E essa posição, inclusive, tende a prejudicar o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Presidência da República
'Minuta do golpe' vai servir de prova
para julgar abuso de Jair Bolsonaro
Presidência da República

O critério para autorizar essa medida foi estabelecido na terça-feira (14/2): é preciso que esses novos elementos se destinem a demonstrar desdobramentos dos fatos narrados, a gravidade da conduta ou a responsabilidade dos investigados.

Foi assim que o TSE manteve a decisão do ministro Benedito Gonçalves de incluir a "minuta do golpe", encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, como parte da ação que aponta abuso de poder político por Bolsonaro na reunião que fez com embaixadores para desmoralizar o sistema eleitoral brasileiro, no ano passado.

O documento só foi descoberto nas investigações decorrentes dos atentados de 8 de janeiro, em Brasília, e, a princípio, não se relaciona com o episódio que motivou a Aije ajuizada pelo PDT contra o ex-presidente. Por outro lado, pode servir para reforçar a repercussão dos atos praticados por Bolsonaro, motivados pela ideia de que não há lisura nas eleições.

A inclusão de novas provas ainda pode complicar a situação do ex-presidente em, ao menos, duas outras Aijes.

Uma delas trata do abuso de poder político e de uso indevido dos meios de comunicação social em atos perpetrados por Bolsonaro e dezenas de seus seguidores, com a intenção de deslegitimar as eleições e causar nos eleitores sentimento de insegurança e descrença. Nessa ação, a Coligação Brasil da Esperança, que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a Presidência da República, pede a inclusão de imagens dos ataques de 8 de janeiro.

A outra Aije trata do desvio de finalidade das comemorações do Bicentenário da Independência, no ano passado. Um dos investigados é um empresário do ramo agrícola que teria viabilizado um desfile de tratores em apoio a Bolsonaro. O novo documento indicaria a prática de assédio eleitoral cometido por ele, ao falar em corte de gastos e demissões em caso da vitória de Lula.

Nesses três casos, Bolsonaro será julgado pelo suposto abuso que cometeu durante a campanha, mas levando em conta fatos ocorridos bastante tempo depois. Advogados eleitoralistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico se mostraram divididos quanto ao acerto da ampliação desse retrato pelo TSE.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Para Benedito Gonçalves, restringir inclusão de provas esvaziaria a vocação da Aije
Antonio Augusto/Secom/TSE

LC 64/1990
A legislação eleitoral brasileira não trata expressamente da possibilidade de apresentar provas em prazo ilimitado. O artigo 22 da LC 64/1990 pede que as partes apresentem meios de prova hábeis a ratificar as suas alegações na petição inicial, assim como a lista de testemunhas.

Já o artigo 23 indica que o tribunal formará sua convicção pela livre apreciação de "fatos públicos e notórios", dos indícios e presunções e das provas produzidas, atentando para as circunstâncias dos fatos, "ainda que não alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral".

Para Vera Chemim, o TSE andou mal. Isso porque uma provável extrapolação dos dispositivos legais e constitucionais não deve ser feita, em desrespeito à competência do Poder Legislativo. E, quando ela ocorre, só pode ser aceita em benefício da defesa, e nunca do autor da ação.

"Além da dificuldade em se definir precisamente o que se entende por fatos notórios, a 'licença' para a apresentação de elementos de prova de forma constante, transformando uma ação de investigação ad aeternum, provocará uma grave insegurança jurídica, além de preservar a condição de 'acusado' infinitamente."

Para ela, a "minuta do golpe", além de extrapolar os prazos fixados no artigo 22 da LC 64/1990, não é prova hábil a corroborar o objeto da ação, que é o abuso de poder político praticado na reunião com os embaixadores, no Palácio do Planalto.

Alexandre Rollo, por sua vez, entende que o artigo 23 da LC 64/1990 ampara a posição do TSE. Mas ele ressalta que a análise deve ser cuidadosa e caso a caso. "Se a 'minuta do golpe' é apócrifa ou não, se Bolsonaro a conhecia ou não e se ela servirá para eventual procedência da ação ou não, são situações a serem debatidas no processo. Mas me pareceu correta a decisão de admitir a inclusão de tal documento novo na lide."

Já na opinião de Renan Albernaz, do escritório Daniel Gerber Advogados, o TSE respeitou plenamente o artigo 23, que inclusive foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Com isso, a lógica processual da Aije não foi desvirtuada.

"Podemos denotar que o ministro foi diligente no sentido de atender a essa prerrogativa firmada pelo STF e alinhá-la ao princípio da não surpresa — artigo 10 do CPC —, já que a admissão dos documentos, automaticamente, traz consigo a previsibilidade da demanda e a possibilidade de impugnação específica por parte do processado."

Antonio Augusto/Secom/TSE
TSE tem pedido para inclusão de provas novas em ao menos outras duas Aijes
Antonio Augusto/Secom/TSE

Dinâmica e prejuízo
Ainda segundo Albernaz, a posição do TSE é acertada porque processos eleitorais trazem consigo uma dinâmica diferenciada: além de verificar a conduta abusiva, é preciso aferir o comprometimento do equilíbrio das eleições e se o eleitorado foi afetado.

"Parece ser crível a aplicação, no processo eleitoral, do princípio da verdade real — que preconiza a necessidade de o julgador sempre buscar maior proximidade possível das verdades ocorridas no fato, devendo existir sempre um sentimento de busca pela verdade quando da apuração dos fatos e aplicação da pena", opina ele.

Para Alexandre Rollo, a inclusão de documentos não desequilibra a ação em desfavor do investigado, pois serão como um "adendo" que, isoladamente, não trará consequências. "Ademais, se os autores puderam juntar aos autos documentos novos, esse mesmo direito deverá ser garantido aos réus, por conta da paridade de armas."

Vera Chemim, por outro lado, tem certeza de que haverá tal prejuízo. "A garantia da isonomia, da normalidade eleitoral e da legitimidade dos resultados alcança contornos já previstos na legislação atinente ao tema, além de serem, igualmente, previstos na Carta Magna, sem abrir qualquer possibilidade de sua extrapolação, mesmo que seja pela jurisprudência."

Ao julgar o tema, o ministro Benedito Gonçalves destacou que a restrição de novos documentos levaria a um esvaziamento da legítima vocação da Aije para tutelar bens jurídicos de contornos muito complexos, como a isonomia, a normalidade eleitoral e a legitimidade dos resultados.

Aije 0600814-85.2022.6.00.0000

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