Opinião

Necessidade de lançamento formal contra o responsável tributário

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18 de dezembro de 2023, 16h23

Com um mercado cada vez mais dinâmico, em que operações que envolvem incorporações, cisões, aquisições de unidades produtivas e diversos outros tipos de investimentos entre empresas, se tornam cada vez mais comum e rotineiras as discussões sobre a formação de grupos econômicos. E a ocorrência de sucessão empresarial passou a fazer parte do dia a dia daqueles que transitam na área tributária.

Como exemplo da importância que a discussão alcançou perante o Judiciário, podemos citar a recente afetação à sistemática dos recursos repetitivos (Tema nº 1.209/STJ) da compatibilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 133 do Código de Processo Civil, com o rito das execuções fiscais, disciplinado pela Lei nº 6.830/80, já que, por muitas das vezes, é muito difícil ao contribuinte discutir elementos sobre a sucessão empresarial/formação de grupo econômico sem o incidente no qual se permita dilação probatória.

Nesse contexto, um importante tema vem sendo constantemente abordado pelos contribuintes em suas defesas, sem que o argumento, no entanto, seja analisado com o devido cuidado pelos julgadores. É sobre a necessidade efetiva de lançamento formal, pela administração, contra o sujeito indicado como responsável tributário nos casos de sucessão. Especialmente, se for considerado que muitas das operações são previamente de conhecimento do Fisco.

De pronto, portanto, é importante destacarmos que entendemos como inafastável o dever da Fazenda Pública de realizar o lançamento formal do débito tributário contra o sujeito apontado como responsável. Explicamos.

A definição de sujeição passiva para fins tributários encontra-se disposta no artigo 121 do CTN da seguinte forma:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.
Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:
I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;
II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

Da leitura do inciso II do parágrafo único do dispositivo em comento, nota-se com certa facilidade que o legislador atribuiu ao responsável tributário a qualidade de sujeito passivo da obrigação, condição, portanto, que não é absoluta ao contribuinte apontado pela lei como aquele que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador.

É por isso que a 1ª Seção do STJ, abalizada na doutrina sobre o tema, firmou sua orientação no sentido de que o responsável tributário é legalmente considerado como sujeito passivo da obrigação, em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos, conforme ementa abaixo citada:

2. O sujeito passivo da obrigação tributária, que compõe o critério pessoal inserto no conseqüente da regra matriz de incidência tributária, é a pessoa que juridicamente deve pagar a dívida tributária, seja sua ou de terceiro(s).

  1. O artigo 121 do Codex Tributário, elenca o contribuinte e o responsável como sujeitos passivos da obrigação tributária principal, assentando a doutrina que: “Qualquer pessoa colocada por lei na qualidade de devedora da prestação tributária, será sujeito passivo, pouco importando o nome que lhe seja atribuído ou a sua situação de contribuinte ou responsável” (Bernardo Ribeiro de Moraes, in “Compêndio de Direito Tributário”, 2º Volume, 3ª ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2002, pág. 279). (…)

17. Recurso especial fazendário desprovido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.”[1]

Relembre-se, nesta toada, que o artigo 142 do CTN define o lançamento como o “procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Fica claro, assim, que sem ser devidamente identificado no procedimento de lançamento, o sujeito passivo não possui os meios para saber outros elementos da obrigação tributária, como a matéria tributável ou até mesmo o montante a pagar.

Ao ser tolhido de tal direito, o responsável/sujeito passivo não possui meios de identificar elementos básicos da obrigação tributária que lhe está sendo atribuída, como, por exemplo, a data dos fatos geradores e da constituição definitiva do crédito em cobrança, o que seria essencial para averiguação, por exemplo, de prescrição e decadência, tudo, é claro, em prejuízo ao seu direito de defesa.

Até mesmo porque, como se sabe, o processo administrativo de lançamento do crédito tributário é sigiloso, de modo que apenas o sujeito passivo convidado a participar possui os meios necessários para identificar todos os elementos da obrigação tributária ali apurada.

Exatamente por esse motivo que, em interpretação ao artigo 142 do CTN à luz do artigo 5º, LIV e LV, da Constituição (que consagra o princípio da ampla defesa e do contraditório no âmbito do processo administrativo), o STF considerou como equivocado o entendimento no sentido de que o responsável tributário seria elemento estranho ao procedimento administrativo de lançamento, o que se depreende do seguinte trecho do voto condutor proferido pelo ministro Joaquim Barbosa no julgamento do Recurso Extraordinário nº 608.426:

Assim, embora o acórdão tenha errado ao afirmar ser o responsável tributário estranho ao processo administrativo (motivação e fundamentação são requisitos de validade de qualquer ato administrativo plenamente vinculado), bem como ao concluir ser possível redirecionar ao responsável tributário a ação de execução fiscal (…)”

Importante destacar que, antes mesmo de o Supremo alcançar o entendimento em questão, a 1ª Seção do STJ já havia firmado racional nesse mesmo sentido, conforme se verifica do julgado citado abaixo:

3. Independentemente de a lei contemplar mais de um responsável pelo adimplemento de uma mesma obrigação tributária, cabe ao fisco, no ato de lançamento, identificar contra qual(is) sujeito(s) passivo(s) ele promoverá a cobrança do tributo, nos termos do art. 121 combinado com o art. 142, ambos do CTN, garantindo-se, assim, ao(s) devedor(es) imputado(s) o direito à apresentação de defesa administrativa contra a constituição do crédito. Por essa razão, não é permitido substituir a CDA para alterar o polo passivo da execução contra quem não foi dada oportunidade de impugnar o lançamento, sob pena de violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, também assegurados constitucionalmente perante a instância administrativa.”[2]

Não seria forçoso apontar que, de modo a evitar a responsabilização de terceiros sem o devido processo legal, está em vigor desde 2017 a Portaria PGFN nº 948, responsável por instituir o procedimento administrativo de reconhecimento de responsabilidade no âmbito da PGFN.

Apesar de o procedimento em questão ser aplicável somente no contexto de dissolução irregular do contribuinte principal, é muito claro que o procedimento foi instituído como resposta exatamente às decisões judiciais que consideravam como inconstitucional e ilegal a inclusão de responsáveis tributários no polo passivo de execuções fiscais sem que a sua sujeição passiva fosse apurada administrativamente, em atenção ao artigo 142 do CTN.

Ora, se a verificação de responsabilidade tributária de forma administrativa se mostra necessária no contexto da dissolução irregular do contribuinte, por ainda mais deveria ser no contexto de formação de grupo econômico/sucessão empresarial, cujos efeitos são nefastos ao sujeito passivo apontado como responsável. Principalmente quando se constata que a formação do grupo econômico/sucessão empresarial tenha ocorrido em momento anterior ao próprio lançamento em face do devedor originário.

Isto é, quando a administração fiscal já tenha ou possa ter informações sobre a formação do grupo econômico ou da ocorrência de sucessão empresarial, deve ela promover o lançamento, já intimando o suposto responsável para participar do processo administrativo, sob pena até mesmo de decadência.

Em último tom. A administração não pode promover o lançamento somente em face do devedor originário para incluir eventualmente terceiro responsável quando já ajuizada a execução fiscal, porquanto a própria responsabilidade deve ser apurada quando do lançamento para exigência do crédito fiscal, de modo a se identificar todos os sujeitos passivos da obrigação tributária.

Espera-se, assim, que os Tribunais passem a compreender o responsável tributário como efetivo sujeito passivo da obrigação, o que inevitavelmente levará à conclusão de que o lançamento deve ser realizado contra ele, sob pena de violação ao artigo 142 do CTN.


[1] REsp n. 1.129.430/SP, Rel.: Min. Luiz Fux, Primeira Seção, J.: 24/11/2010.

[2] EREsp nº 1.115.649/SP, Rel.: Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, J.: 27/10/2010.

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