dança das cadeiras

Ministro Noronha se despede da Seção criminal e vai julgar Direito Privado no STJ

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28 de setembro de 2022, 15h47

O ministro João Otávio de Noronha se despediu, nesta quarta-feira (28/9), da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. A partir da próxima semana, ele passará a integrar a 4ª Turma, na vaga deixada pelo ministro Luis Felipe Salomão, que agora ocupa a Corregedoria Nacional de Justiça, no Conselho Nacional de Justiça.

Lucas Pricken/STJ
Ministro João Otávio de Noronha foi homenageado pelos colegas de 3ª Seção
Lucas Pricken/STJ

A mudança é motivada pela competência dos colegiados. Na 3ª Seção e na 5ª Turma, o ministro Noronha se dedicava aos casos criminais. Na 4ª Turma e na 2ª Seção, voltará ao Direito Privado, seara em que construiu sua carreira antes de chegar ao STJ em vaga dedicada à advocacia.

Esse foi o motivo que o levou a pedir remoção, embora tenha ficado dividido. Ao ser homenageado pelos colegas de 3ª Seção, afirmou que, se esperasse mais um pouco, talvez não trocaria. Elogiou o clima e o ambiente de trabalho, sempre respeitoso e cordial, independentemente das divergências.

"Gostei muito de reestudar o Direito Penal. O que eu vinha estudando era o necessário para julgar processos na Corte Especial. Mas o Direito Penal do tempo que formei e atuei no sul de Minas Gerais mudou muito, evoluiu muito", afirmou.

Sua passagem pelos colegiados criminais do STJ se encerra após apenas dois anos. Passou a integrar a 5ª Turma, antes de mais nada, por falta de opção: quando encerrou seu biênio como presidente do STJ, em 2020, só havia uma vaga disponível, para o lugar do ministro Jorge Mussi, que ascender à vice-presidência.

Limites da persecução penal
Nesse período, proferiu votos de destaque e impacto nacional. Foi um crítico contumaz da atuação descontrolada dos órgãos de persecução penal. Foi assim que votou por trancar uma ação penal aberta pelo Ministério Público Federal "lavajatista" em tentativa de driblar ordem do Supremo Tribunal Federal. A proposta foi acolhida pelos colegas de 5ª Turma.

Também foi o relator do caso em que a Polícia Federal e órgãos fazendários se uniram em esquema de força-tarefa para, sem autorização judicial, criar uma "batida de rotina" com o objetivo de empreender busca e apreensão contra suspeitos de ilícitos financeiros. Entendeu a atuação como ilícita, em posição também referendada pelo colegiado.

Foi, ainda, o autor dos votos divergentes que levaram à anulação de todas as decisões de primeiro grau contra o então deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro, na investigação das rachadinhas em seu gabinete — incluindo a quebra de sigilo fiscal e bancário de envolvidos.

Além disso, defendeu inclusive a ilegalidade do compartilhamento de dados fiscais pelo Coaf com o Ministério Público do RJ, no caso em questão. Para ele, o MP-RJ usou o Coaf como órgão investigador, de forma a reunir provas obtidas sem a necessária atuação do Judiciário. Nesse caso, ficou vencido.

Tráfico de drogas
Na 3ª Seção, o ministro Noronha relatou um caso em que o colegiado buscou resolver uma das grandes divergências quanto ao julgamento de casos sobre tráfico de drogas. Em junho de 2021, propôs e convenceu os colegas que a quantidade de drogas, por si só, não deve impedir redutor de pena do tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, parágrafo 4º da Lei de Drogas.

O esforço representou um alinhamento da jurisprudência do STJ à tese de repercussão geral fixada pelo Supremo Tribunal Federal, segundo a qual a natureza e a quantidade de entorpecente apreendida devem ser consideradas em apenas uma das fases da dosimetria.

Na prática, isso significou que réus pegos com grandes quantidades de drogas poderiam ser beneficiados com o redutor de pena na proporção máxima caso esse aspecto fosse usado para majorar a pena-base, na primeira etapa da dosimetria da pena.

Essa indicação desagradou parte do colegiado e, apenas seis meses mais tarde, foi revista pela própria 3ª Seção. A orientação reajustada passou a ser de que a quantidade de drogas, ainda que usada para aumentar a pena-base, pode servir para modular a fração de redução de pena na aplicação do tráfico privilegiado. O ministro Noronha, nesse caso, ficou vencido.

Nesse e em outros casos, sempre defendeu o papel do Judiciário na guerra às drogas como de garantidor dos direitos individuais, da racionalidade e da coerência no sistema penal. Nesta quarta, citou as dificuldades sistêmicas de lidar com o crime de tráfico de drogas.

"Saio esperançoso, porque se nesse tempo pude ver uma política ruim em termos de gestão do sistema carcerário, pude ver também uma eficaz política judiciária onde o lado humano tem sido considerado pelas interpretações das normas realizadas", elogiou.

"Saio triste com essa visão da realidade brasileira. Mas saio também esperançoso de que está chegando o momento de enfrentarmos, no país, esse problema. E acredito que vamos logo, como outros países, rediscutir a política criminal no Brasil", apontou.

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