Opinião

STF e os tubarões à la "fishing expedition": um cardápio indigesto no "menu criminal"

Autor

  • Thiago de Miranda Coutinho

    é graduado em Jornalismo e Direito especialista em inteligência criminal coautor de três livros articulista e agente de Polícia Civil e integrante do corpo docente da Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina.

1 de setembro de 2022, 18h25

Ainda no mês passado, abordamos em artigo a chamada "Fishing Expedition"; termo que em português significa "expedição de pesca" ou "pesca probatória".

Frisa-se que a expressão faz referência à "procura especulativa, no ambiente físico ou digital, sem 'causa provável', alvo definido, finalidade tangível ou para além dos limites autorizados (desvio de finalidade), de elementos capazes de atribuir responsabilidade penal a alguém", como apregoa a doutrina do magistrado catarinense Alexandre Morais da Rosa [1].

No entanto, embora o assunto abordado em texto pretérito ("Prestações de contas eleitorais: uma isca à chamada 'Fishing Expedition' criminal"[2] tenha sido quanto à previsibilidade de um eventual uso da "Fishing Expedition" nas atualizações normativas a respeito das prestações de contas para as eleições, outra vez a pauta emergiu das águas processuais penais brasileiras. Porém agora, mais contundente, preocupante e, trazendo consigo, reflexões "espinhosas".

Isso porque nestes dias oito dos maiores empresários brasileiros tiveram em seu desfavor ordens de busca e apreensão, quebra de sigilo e até mesmo de bloqueio bancário, determinadas pelo Supremo Tribunal Federal.

A decisão da Suprema Corte teria se dado em detrimento de um pedido da Polícia Federal no inquérito que investiga "milícias digitais" e apura supostas ações de organização e financiamento de eventuais atos contra o Estado democrático de Direito previstos para o 7 e Setembro, cuja relatoria é do eminente ministro Alexandre de Moraes.

Subsidiando o pedido da Polícia Federal ao Supremo, teria sido apontado o artigo 359-L, do Código Penal, que penaliza com "reclusão de quatro a oito anos de prisão, além da pena correspondente à violência", "Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais"

Tal capitulação penal teria se dado por conta do teor das conversas postadas em um grupo privado de Whatsapp que os empresários integram e reveladas, não se sabe como, por um canal jornalístico.

Ante toda essa rigorosa movimentação estatal, parece clara a necessidade do órgão investigador em prospectar elementos probantes por meio das ações desencadeadas (buscas e apreensões, quebras de sigilo e bloqueios bancários) contra os empresários.

Ocorre que pairam severas dúvidas quanto à real tipificação das aludidas mensagens às vésperas de um 7 de Setembro que, dado ao clima de radicalismo político instalado no país, não promete ser nada festivo. Ou seja, questiona-se: até que ponto as opiniões propagadas em um grupo privado de mensagens, romperia o "mar da opinião política" e navegaria no "oceano criminoso" contra o Estado brasileiro?

Dessa forma, o que se avista é algo iniciado a partir de meras elucubrações e, assim como na "Fishing Expedition", não se vislumbraria no caso concreto, indícios capazes de justificar ações tão invasivas e contundentes como as deflagradas.

Nessa senda, repisa-se o defendido no artigo do mês passado que "com isso, a 'Fishing Expedition' visa localizar, indiscriminadamente, algum tipo de indício 'descamando' o 'peixe' a ser 'fisgado'. Aqui, os 'anzóis', 'arpões' e 'redes' podem ser chamados de interceptações telefônicas, telemáticas, quebra de algum tipo de sigilo (fiscal, bancário), relatórios de inteligência financeira e, até mesmo, de mandados de busca e apreensão".

Todo esse aparente desvio de finalidade, nos apontamentos dos doutrinadores Vivian da Silva, Philipe Benoni e Alexandre Morais da Rosa, guardaria similitude com a tida "causa provável" que, "por sua vez, constitui-se pelo suporte fático externo e independente da subjetividade do agente público, capaz de autorizar inferência válida e robusta sobre a probabilidade de ocorrência de uma conduta criminalizada, justificadora da restrição de Direitos Fundamentais" [3].

Por fim, causa veemente inquietude acompanhar o "jogar de uma rede" em busca de achar algo pra "por à mesa". Não obsta-se, portanto, de ratificar o desejo de que toda a fase introita da persecução penal esteja dentro das colunas que sustentam as regras constitucionais, sob pena das investigações serem pautadas na afrontosa "Fishing Expedition", que tanto desequilibra o devido processo legal.

Aos navegantes do Direito Penal e Processual Penal  perplexos com tantas iscas, anzóis, arpões e tubarões , fica o ditado de que "mar calmo nunca fez bom marinheiro".

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Referências
ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Estratégico: de acordo com a Teoria dos Jogos. 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p. 389-390).

SILVA, Viviani Ghizoni da. MELO E SILVA, Philipe Benoni. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Fishing expedition e encontro fortuito na busca e na apreensão: um dilema oculto do processo penal. 2. ed. Florianópolis: Emais, 2022.


[1] ROSA, Alexandre Morais da. Guia do Processo Penal Estratégico: de acordo com a Teoria dos Jogos. 1ª ed., Santa Catarina: Emais, 2021, p. 389-390).

[2] COUTINHO, Thiago de Miranda. Prestações de contas eleitorais: uma isca à chamada 'Fishing Expedition' criminal. Portal Migalhas. Agosto — 2022.

[3] SILVA, Viviani Ghizoni da. MELO E SILVA, Philipe Benoni. MORAIS DA ROSA, Alexandre. Fishing expedition e encontro fortuito na busca e na apreensão: um dilema oculto do processo penal. 2. ed. Florianópolis: Emais, 2022.

Autores

  • é jornalista, especialista em Inteligência Criminal, agente de Polícia Civil em Santa Catarina, graduando em Direito pela Univali, coautor de três livros sobre Direito e autor de diversos artigos jurídicos.

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