Opinião

Mais um fórum europeu: a criação da Comunidade Política Europeia

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

25 de outubro de 2022, 19h38

O ano de 2022 será conhecido como o primeiro em que se vislumbra um lento retorno à normalidade pós-Covid e o início da guerra na Ucrânia, provocada pela Rússia, em 24 de fevereiro de 2022.

Esse cenário de instabilidade gerou efeitos drásticos na economia regional europeia: inflação e insegurança energética, frente à dependência do gás russo. Tal situação tende a agravar com a chegada do inverno no hemisfério norte e a diferença de reservas de cada um dos países europeus. Por exemplo, Itália, Grécia e Alemanha, além dos pequenos países no Leste Europeu, são dependentes do gás russo. Lado outro, a França possui baixa dependência energética russa, devido a sua estrutura de energia nuclear.

A combater essa realidade, a Alemanha se utiliza de diferentes estratégias, como a compra de 99% das ações da empresa alemã Uniper. Trata-se da maior empresa alemã que importa gás russo e, tal ação governamental, objetiva assegurar as provisões de gás no país. A nacionalização consistiu no gasto de oito bilhões de euros na aquisição de aço e de mais 8 bilhões na disponibilização de capital de giro para a empresa continuar em operação. Essa realidade, todavia, não é permitida a outros países que não possuem orçamento público de mesmo nível [1]. Além disso, o governo alemão, ao nacionalizar com o objetivo de assegurar o interesse público da sociedade, demonstra que a propriedade privada deve cumprir com a sua função social, sendo passível a sua desapropriação a fim de assegurar a supremacia do interesse público, como insculpido também na Constituição Federal do Brasil de 1988 (artigo 5, incisos XXII, XXIII e XXIV) [2].

No plano político, os países do continente europeu, frente a continuidade das hostilidades russas na Ucrânia, o aumento da inflação e a insegurança energética, reuniram-se em Praga, capital da República Tcheca, em outubro de 2022, em um novo fórum de caráter político regional: a Comunidade Política Europeia (CPE). Trata-se de ideia originária do presidente francês Macron em maio de 2022, em que entendia que os países no continente europeu deveria estabelecer cooperação para além da União Europeia [3].

Frente à existência da larga estrutura da União Europeia (UE), dos fóruns do G7 (em sua maioria, países europeus — França, Itália, Alemanha e Reino Unido —, à exceção do Japão, Canadá e Estados Unidos) e G20 (em que a própria UE é um dos membros, além dos citados países europeus do G7), do Conselho da Europa (formado por 46 países e não consiste no Conselho Europeu, este parte da UE, formado pelos Chefes de Estado e de Governo dos seus 27 países-membros), observa-se a criação de mais um fórum no continente europeu [4]. Outro agrupamento que trata sobre segurança no continente europeu é a Organização do Tratado do Atlântico Norte, que possui virtualmente quase todos os países a compor a CPE.

A CPE é marcada, frente ao contexto político e econômico de 2022, pelo isolamento da Rússia e Belarus, este último apoiador das agressões em território ucraniano. Dentre os temas discutidos, observa-se a questão da segurança regional, migrações, emergia e clima [5].

Todavia, a reunião de diferentes países da UE e não-membros, sejam candidatos ou não, não afasta a existência de fortes divergências entre tais Estados. A citar, a relação conturbada do Reino Unido e países da União Europeia, uma vez que se decidiu sair do bloco em 2016 pelo referendo e a conclusão do divórcio ocorreu somente em 2020. Tal saída ainda gera conflitos tais como a questão da fronteira entre Irlanda e Irlanda do Norte.

Outro exemplo são as querelas entre Turquia e Grécia, os conflitos intermitentes entre Armênia e Azerbaijão, além da instável situação dos países dos Balcãs. Nesse último, o Kosovo foi convidado como membro observador, por não ser considerado um Estado por parte dos países europeus. Além dele, a Sérvia também esteve presente e demais países de longa data candidatos à entrada no bloco europeu. Por fim, Ucrânia e Moldávia também estiveram presentes como os mais novos candidatos com interesse em ingressar na União Europeia [6].

O próprio termo "comunidade" na CPE suscita questionamentos quanto a sua estrutura no futuro. Outros países, como o Reino Unido, preferem o termo "fórum" por ser mais adequado e afastar da nomenclatura típica da estrutura do bloco europeu.

A próxima reunião está programada para ocorrer na Moldávia, consistindo em sinal político para a aproximação do país na UE, por ter sido reconhecida a sua candidatura ao ingresso no bloco recentemente, devido à guerra no país vizinho. As próximas reuniões estão indicadas a ocorrer na Espanha e no Reino Unido.

A participação do Reino Unido, inclusive como anfitrião em uma futura reunião do fórum, permite questionar qual seria a relação entre a ilha e o continente europeu [7]. Apesar da UE ser o maior parceiro do Reino Unido, o país adotou uma posição de afastamento do bloco, direcionando-se sua política comercial para a Ásia, principalmente com Cingapura, Austrália e Nova Zelândia, além das tratativas a ingressar no CPTPP [8]. Nesse sentido, deve-se analisar qual seria a linha de atuação do Reino Unido no plano externo.

Por fim, a criação de mais um fórum, com sua estrutura ainda indefinida para fins de Direito Internacional, coloca em debate a legitimidade de outras organizações internacionais existentes no continente europeu. A necessidade dos países e blocos nesse continente de se concertarem em novas geometrias de poder indica que as estruturas anteriores, sejam fóruns ou organizações internacionais, seriam incapazes de promover soluções eficazes para os desafios contemporâneos. Certo é que, uma vez criada determinada organização internacional, dificilmente esta seria extinta. Normalmente ela passa a existir juntamente com outras estruturas, sendo incorporada em outros organismos. A evolução das estruturas internas da União Europeia é exemplo de constante criação e integração de organismos em seu conjunto.

 


[1] EDDY, Melissa. German Government Nationalizes Uniper in Move to Secure Energy Supply. The New York Times. September 21th, 2022. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2022/09/21/business/germany-uniper-nationalized.html>. Acesso em: 7 out. 2022.

[2] BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 7 out. 2022.

[3] TIDEY, Alice. European Political Community: Europe hails united stand over Russia's war in Ukraine. Euronews. October 7th, 2022. Disponível em: <https://www.euronews.com/my-europe/2022/10/06/european-political-community-european-leaders-gather-to-discuss-new-club-of-nations>. Acesso em: 7 out. 2022.

[4] COUNCIL OF EUROPE. The Council of Europe in brief. Do not get confused. Disponível em: <https://www.coe.int/en/web/about-us/do-not-get-confused>. Acesso em: 7 out. 2022.

[5] RTS. La "Communauté politique européenne" marque l'isolement de la Russie. 7 septembre 2022. Disponível em: <https://www.rts.ch/info/monde/13446522-la-communaute-politique-europeenne-marque-lisolement-de-la-russie.html>. Acesso em: 7 out. 2022.

[6] LYNCH, Suzanne; CAULCUTT, Clea. European leaders giddy with new forum — as long as they overlook lingering tension. Politico. October 7th, 2022. Disponível em: <https://www.politico.eu/article/european-political-community-leaders-new-forum-overlook-lingering-tension-epc/>. Acesso em: 7 out. 2022.

[7] THE ECONOMIST. Meet the brand-new European Political Community. October 6th, 2022. Disponível em: <https://www.economist.com/europe/2022/10/06/meet-the-brand-new-european-political-community>. Acesso em: 7 out. 2022.

[8] UNITED KINGDOM. Trade Secretary secures major trade bloc milestone ahead of Asia visit. February 18th, 2022. Disponível em: <https://www.gov.uk/government/news/trade-secretary-secures-major-trade-bloc-milestone-ahead-of-asia-visit>. Acesso em: 17 out. 2022

Autores

  • é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin)

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!