Opinião

Um exame das primeiras impressões dos novos ministros do STJ em HC e RHC

Autor

  • David Metzker

    é sócio do escritório Metzker Advocacia advogado criminalista professor e palestrante pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUC-RS e MBA em Gestão Empreendedorismo e Marketing pela mesma instituição diretor cultural e acadêmico da Abracrim-ES.

3 de dezembro de 2023, 12h17

No dia 22 de novembro, os agora Ministro Teodoro Silva Santos e Ministra Daniela Teixeira tomaram posse no Superior Tribunal de Justiça, assumindo cadeira na 6ª Turma e 5ª Turma, respectivamente.

Havia uma grande expectativa de como seria a atuação de ambos na Corte Cidadã e essa preocupação não é à toa, pois há uma grande necessidade na manutenção dos avanços jurisprudenciais que o STJ tem tido em relação aos direitos e garantias fundamentais e a preservação desses direitos.

Como já foi publicado em recente reportagem da ConJur, tenho feito pesquisas diariamente das concessões nos Tribunais Superiores (STJ e STF) e aguardei as primeiras decisões dos novos ministros para entender como será a atuação de ambos na Corte superior.

As primeiras decisões monocráticas em Habeas Corpus e seu recurso se deram nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro. Já deu para ter noção de algumas particularidades e, confesso, que a primeira impressão foi boa, para ambos.

Primeiramente vamos falar sobre a percepção que tive em relação à ministra Daniela Teixeira.

É certo que há muitos processos em seu gabinete, como relatado pela própria ministra em sua primeira sessão (ela afirmou ter mais de 10 mil processos em seu gabinete). Essa quantidade demanda uma atenção mais apurada, ainda mais para quem está chegando agora no tribunal.

Em razão disso, pude perceber poucas decisões monocráticas nesse início, todavia, evidencia uma quantidade anormal de liminares concedidas em dois dias para uma membra da 5ª Turma, que costumeiramente prefere decidir no mérito ao invés de deferir liminares.

Isso é interessante, ainda mais quando se verifica o conteúdo dessas liminares. Destaco três liminares que me chamaram bastante atenção, me deixando feliz pelo brilhantismo das decisões, mostrando que o princípio da humanidade e as garantias constitucionais prevalecerão em suas decisões.

Cito primeiramente o HC 870.309 (DJe 30/11/2023), que trata de uma concessão de liminar em um caso complexo e delicado sobre reconhecimento ilegal. Esta decisão, sendo uma das primeiras, reflete claramente sua abordagem humanista, colocando a dignidade humana e os direitos fundamentais no centro de sua atuação.

No caso concreto analisado pela ministra Daniela Teixeira, a liminar abordou a problemática do reconhecimento fotográfico como única base para a condenação. A decisão enfatizou as limitações inerentes a essa prática, incluindo a variação da iluminação, a qualidade e o ângulo da imagem, além da influência de fatores psicológicos sobre as testemunhas. A foto utilizada para o reconhecimento do acusado, caracterizada por ser preto e branco, desatualizada e de baixa resolução, foi considerada insuficiente para sustentar a condenação. Essa decisão reflete uma profunda compreensão das nuances e complexidades sobre o tema, demonstrando a preocupação da Ministra com a precisão e a justiça nas práticas judiciais. Ao deferir a liminar que permitiu ao acusado aguardar em liberdade o julgamento do mérito do habeas corpus, a Ministra Daniela Teixeira reafirmou seu compromisso com um sistema de justiça mais humano e garantista, que busca evitar o risco de condenações injustas baseadas em provas frágeis.

Em outro caso, que merece os nossos aplausos, é o HC 870.826 (DJe 30/11/2023). No caso específico abordado pela liminar da ministra Daniela Teixeira, a questão central envolvia a prisão prolongada de um réu sem progressos significativos no processo. A decisão da ministra, ao conceder a liminar, não apenas revogou a prisão preventiva, mas também serviu como um recado verticalizado da necessidade de celeridade processual. Este caso nos demonstrou a habilidade da ministra em navegar por questões jurídicas intrincadas, mantendo um olhar atento aos direitos individuais e ao impacto humano das decisões judiciais. Através desta ação, ela reafirmou seu compromisso em não apenas seguir a letra da lei, mas também honra o espírito de equidade e humanidade.

Por fim, trago o HC 869.743 (DJe 30/11/2023) em que foi concedida liminar pare revogar a preventiva diante da desproporcionalidade, mormente em razão da quantidade de droga apreendida. O réu estava detido desde julho de 2023, com a prisão inicialmente justificada pela posse de quantidades modestas de entorpecentes — 11 gramas de maconha e 23 gramas de cocaína.

A ministra avaliou que tais quantidades, apesar de não serem ínfimas, eram insuficientes para justificar a medida mais extremada. Esta decisão destaca o equilíbrio entre a manutenção da ordem pública e a proteção dos direitos individuais.

Além disso, foi considerado o contexto das ações do réu durante a prisão, com a ministra Teixeira enfatizando a necessidade de investigar as circunstâncias das alegadas resistência e lesão corporal, sem que isso justificasse a medida mais gravosa. Mesmo diante da reincidência do réu no crime de tráfico, a decisão ressaltou a desproporcionalidade na manutenção da prisão dada a quantidade não relevante de entorpecentes. Este caso ilustra claramente a visão da Ministra de que as decisões judiciais devem ser guiadas por proporcionalidade, e não meramente pela aplicação estrita da lei.

A partir de agora irei abordar a atuação do ministro Teodoro em suas primeiras decisões.

Destaca-se a quantidade de concessões nesses dois dias: 82 concessões, sendo todas de mérito (não houve liminares). Um número significativo, pois a média dos demais ministros foi de 20 concessões no mesmo período.

Pude observar que o ministro deu preferência a processos antigos em seu gabinete, pois a média de dias das concessões foi de 374 dias, considerando a data de autuação e a data da publicação.

O Ministro manteve a metodologia da ministra Laurita Vaz, colocando uma ementa no início das decisões, além do cuidado com a dosimetria, algo que era notável com a ministra Laurita Vaz.

Dentre várias boas decisões, separei três que me chamaram atenção, deixando feliz com o que há por vir com a atuação do ministro na Corte Superior.

A primeira decisão que separei abordou uma questão fundamental no direito penal: a exigência de clareza e completude nas acusações para garantir o direito à ampla defesa.

No caso em particular, trazido no RHC 175.993 ( DJe 30/11/2023), o paciente foi acusado de violar o artigo 38-A da Lei nº 9.605/1998. O ministro Teodoro Silva Santos observou que o artigo em questão é uma norma penal em branco, o que significa que depende de legislação complementar para definir completamente a conduta criminosa. Contudo, a denúncia falhou ao não especificar quais normas complementam esse artigo, um detalhe crítico que prejudica a capacidade de defesa do acusado. Como resultado, a denúncia foi considerada inepta.

Essa decisão ressalta a importância de uma acusação detalhada e completa. A omissão de informações essenciais, como a legislação complementar em casos de normas penais em branco, impede que o acusado compreenda plenamente as acusações contra ele e prepare uma defesa adequada. Esta decisão, portanto, reforça a necessidade de rigor e precisão nas acusações penais, e, assim como fez a ministra Daniela Teixeira, enfatizou os direitos fundamentais.

Em outro caso, o tema é algo que temos visto com uma certa recorrência nos tribunais superiores: excesso de prazo na prisão em casos de homicídio.

No RHC 182.860 (DJe 30/11/2023), o recorrente, acusado de homicídio qualificado tentado, estava em prisão preventiva há mais de cinco anos, aguardando julgamento pelo Tribunal do Júri. Sua pronúncia ocorreu há mais de um ano, e até a data da decisão, não havia sido marcada uma data para o julgamento.

As informações do caso indicam que não houve contribuição da defesa para o atraso do processo. Diante dessa realidade, o Ministro Teodoro Silva Santos identificou um constrangimento ilegal por excesso de prazo, uma vez que o réu já havia cumprido mais de dois terços da pena mínima cominada ao delito em regime fechado, sem que houvesse uma sentença de mérito.

A prolongada prisão do acusado sem uma data de julgamento configurou uma violação do princípio da razoável duração do processo e do direito à liberdade, especialmente considerando a ausência de ação da defesa que justificasse tal demora.

Por derradeiro, o HC 757.612 (DJe 30/11/2023) traz um tema basta peculiar, que é a busca pessoal e atuação das guardas municipais, em que o Ministro confirmou o entendimento que o Superior Tribunal já vem aplicando em ambas as turmas, e que foi confirmado na 3ª Seção.

Neste caso, a ação dos guardas municipais em resposta a uma denúncia anônima de tráfico de drogas levou à descoberta de substâncias entorpecentes. Entretanto, as circunstâncias dessa descoberta e a subsequente prisão do acusado foi consideradas ilegais.

O cerne do debate girou em torno da ausência de uma “fundada suspeita” e a relação direta e imediata das ações dos guardas municipais com a proteção dos bens, serviços e instalações municipais.

No caso em questão, o ministro concluiu que a busca pessoal realizada pelos guardas municipais foi ilegal, pois não atendeu a esses critérios estritos. Como resultado, todas as provas obtidas foram consideradas ilícitas, levando à declaração de nulidade do processo e à absolvição do acusado. Esta decisão ressalta a importância do respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos e a necessidade de uma fundamentação sólida para ações de busca pessoal, reforçando o ministro que o subjetivismo não deve prevalecer em relação aos direitos fundamentais.

Certo que há muita coisa ainda para acontecer, mas esse início de caminhada da ministra Daniela e do ministro Teodoro nos enche de esperança em ver que o STJ continuará fazendo a diferença e sendo um grande alicerce para garantias constitucionais, sendo uma luz nesses tempos sombrios.

Autores

  • é advogado, professor universitário, pós-graduado em Direito Penal e Criminologia pela PUCRS e especialista em Gestão pela mesma instituição. Membro da Comissão da Advocacia Criminal e de Política Penitenciária da OAB-ES.

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