Público & Pragmático

Retrospectiva de 2023 sobre as licitações públicas no Brasil

Autor

  • Gustavo Schiefler

    é doutor em Direito do Estado (USP) advogado (Schiefler Advocacia) e professor (Zênite e IDP) em matéria de licitações públicas e contratos administrativos.

31 de dezembro de 2023, 8h00

Ano que vem, este que foi, e cá estamos, na data especial de 31 de dezembro, para compartilhar uma retrospectiva sintética sobre os principais acontecimentos nas licitações públicas brasileiras em 2023.

O principal tema de atenção foi, sem dúvidas, a Lei nº 14.133/2021  — Nova Lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos (NLLCA) — e a correspondente expectativa de revogação das Leis nº 8.666/1993 e 10.520/2002.

No âmbito legislativo, então, a retrospectiva não poderia iniciar diferentemente. A nostalgia peculiar desta época está reforçada pela nossa recém-orfandade legislativa. De trás para frente, o que aconteceu no dia de ontem marcou a nossa era.

Em 30 de dezembro de 2023 houve, finalmente, a revogação da Lei nº 8.666/1993 e da Lei nº 10.520/2002, além das disposições sobre licitações e contratos da Lei nº 12.462/2011 — Regime Diferenciado de Contratações (RDC). A saudade do regime antigo, estimo, tende a ser proporcional ao ritmo e à capacidade administrativa de absorção do novo regime, que não é tão diferente. A Nova Lei de Licitações, quando consideradas as demais fontes que integravam a juridicidade do regime antigo, em especial a jurisprudência dos tribunais e dos órgãos de controle, é uma espécie de autorretrato aperfeiçoado de suas melhores práticas.

Em retrospectiva, no entanto, o clímax desta história, lembramos bem, não foi o dia de ontem, mas a véspera de 1º de abril de 2023, quando houve a frustração da esperada, à época, revogação dos normativos. Não aconteceu naquele momento, pois, no último dia, num misto de surpresa e (para alguns) alívio, a revogação foi adiada. O suspense dos dias antecedentes foi marcante. Anunciava-se, de última hora, que seria adiada… e que seria por portaria. No fim, acabou sendo postergada por uma medida provisória, de nº 1.167, de 31 de março de 2023, publicada em edição extra do Diário Oficial. O conteúdo foi posteriormente substituído pela Lei Complementar nº 198/2023, de 28 de junho, que adiou a festejada e temida data de revogação para 30 de dezembro de 2023.

A morte morrida, por assim dizer, da lei que acompanhou a administração pública por três décadas ainda está um pouco distante. Depende do término das licitações públicas iniciadas e dos contratos administrativos hoje vigentes, celebrados com fundamento nas normas gerais da Lei nº 8.666/1993, nos termos do regime de transição estabelecido pelo artigo 191, parágrafo único, da Lei nº 14.133/2021.

Ainda sob a perspectiva legislativa, neste final de dezembro de 2023, foi promulgada a Lei nº 14.770/2023, que alterou a Nova Lei de Licitações para, entre outros: (1) permitir a adesão por municípios a atas de registro de preços municipais, na condição de não participante, figura conhecida como “carona”; e (2) incluir o título de capitalização no rol de garantias contratuais permitidas.

Dentre os vetos, a Presidência da República retirou duas importantes disposições, que ainda poderão ser retomadas pelo Congresso Nacional. A primeira delas referia-se à permissão para a utilização isolada do modo de disputa fechado, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, nos casos de contratação com valor estimado acima de R$ 1,5 milhão para obras ou serviços especiais de engenharia, serviços comuns de engenharia que incluam serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos. A outra relevante disposição vetada referia-se ao estabelecimento de prazos para liquidação e pagamento pelos órgãos públicos (que, conjuntamente, não poderiam superar 30 dias a contar do adimplemento da obrigação pelo contratado), preenchendo lacuna deixada pela redação original da NLLCA.

Nesse ano, a produção normativa infralegal também avançou com a regulamentação da Nova Lei de Licitações. Em ritmo menor que o idealizado, pois ainda restam grandes lacunas, mas avançou.

Uma das discussões que mais marcaram o ano, para a comunidade de contratações públicas, refere-se a uma polêmica na prorrogação da ata de registro de preços de acordo com a Nova Lei de Licitações: os quantitativos da ata podem ser renovados?

Enquanto o Decreto Federal nº 11.462/2023, que disciplina o Sistema de Registro de Preços, silenciou sobre o assunto, outros normativos como o Decreto Municipal nº 18.242/2023, de Belo Horizonte (MG), e o Decreto nº 44.330/2023, do Distrito Federal, preveem a possibilidade de renovação do quantitativo, tal como ocorre nos contratos de serviços e de fornecimento contínuos.

Ao longo de fevereiro e março de 2023, na véspera do que pensou que seria o fim das Leis nº 8.666/1993 e 10.520/2002, foram publicadas importantes normas infralegais, como: (1) a Instrução Normativa Seges/MGI nº 2, de 7 de fevereiro de 2023, que trata da licitação pelo critério de julgamento por técnica e preço, na forma eletrônica; (2) a Instrução Normativa Seges/MGI nº 11, de 29 de março de 2023, que regulamenta o uso do Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF) para o pagamento de despesas com compra de bens e prestação de serviços pela Nova Lei de Licitações; e (3) a Instrução Normativa Seges/MGI nº 12, de 31 de março de 2023, que dispõe sobre a licitação pelo critério de julgamento melhor técnica ou conteúdo artístico, na forma eletrônica.

Em termos de decretos federais, março de 2023 foi um mês produtivo, tendo sido editados os: (1) Decreto nº 11.430, de 8 de março de 2023, para dispor sobre “a exigência, em contratações públicas, de percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e sobre a utilização do desenvolvimento, pelo licitante, de ações de equidade entre mulheres e homens no ambiente de trabalho como critério de desempate em licitações”; e (2) Decreto nº 11.461, de 31 de março de 2023, que cria o Sistema de Leilão Eletrônico e regulamenta os procedimentos operacionais da modalidade de licitação “leilão”, que serve para alienar bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos.

A propósito desta retrospectiva, aliás, vale menção a um dos normativos infralegais mais úteis do ano, a Portaria Seges/MGI nº 1.769/2023, que em abril pacificou em âmbito federal o entendimento de que, para usar as leis antigas, o edital de licitação deveria ser publicado ou a contratação direta autorizada até o dia 29 de dezembro deste ano. Também merece destaque o Decreto nº 11.531/2023, que em maio dispôs sobre convênios e contratos de repasse relativos às transferências de recursos federais e sobre acordos de cooperação técnica ou de adesão, sem transferência de recursos.

Em setembro e outubro de 2023, respectivamente, foram publicadas: (1) a Portaria Seges/MGI nº 5.376, de 14 de setembro de 2023, que institui o modelo de referência do Plano de Diretor de Logística Sustentável (PLS); e (2) a Portaria SGD/MGI nº 5.950, de 26 de outubro de 2023, que estabelece modelo de contratação de software e de serviços de computação em nuvem conforme a Nova Lei de Licitações.

No âmbito jurisprudencial, o destaque retrospectivo vai para os principais julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre contratações públicas.

Em março de 2023, o plenário do STF, por maioria, no julgamento das ADIs 5.,549 e 6.270, reconheceu a constitucionalidade da outorga, por autorização e sem licitação pública, do direito de exploração do transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros (Triip), como medida tendente à abertura do mercado para novos entrantes e contributiva à universalização do serviço em benefício aos usuários. Reconheceu-se que se tratava de escolha estratégica pela descentralização operacional do setor, em matéria democraticamente reservada à deliberação política.

Em maio de 2023, o plenário do STF, por unanimidade, reconheceu a constitucionalidade da Lei Municipal nº 17.731/2022, de São Paulo (SP). Em julgamento conjunto das ADPFs 971, 987 e 992, a corte reconheceu a competência municipal para estabelecer diretrizes gerais para a prorrogação, inclusive na modalidade antecipada, e a relicitação de contratos municipais de parceria com a iniciativa privada. Estabeleceu-se o entendimento jurisprudencial de que aquelas diretrizes municipais eram materialmente constitucionais e não constituíam normas gerais de licitação e contrato administrativo, cuja competência legislativa é privativa da União.

Em julho de 2023, novamente em atenção aos limites da competência legislativa suplementar dos municípios, o plenário do STF fixou a tese para o Tema 1.001 de Repercussão Geral, no RE 910.552. Na ocasião, reafirmou o seu entendimento sobre a constitucionalidade de lei municipal que avance, em relação à legislação federal, as restrições fundadas no princípio da moralidade e, por exemplo, proíba a contratação com parentes até o terceiro grau de agentes públicos eletivos ou em cargos de comissão. Porém, o STF estabeleceu um limite material a esta competência: “Não é possível presumir tal suspeição na contratação de pessoas ligadas a servidores que não exercem nenhuma função de direção, chefia ou assessoramento e que, por isso, não possuem meios de influenciar os rumos das licitações e contratações do ente.

Também em julho de 2023, a 1ª Turma do STF, por unanimidade, reiterou a jurisprudência no sentido de que é vedada a criação, por outros entes federados, de hipóteses de dispensa de licitação diversas das previstas na legislação federal (AgR em RE 1.419.333).

Em setembro de 2023, o plenário do STF, por unanimidade, declarou constitucional a lei que instituiu o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), no julgamento conjunto das ADIs 4645 e 4655. Tão relevante quanto o desfecho deste julgamento foi o conteúdo do acórdão. Reconheceu-se a constitucionalidade material de diversos instrumentos inovadores de design das licitações públicas, que também estão previstos na Nova Lei de Licitações, como a contratação integrada, a remuneração variável, o orçamento sigiloso e a pré-qualificação.

Na categoria dos órgãos de controle, o Tribunal de Contas da União (TCU) somou mais um ano de intensa produção de jurisprudência administrativa sobre licitações públicas e contratos administrativos.

Descendo às minúcias dos procedimentos, como lhe é costumeiro, o TCU em 2023 decidiu questões como: (1) dever de divulgação de documento eletrônico em formato editável nas licitações (Acórdão 328/2023 – Plenário); (2) recomendação de que entidades do Sistema S observem, por analogia, disposições da Lei nº 14.133/2021 (Acórdão 459/2023 — Plenário); (3) o prazo do reajuste contratual, que não deve ser contabilizado desde a assinatura do contrato, e sim a partir da data do orçamento estimado, na Nova Lei de Licitações, ou, se for o caso, da data da apresentação da proposta, na Lei nº 8.666/93 (Acórdão 1.587/2023 — Plenário); (4) o dever de que eventuais irregularidades em processo licitatório devem ser questionadas inicialmente perante a entidade promotora do certame, e somente depois, se necessário, perante o TCU (Acórdão 10.038/2023 — 2ª Câmara); e (5) o dever de as empresas estatais disponibilizarem informações atualizadas sobre seus contratos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) — (Acórdão 585/2023 – Plenário).

No setor de infraestrutura, o grande julgamento foi o Acórdão 1.593/2023 — Plenário, em que a Corte de Contas entendeu que é possível a desistência do processo de relicitação (Lei 13.448/2017), de forma consensual, desde que cumpridos determinados requisitos, entre eles a demonstração de interesse público na continuidade da concessão, a retomada dos investimentos previstos no contrato, a renúncia do concessionário às controvérsias preexistentes e a garantia de viabilidade econômica, financeira e operacional do projeto.

Outra discussão contemporânea no TCU, que merece registro nesta retrospectiva de 2023, é a divergência interpretativa instaurada sobre o artigo 28 da Lindb, especificamente sobre os critérios para a aferição do erro grosseiro para a responsabilização de agentes públicos. A discussão persistiu durante o ano, com novos acórdãos que, ora utilizam o comportamento esperado do “gestor médio” como parâmetro para aferir o erro grosseiro (Acórdão nº 11.674/2023 – 1ª Câmara, relator: ministro Jhonatan de Jesus), alinhando-se ao entendimento do ministro Antonio Anastasia, ora seguem a interpretação do ministro Benjamin Zymler, que considera erro grosseiro apenas aquele “que poderia ser percebido por pessoa com diligência abaixo do normal, ou seja, que seria evitado por pessoa com nível de atenção aquém do ordinário” (Acórdão 63/2023 — 1ª Câmara, relator: ministro Benjamin Zymler).

Em outubro de 2023, atento ao baixo grau de utilização da Nova Lei de Licitações, apesar de sua vigência desde abril de 2021, o TCU publicou um relatório de acompanhamento, onde avaliou, por amostragem, o grau de maturação dos órgãos e entidades para a sua aplicação.

No Acórdão 2.154/2023 — Plenário, o TCU concluiu que: (1) a Lei nº 14.133/2021 somente foi utilizada em 3,1% dos processos licitatórios de agosto de 2021 a julho de 2023; (2) houve um impulso, ainda que incipiente, a partir do primeiro semestre de 2023, em favor da utilização mais frequente da Nova Lei de Licitações; e (3) “oito em cada dez contratações são realizadas por portais privados” de licitação pública, o que foi motivo de estranhamento e preocupação da Corte de Contas. O TCU exigiu, ainda, do Governo Federal, um plano de ação com o cronograma das medidas a serem implementadas para a plena regulamentação e emprego da Lei nº 14.133/2021.

Houve destaque positivo, pelo TCU, aos estados do Paraná e do Mato Grosso, que foram precursores na regulamentação local da Nova Lei de Licitações, liderando a amostragem percentual sobre o uso deste normativo.

Sobre as contratações públicas em geral, o relatório do TCU confirmou a tendência contemporânea de prevalência das contratações diretas sobre os processos licitatórios, concluindo que as dispensas e inexigibilidades de licitação representaram 82% da quantidade total de contratações e 51% do valor total homologado. A primazia das exceções normativas (contratação direta por dispensa ou inexigibilidade de licitação) sobre a regra geral teórica da licitação pública é uma realidade que vem se repetindo ano após ano, ao menos sob a perspectiva do monitoramento federal das contratações públicas, verificável a partir do Painel de Compras Públicas.

No âmbito geral a respeito de contratações públicas, para além dos destaques legislativos e jurisprudenciais, registro alguns eventos relevantes.

O ano foi marcado pela expansão das funcionalidades do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), criado pela Nova Lei de Licitações e que tem o potencial de ser a grande revolução em termos operacionais da NLLCA e de controle das compras públicas.

Em março de 2023, o Comitê Gestor responsável pelo PNCP publicou uma nota indicando a sua aptidão operacional para a divulgação centralizada e obrigatória de atos essenciais da Lei nº 14.133/2021, como os editais de licitação e anexos, os avisos de contratação direta, os contratos e seus aditivos, as atas de registro de preços, os planos de contratação anuais, dentre outros [1].

Em outubro de 2023, o PNCP passou a operar com dados abertos em tempo real e, em novembro, o Portal obteve aptidão para divulgar as licitações de empresas estatais, como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.

O ano também foi marcado pelos primeiros itens cadastrados no Catálogo Eletrônico de Padronização do Governo Federal, cuja utilização, segundo a nova lei, é a regra geral a ser observada. O catálogo já disponibiliza os artefatos (termo de referência, edital, contrato e ata de registro de preços) para a contratação padronizada de água mineral natural, sem gás, além de café e açúcar.

Embora o PNCP venha sendo evoluído, em novembro o TCU apontou, no Acórdão 2.209/2023 — Plenário, fragilidades na estratégia de implementação do PNCP, dentre as quais: a) ausência de planejamento detalhado contemplando a definição da estratégia a ser adotada para a implantação plena do PNCP; b) ausência de normativos essenciais para possibilitar o emprego pleno das disposições constantes da Lei 14.133/2021; c) ausência de módulos e sistemas necessários a assegurar a plena eficácia da Lei 14.133/2021; e d) oportunidade de implementação de mecanismos de controle destinados a assegurar a efetiva correlação entre os dados divulgados no PNCP.

Em junho de 2023, confirmando a sua tendência de protagonismo no fomento ao uso de inovação tecnológica no âmbito da administração pública, o TCU anunciou a adoção de um modelo personalizado de inteligência artificial (IA) baseada em processamento de linguagem natural, denominado ChatTCU e baseada na ferramenta ChatGPT da OpenAI. A proposta é permitir que o TCU consiga, internamente, utilizar o chatbot para trazer eficiência às atividades de produção de textos, traduções e análises de controle externo [2].

Em agosto de 2023, o Conselho da Justiça Federal organizou o 2º Simpósio de Licitações e Contratos da Justiça Federal, que reuniu especialistas para debater a Nova Lei de Licitações, tendo sido responsável por aprovar e dar origem a 29 enunciados sobre a matéria [3].

Em dezembro de 2023, o TCU lançou a nova e 5ª edição do seu importante Manual de Licitações e Contratos [4], em atualização ao manual de 2014, que tanto influenciou as contratações públicas brasileiras na última década.

O ano de 2023 também foi marcado pela produção de modelos de documentos, pela Advocacia-Geral da União (AGU), para a implementação da Nova Lei de Licitações. O acervo foi expandido ao longo do ano e hoje possui minutas de editais de pregão e de concorrência, de atas de registro de preços, de termos de referência, de contratos e de contratações diretas, tanto para compras como para serviços, além das respectivas listas de verificação (checklists) [5]. O caráter orientativo e pedagógico também se fez presente no compêndio de perguntas frequentes sobre contratação pública, lançado pela Consultoria-Geral da União em novembro de 2023, com dezenas de questões práticas sobre ambos os regimes jurídicos [6].

Outro importante capítulo do ano também foi protagonizado pela AGU, no Parecer nº 00001/2023/CNLCA/CGU/AGU, que enfrentou tema polêmico e entendeu pela desnecessidade de comprovação da singularidade do serviço a ser prestado pelo profissional ou empresa de notória especialização no caso de contratação de serviços técnicos especializados por inexigibilidade de licitação pública, no âmbito da Lei nº 14.133/2021.

O ano de 2023 passou e ainda não tivemos a primeira experiência relevante com a promissora modalidade de diálogo competitivo, criada pela Lei de Licitações. A contratação de inovação tecnológica, no entanto, ganhou maior maturidade ao longo do ano, com a assimilação paulatina do Contrato Público para Solução Inovadora (CPSI), a exemplo da licitação realizada pelo TJ-MG (Processo SIAD nº 111/2023), que integrou etapas típicas dos processos de inovação aberta, como pitches e bootcamps, revelando a tendência, nesses casos, de uma integração entre a linguagem jurídica e de inovação [7]. No caso, houve a contratação de duas startups para resolver um desafio de melhoria na qualidade dos serviços prestados pelo tribunal aos cidadãos.

Por falar em licitações propriamente ditas, o ano de 2023 foi recordista no número de editais de concessões e PPPs, alcançando 342 editais ao final de novembro, com os municípios respondendo por 67,6% dos mais de 5.000 projetos já mapeados pela consultoria Radar PPP [8]. Em termos financeiros, de acordo com Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), o investimento público e privado em infraestrutura no Brasil alcançou mais de R$ 213 bilhões em 2023 — o maior volume desde 2014 [9].

A propósito, o ano de 2023 foi movimentado no que toca a pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro nas concessões aeroportuárias, fundamentados nos impactos causados pela Covid-19. Ao todo, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou pleitos de oito concessionárias, somando R$ 300 milhões, referentes aos aeroportos de Guarulhos (SP), Viracopos (SP), Brasília (DF), Salvador (BA), Confins (MG), São Gonçalo do Amarante (RN), Fortaleza (CE) e Porto Alegre (RS) [10].

Concordo que o pujante e dinâmico mercado das contratações públicas brasileiras acaba por ser simplificado numa retrospectiva anual. É claro que muito mais aconteceu em 2023, sobretudo quando considerados os mais distantes rincões, as licitações pontualmente consideradas e as interessantes batalhas jurídicas travadas diariamente nos processos administrativos e judiciais sobre a temática. Todavia, essas breves memórias do ano, ainda que falhem em retratar o todo e sob o risco de algum lapso, servem para um registro simbólico deste momento histórico, de transição de regimes jurídicos, com as suas novas oportunidades e a ânsia por um novo corpo jurisprudencial e doutrinário.

Que venha 2024.


[1] Disponível em: https://www.gov.br/pncp/pt-br/acesso-a-informacao/comunicados/comunicado-no-1-2023-portal-nacional-de-contratacoes-publicas-pncp. Acesso em 19 dez. 2023.

[2] Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/tcu-adota-modelo-personalizado-de-assistente-de-redacao-baseado-em-inteligencia-artificial.htm. Acesso em 19 dez. 2023.

[3] Disponível em: https://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2023/setembro/cjf-divulga-enunciados-aprovados-no-2o-simposio-de-licitacoes-e-contratos-da-justica-federal. Acesso em 19 dez. 2023.

[4] Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/data/files/93/31/DD/59/E436C8103A4A64C8F18818A8/Licitacoes%20e%20Contratos%20-%20Orientacoes%20e%20Jurisprudencia%20do%20TCU%20-%205a%20Edicao.pdf. Acesso em 18 dez. 2023.

[5] Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/licitacoesecontratos/14133. Acesso em 18 dez. 2023.

[6] Disponível em https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/licitacoesecontratos/compendio-contratacoes-publicas/cartilha_compendio_perguntas_e_respostas_v3_231204_142759-002.pdf. Acesso em 18 dez. 2023.

[7] Disponível em: https://www.tjmg.jus.br/data/files/34/D3/36/B7/D3F768107AC592688908CCA8/Edital%20interativo%20-%20Foro%20capital_TJMG%20FINAL.pdf Acesso em 19 dez. 2023

[8] Disponível em: https://exame.com/brasil/em-2023-editais-de-concessoes-e-ppps-registram-maior-numero-na-historia/. Acesso em 18 dez. 2023

[9] Disponível em: https://www.abdib.org.br/2023/12/05/livro-azul-da-infraestrutura-edicao-2023/. Acesso em 19 dez. 2023.

[10] Disponível em: https://www.agenciainfra.com/blog/reequilibrios-por-efeitos-da-covid-em-2023-nas-concessoes-aeroportuarias-chegam-a-r-300-milhoes/. Acesso em 19 dez. 2023.

Autores

  • é sócio do escritório Schiefler Advocacia, doutor em Direito do Estado (USP) e professor em cursos de capacitação e pós-graduação na área de licitações públicas e contratos administrativos (Zênite e IDP).

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