É a economia, estúpido!

Com fim da 'lava jato', eleitores preferem políticos 'tradicionais' a outsiders

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3 de setembro de 2022, 8h48

Nas eleições de 2018, a "lava jato" e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff impulsionaram um sentimento antipolítica que resultou na consagração de diversos outsiders. Quatro anos depois, o cenário é bem diferente. O fim da autodenominada força-tarefa fez com que a economia, e não a corrupção, passasse a ser a principal preocupação dos eleitores, que voltaram a preferir políticos "tradicionais".

Isac Nóbrega/PR
Jair Bolsonaro se vendeu como outsider em 2018, mas é candidato do Centrão em 2022
Isac Nóbrega/PR

Em 2018, houve uma grande onda de outsiders, candidatos da "nova política" que, em muitos casos, derrotaram políticos "tradicionais". Eleito presidente da República, Jair Bolsonaro (PL) vendeu uma imagem de candidato antissistema — embora fosse parlamentar, de atuação inexpressiva, havia 29 anos.

Nesse movimento, foram eleitos governadores os empresários João Dória (PSDB-SP) e Romeu Zema (Novo-MG); o ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC-RJ); o advogado Ibaneis Rocha (MDB-DF); o coronel do Corpo de Bombeiros Carlos Moisés (PSL-SC); e o apresentador de televisão Wilson Lima (PSC-AM).

Além disso, foram eleitos parlamentares integrantes do Movimento Brasil Livre (MBL), como Arthur do Val (DEM-SP); o ex-ator pornô Alexandre Frota (PSL-SP); a ex-juíza Selma Arruda (PSL-MT); a pastora Flordelis (PSD-RJ); e diversos policiais, como Daniel Silveira (PSL-RJ).

Contudo, muitos desses outsiders sofreram reveses depois de serem eleitos. Em São Paulo, Dória renunciou ao governo do estado e não conseguiu viabilizar sua candidatura a presidente. No Rio, Witzel foi condenado por crimes de responsabilidade por causa de fraudes na compra de equipamentos e na celebração de contratos durante a epidemia de Covid-19 — e acabou destituído. Moisés e Lima também foram alvos de processos de impeachment — o primeiro, duas vezes —, mas conseguiram continuar no cargo.

Alguns parlamentares que surfaram na "nova onda" tiveram seus mandatos cassados, como a ex-senadora Selma Arruda (por uso de caixa dois nas eleições) e a ex-deputada federal Flordelis (por coagir testemunhas e ocultar provas do homicídio de seu ex-marido, o pastor Anderson do Carmo, crime pelo qual responderá no Tribunal do Júri). Após o vazamento de áudio em que fez comentários sexistas contra refugiadas ucranianas, e a consequente abertura de processo por quebra de decoro parlamentar, Arthur do Val renunciou ao posto de deputado estadual em São Paulo.

O deputado federal Daniel Silveira foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal a oito anos e nove meses de reclusão pelos crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal) e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União (artigo 23 da Lei de Segurança Nacional — Lei 7.170/1973). Bolsonaro concedeu-lhe o benefício da graça (perdão de pena judicial) e Silveira se lançou candidato a senador. No entanto, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio formou maioria, nesta sexta-feira (2/9), para indeferir sua candidatura.

Outros outsiders tornaram-se políticos "tradicionais". Jair Bolsonaro fez aliança com o Centrão e disputa a reeleição por um partido do bloco, o PL. Romeu Zema e Ibaneis Rocha têm gestões sem grandes rupturas com o normal e buscam novos mandatos. Como deputado federal, Alexandre Frota rompeu com o bolsonarismo e apresentou diversos projetos de lei sobre pautas associadas à esquerda. Entre eles, um que busca punir clubes e organizadores de eventos esportivos por atos de racismo e LGBTfobia e um que reserva vagas a mulheres em concursos públicos.

Impacto da 'lava jato'
As pesquisas para as eleições de outubro apontam para o triunfo de políticos mais "tradicionais". Na disputa da Presidência da República, os dois principais candidatos são Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o país por oito anos, e Bolsonaro, que está no cargo há quatro anos e incorporou as práticas mais comuns do ramo.

Nos estados, há poucos outsiders com reais chances de vitória. E a expectativa é que, ao contrário de 2018, o Legislativo não tenha muitos representantes de fora do mundo político.

O sociólogo e cientista político Antonio Lavareda avalia que a onda de outsiders de 2018 foi causada por um cenário crítico, decorrente do impeachment de Dilma Rousseff, da "lava jato" — que prendeu diversos políticos e tirou Lula da disputa a presidente — e da crise econômica.

Segundo ele, uma vez que Bolsonaro não sofreu impeachment e a "lava jato" desapareceu de cena, o assunto mais importante passou a ser a economia, e não mais a corrupção, como há quatro anos. Lavareda também ressalta que diversos outsiders agora concorrem à reeleição com o figurino de candidatos "tradicionais", como o presidente.

O professor Bruno Carazza, autor do livro Dinheiro, eleições e poder: as engrenagens do sistema político brasileiro, diz que, em 2018, os outsiders tiveram um protagonismo maior porque era o primeiro pleito pós-impeachment de Dilma e a "lava jato" ainda estava no auge. "Sendo assim, imperava um forte sentimento antipolítica na população, o que impulsionou candidatos estreantes ou com pouca tradição na política."

"Neste ano, temos várias tendências que apontam na mesma direção: o fim da 'lava jato', o mau desempenho de muitos desses outsiders (que pagaram um preço por não possuírem experiência política) e o fortalecimento de mecanismos da política tradicional, como o fundo eleitoral e o orçamento secreto. Essa tendência já havia sido observada na eleição de 2020 e parece que irá se repetir em 2022", analisa Carazza.

Porém, o professor ressalta que sempre há espaço para candidaturas de outsiders, especialmente para cargos no Legislativo. "E tanto é assim que os partidos promoveram uma intensa disputa para filiar lideranças religiosas, militares e celebridades e os lançarem como candidatos a deputado e senador."

"O sistema é um trem que não sai da linha, e vai atropelar quem ficar na frente", afirma o sociólogo e cientista político Alberto Carlos de Almeida. Após o abalo causado pela "lava jato" e pela crise econômica — impulsionada pela autodenominada força-tarefa, especialmente em estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais —, o sistema político se recompôs, limitando a entrada de forasteiros, de acordo com ele.

Aliás, o ex-juiz Sergio Moro (União Brasil) enfrenta dificuldades em suas candidaturas a senador e deputado federal pelo Paraná, respectivamente. Moro está 11 pontos atrás de seu antigo aliado Alvaro Dias (Podemos) na disputa pelo Senado, de acordo com pesquisa recente do Ipec.

Deltan Dallagnol é candidato a deputado federal pelo Paraná e está elegível pelo fato da condenação do TCU ser recorrível.

*Notícia atualizada às 15h59 de 8/9, e às 16h55 de 13/9, em cumprimento a determinações judiciais no processo 0602211-38.2022.6.16.0000 do TRE-PR.

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