Contas à Vista

Do seu bolso para a urna: o imposto como cabo eleitoral

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

11 de outubro de 2022, 8h00

Diz um ditado popular que feio é perder. Isso é aplicável no Brasil de forma grotesca, há anos, nas eleições.

Spacca
Em 1986 tivemos o caso do governo Sarney, que usou o Plano Cruzado e o tabelamento de preços como arma eleitoral e elegeu 22 dentre 23 governadores, adotando medidas econômicas duríssimas na semana seguinte, que foram adiadas com os olhos na eleição.

Em 1998 o governo FHC criou a reeleição para chefes do Executivo, sendo permitida inclusive para si mesmo, tendo sido mantido o câmbio congelado durante o plano real como arma eleitoral. Dias após vencer o pleito, o câmbio deu um salto e o Brasil quase vai ladeira abaixo. Registre-se que FHC já reconheceu o erro da adoção da reeleição no Brasil.

Os exemplos poderiam se multiplicar, antes e depois da Constituição de 1988, mas nada se compara ao que está sendo feito pelo governo Bolsonaro, que, inclusive, havia se comprometido a não disputar a reeleição, caso fosse eleito em 2018  o que foi esquecido.

Alguns exemplos concretos podem esclarecer essa afirmação, sempre considerando as vésperas do 2º turno das eleições. Semana passada, logo após o 1º turno, o presidente Bolsonaro, em busca de sua reeleição, decidiu gastar mais de R$ 6 bilhões, sendo mais 477 mil famílias incluídas no auxílio Brasil e mais de 200 mil famílias recebendo auxílio gás, sem contar o pagamento de 13º salário no auxílio Brasil e o pagamento de benefício extra para cada taxista no valor de R$ 500.

Recentemente foi estabelecida a redução de impostos federais sobre os combustíveis (Decreto 10.638/21), além da camisa de força sobre os tributos estaduais, o que é estimado em R$ 53 bilhões. Os devedores do Fies tiveram o perdão quase integral de suas dívidas (Lei 14.375/22). E até desconto de 90% para os inadimplentes com a Caixa Econômica Federal entrou no jogo eleitoral.

É interessante ler o levantamento realizado por Marcos Lisboa e Marcos Mendes que lista diversas medidas adotadas pelo governo. Embora o rol seja longo, serão consideradas apenas as mais recentes e vinculadas ao tema: 1) PEC Kamikaze (EC 123/22), que aumentou o valor do auxílio Brasil até dezembro/22; e concedeu diversos outros auxílios para a base eleitoral do governo, como para taxistas, caminhoneiros, etc. e o vale gás; 2) imunidade tributária de IPTU sobre imóveis alugados para templos religiosos (EC 116/22); 3) prorrogação de diversas espécies de benefícios fiscais; 4) redução dos encargos do Prouni (menor número de bolsas) para que as empresas do setor educacional recebessem verbas públicas (Lei 14.350/22); 5) melhor remuneração aos servidores dos extintos Territórios Federais (MP 1122/22); dentre muitos outros atos normativos que foram listados pelos autores.

O teto de gastos está cheio de goteiras, pois, além da PEC Kamikaze (EC 123/22), foi pedalado o pagamento dos precatórios federais (EC 113 e 114/21), além da PEC Emergencial (EC 109), dirigida aos gastos com a Covid-19, muito mal gerenciada, como se viu exposto na CPI que investigou o assunto, com fortes suspeitas de corrupção e a ampliação do número de mortes em face do retardo na contratação de vacinas e recomendação de remédios para piolhos e vermes contra o vírus.

Toda essa despesa fiscal gerou cortes (contingenciamento) no orçamento para educação, cultura, saúde, inovação etc. (ver, dentre outras, a Portaria SETO/ME 8.893, de 06/10/22).

O que foi exposto é um tiquinho perto do escândalo do orçamento secreto, que injetou mais de R$ 6 bilhões diretamente aos apoiadores do atual governo, conforme revela Breno Pires, com amplas suspeitas de superfaturamento (corrupção). O orçamento é secreto, mas suas intenções são transparentes: reeleição.

Claro que, com tudo isso, a bancada parlamentar que apoia o governo se expandiu, e houve uma reversão na expectativa de votos para o presidente candidato à reeleição, que ampliou seu eleitorado.

Observados esses fatos, incontestes, deve-se tecer algumas considerações.

A miséria e a pobreza no país ajudam os políticos a se eleger e reeleger. Logo, bolsas esmolas, de qualquer valor, desconectadas de um plano para superar a indigência serão, sempre, eleitorais.

O governo atual perdeu qualquer pudor em usar o dinheiro público para vencer as eleições.

Parte disso é busca direta de compra de votos, outra parte são políticas econômicas erradas, igualmente voltadas à reeleição, que gerarão impacto fiscal relevante e imediato, tal como ocorreu em 1986 e 1998, exemplificativamente.

Para cobrir esse rombo eleitoral os tributos serão inexoravelmente majorados em breve, atingindo seu bolso, caro contribuinte. Não é à-toa que a carga tributária multiplicou fortemente desde 1986 para cá.

O papel do TSE não pode se restringir à análise da logística eleitoral, como a questão das urnas eletrônicas, o que vem fazendo com perfeição, mas deve ser também o de guardião da paridade de armas eleitorais, a fim de que todos os candidatos tenham efetivamente iguais chances nas eleições, em especial com os olhos voltados ao que determina a Constituição, que veda o abuso de poder econômico (artigo 14, §10).

Se não corrigirmos isso, não teremos uma república, mas apenas um simulacro democrático, formalista.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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