quase sem querer

Fiscalização por força-tarefa não justifica busca sem autorização judicial

Autor

19 de setembro de 2022, 8h54

Não existe atuação de rotina de órgãos de polícia administrativa quando o caso concreto evidencia que Polícia Federal e órgãos fazendários formaram verdadeira força-tarefa para, sem mandado judicial, empreender busca e apreensão contra suspeitos de ilícitos financeiros.

Gustavo Lima
Para ministro João Otávio de Noronha, não há batida de rotina que envolva complexo acerto entre diferentes órgãos fiscalizadores
Gustavo Lima

Com esse entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça declarou a nulidade das provas obtidas contra empresários investigados por emissão de valores mobiliários sem registro prévio na autoridade nacional competente.

A conduta consistiu em negociar títulos de capitalização denominados “Carimbó da Sorte” em desacordo com a autorização emitida pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão que identificou o ilícito e informou as autoridades competentes.

Em posse da informação, policiais federais, agentes da Receita Federal e membros do Grupo Especial de Prevenção a Organizações Criminosas (Geproc) do Ministério Público do Pará fizeram o que definiram como “fiscalização de rotina” na sede da empresa suspeita.

Durante a fiscalização, identificaram situação de flagrante delito, o que as autorizou a ingressar no local sem autorização judicial e buscar e apreender diversos documentos e objetos, como livros contábeis.

Relator no STJ, o ministro João Otávio de Noronha apontou que a identificação de situação de flagrante quando da realização de ato fiscalizador de rotina pelos órgãos competentes poderia, de fato, dispensar o prévio mandado judicial para entrada no local.

O caso dos autos, no entanto, traz peculiaridades. A principal delas é a atuação conjunta de órgãos de polícia autônomos e independentes entre si, em formato de “força tarefa” e que dificilmente aconteceria “de rotina”.

“A complexidade da operação deflagrada e a atuação conjunta dos órgãos de fiscalização, por si sós, afastam o fundamento utilizado na origem a respeito da atuação de rotina dos referidos agentes estatais, expondo a fragilidade da medida, realizada ex officio, sem o controle jurisdicional”, justificou o relator.

Além disso, o próprio ofício da Susep que deflagrou a “fiscalização de rotina” traz informações preliminares que indicavam a necessidade de submeter o controle dos atos investigatórios ao Judiciário, de modo a assegurar a validade da busca e apreensão.

“O que se apresenta nestes autos é o equívoco de personalizar, na figura do delegado de polícia, as prerrogativas de inquirir, avaliar e decidir acerca de procedimentos cuja execução presume a atuação jurisdicional ante a possibilidade de mitigação de direito fundamental inerente à dignidade da pessoa humana”, disse o ministro Noronha.

Para ele, o fato de existir denúncia administrativa acerca da suposta prática de crime pela pessoa jurídica não autoriza, por si só, a atuação desmedida de diferentes órgãos fiscalizadores sem o devido controle jurisdicional.

As irregularidades que justificaram o flagrante delito não poderia ter sido identificadas de plano pelas autoridades em mera “batida de rotina”. A avaliação do juiz, neutro e desinteressado, deve se sobrepor à avaliação do policial, envolvido nas investigações.

“O fato de existir denúncia administrativa acerca da suposta prática de crime pela pessoa jurídica administrada pelos agravantes não autoriza, por si só, a atuação desmedida de diferentes órgãos fiscalizadores”, apontou o ministro. A votação foi unânime.

Clique aqui para ler o acórdão
HC 676.091

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!