Direito Comparado

Licenciatura em Direito Luso-Brasileira da Universidade de Coimbra e seu projeto inovador

Autores

  • Otavio Luiz Rodrigues Jr.

    é advogado da União; professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP); coordenador de área e membro do Conselho Superior da CAPES; conselheiro Nacional do Ministério Público. Acompanhe-o em sua página.

  • Bruno Miragem

    é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) advogado e parecerista.

13 de dezembro de 2023, 19h08

A Universidade de Coimbra possui uma conexão muito especial com o Brasil. Durante o período colonial até a instituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, os súditos brasileiros da Coroa portuguesa encontraram em Coimbra um ponto de reconhecimento de uma — ainda difusa — identidade nacional. De modo muito específico, a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra foi o elemento catalisador da formação do sentido de “brasilidade” para muitos paulistas, fluminenses, mineiros e baianos, dentre outros oriundos das diferentes províncias brasileiras. Atravessando a Porta Férrea, essas pessoas descobriram-se como integrantes de uma “comunidade imaginada”, para se usar da terminologia de Benedict Anderson [1].

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Segundo Ruth Maria Chittó Gauer [2], após as reformas do Marquês de Pombal, entre 1772 e 1808, licenciaram-se pela Universidade de Coimbra mais de 770 pessoas nascidas no território ultramarino correspondente ao Brasil atual.

Com a criação dos primeiros cursos jurídicos no Império do Brasil em 1827, em São Paulo e Olinda, deu-se uma espécie de deslocamento dessa função unificadora de Coimbra para as instituições de ensino superior do jovem país da América do Sul. O fluxo de brasileiros para Coimbra, no entanto, prosseguiu e, posteriormente, assumiu um caráter mais efetivo na pós-graduação conimbricense. O número de brasileiros nos cursos de mestrado e doutorado em Direito de Coimbra é extremamente significativo.

A grande novidade nessas relações tão antigas e consolidadas está na criação, em 2019, da Licenciatura em Direito Luso-Brasileira no âmbito da Universidade de Coimbra [3]. Fruto de uma iniciativa do então diretor da Faculdade de Direito, o catedrático Rui Manuel de Figueiredo Marcos, e consolidada sob a gestão do atual diretor, catedrático Jonátas Machado, essa nova graduação finalmente teve seu início formal com a oferta de créditos de Direito português e seus equivalentes em Direito brasileiro. Com isso, permite-se aos discentes brasileiros estudarem na Universidade de Coimbra sem prejuízo de uma formação teórica e prática aproveitável de modo significativo para uma carreira profissional neste país.

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Diferentemente da tradicional Licenciatura em Direito de Coimbra, essa nova modalidade conjuga harmonicamente, e com distribuição equilibrada de conteúdos, o essencial para uma formação proveitosa para as ordens jurídicas portuguesa e brasileira. Some-se a isso a previsão de mobilidade acadêmica na graduação, com a possibilidade de que o discente curse créditos em instituições brasileiras durante a licenciatura.

A Universidade de Coimbra, além das formas tradicionais de ingresso, desde 2014, passou a admitir os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O processo seletivo geralmente tem início em dezembro do ano anterior até fevereiro do ano em curso, com divulgação dos resultados em março. O ano letivo, diferentemente do que ocorre no Brasil, inicia-se em setembro e termina em julho do ano seguinte. As férias correspondem ao Natal, à Páscoa e ao mês de agosto (férias de verão) [4].

Na formação da Licenciatura Luso-Brasileira, a Universidade de Coimbra teve o cuidado de acolher sugestões formuladas por este colunista (Otavio Rodrigues) ainda em 2018, em uma série de reuniões, a convite do catedrático Rui Manuel de Figueiredo Marques. Desde então, o curso foi sendo estruturado com os convites a docentes brasileiros, que hoje integram o quadro de professores associados contratados pela universidade.

A Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, como resultados de esforços institucionais dos últimos 10 anos, logrou avanços institucionais notáveis. Conciliando a tradição das capas negras e dos rituais seculares, ditos coimbrãos, a faculdade muito avançou em termos de infraestrutura, ao exemplo da inauguração do Colégio da Trindade, um amplo espaço para conferências, salas para docentes e pesquisadores visitantes. Com uma biblioteca bem servida de livros de autores brasileiros, úteis no contexto da Licenciatura Luso-Brasileira, é hoje riquíssima a base de dados assinada pela Faculdade de Direito. Editoras alemãs de prestígio como Beck, Mohr, Nomos ou De Gruyter unem-se às bases de Cambridge, Oxford, LexisNexis, ThomsonReuters, Jstor, Heinonline, Westlaw, dentre outras igualmente significativas.

Os resultados dessas ações institucionais apareceram nos recentes rankings internacionais de qualidade da educação superior. Em sessão solene da qual tivemos a oportunidade de participar no dia 5 de dezembro de 2023, data do aniversário da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, apresentaram-se dados que demonstram essa positiva evolução. No Times Higher Education World University Rankings (THE WUR) 2024, a universidade figura no rol das 500 melhores do mundo. No segmento das áreas setoriais, a Faculdade de Direito ficou entre as 125 melhores dentre todas as instituições homólogas [5].

A universidade fez investimentos maciços em internacionalização, com o oferecimento de disciplinas em inglês na licenciatura; incentivou a mobilidade acadêmica; criou mecanismos de autoavaliação e de avaliação por consultores externos; além de ter buscado recuperar a composição do corpo docente.

Coordenada pelo professor Francisco Ferreira de Almeida, a Licenciatura Luso-Brasileira é composta por docentes indicados por cada uma das seções da faculdade (o equivalente parcial aos departamentos das faculdades brasileiras), os quais dividem as disciplinas com professores brasileiros. Muitos dos docentes portugueses possuem uma antiga e sólida ligação com o Brasil, ao exemplo de Rui Manuel Figueiredo Marcos, Jónatas Machado e Paulo Mota Pinto, dentre os catedráticos. No rol de associados, podem-se mencionar Mafalda Barbosa, Vieira Cura, Alexandre Libório, André Dias Pereira, Sandra Passinhas, Mónica Jardim, João Nuno Calvão da Silva, David Magalhães, João António Pinto Monteiro e Ibsen Noronha.

O bom momento da Universidade de Coimbra, que é compartilhado também com a Universidade de Lisboa, é um exemplo bem-sucedido de uma combinação entre respeito às tradições e o dever de adaptação das instituições às regras do jogo da competição internacional no ensino superior. O mundo está cada vez mais serviente a rankings universitários, cuja cesta de indicadores privilegia (indevidamente) aqueles que melhor se amoldam às instituições de língua inglesa localizadas no Reino Unido e nos Estados Unidos. É difícil competir com vieses tão nítidos no processo de avaliação. O sucesso de Coimbra (e outras universidades de Portugal) é um interessante caso e deve servir de acompanhamento no Brasil.

A Licenciatura Luso-Brasileira, nesse cenário, é um bom exemplo de internacionalização acadêmica, o que é positivo para os rankings. Mas também de corajosa valoração de antigos vínculos históricos entre uma antiga metrópole e sua maior ex-colônia, que hoje são duas nações soberanas, separadas pelo Atlântico e unidas pela mesma língua. Apesar das dificuldades de sotaque. Ou, como diz a letra do grupo musical português GNR, da “pronúncia do Norte”, que “os tontos chamam-lhe torpe”.


[1] ANDERSON, Benedict R. Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

[2] GAUER, Ruth Maria Chittó. A influência da Universidade de Coimbra na formação da nacionalidade brasileira (Tese de Doutorado). Coimbra: Universidade de Coimbra, 1995.

[3] Para maiores informações sobre a Licenciatura Luso-brasileira, consultar aqui: https://apps.uc.pt/courses/PT/course/8761. Acesso em 12-12-2023.

[4] Informações para candidatos brasileiros estão disponíveis aqui: https://www.uc.pt/brasil/faq. Acesso em 11-12-2023.

[5] Conforme: https://noticias.uc.pt/artigos/uc-sobe-em-todas-as-areas-cientificas-avaliadas-no-the-world-university-rankings-by-subject-2024/#:~:text=Registando%20uma%20melhoria%20de%20desempenho,(posi%C3%A7%C3%A3o%20151%2D175). Acesso em 12/12/2023.

Autores

  • é coordenador da área de Direito da Capes, professor associado (livre-docente) em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil, com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

  • é advogado, professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon).

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