Opinião

Índice de Desenvolvimento Humano retrocede dois anos seguidos

Autor

  • Thiago Ferreira Almeida

    é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige) doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG pesquisador associado no Centro de Excelência Jean Monnet (Erasmus+ & UFMG) professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin).

5 de outubro de 2022, 9h06

O recente relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) apresento o seu mais recente relatório sobre o Índice de Desenvolvimento Humano, que demonstrou pela primeira vez um decréscimo em dois anos seguidos, desde o início da publicação dos seus dados na dedada de 1990 [1]. O decréscimo do IDH é paradigmático ao alterar o longo o curso de crescimento positivo ao longo de mais de três décadas.

O decréscimo é, como de ciência de todos, decorrente dos efeitos da pandemia do Covid-19 e da guerra da Ucrânia que promoveu alterações sensíveis na economia global.

Apesar do relatório ressaltar que até julho de 2022, 72% da população mundial havia recebido pelo menos uma dose, o que deve ser entendido como um marco relevante, considerando que as vacinas contra o Covid-19 foram desenvolvidas em menos de um ano, ainda existem países de baixa renda per capita que não possuem acesso às vacinas. Em síntese, enquanto países possuem doses em que deliberadamente determinados indivíduos decidem não se vacinar, em outros países persiste a desigualdade do tratamento por não possuírem condições de se imunizarem. Em países de baixa renda per capita, somente 21% dos seus cidadãos foram vacinados com pelo menos uma dose até a mesma data referida.

Além disso, a pandemia do Covid-19 e a guerra na Ucrânia relegaram as discussões sobre mudanças climáticas e transição por uma economia sustentável para um segundo plano, frente aos efeitos de curto prazo nos sistemas econômicos dos países.

A questão energética na Europa, dependente das exportações de gás russo, demostra o conflito entre a alta dos preços de energia, o debate sobre a disponibilidade energética no próximo inverno e a transição para um sistema econômico sustentável a combater o aquecimento global. Observa-se que, se os países já tivessem adotado medidas de produção energética renováveis, estariam em uma posição menos dependente de recursos fósseis como o que se observa hodiernamente. Ressalta que a crise energética é estritamente uma questão europeia e não global, uma vez que os Estados Unidos aumentaram as suas exportações para a Europa, frente a redução do gás russo [2].

Outra questão interessante é a necessidade de se compreender os efeitos a longo prazo da disputa entre europeus e russos quanto à disponibilidade de gás. As sucessivas interrupções e reduções da exportação do gás russo à Europa possuem um efeito positivo de curto prazo, principalmente quanto ao aumento do valor da commodity em benefício russo. Por sua vez, ciente da instabilidade com que os países europeus se encontram com a Rússia, estes adotarão uma postura diferenciada a longo prazo, primando pela aceleração na implantação de programas de energia verde e no estabelecimento de importações de outros fornecedores, como os países do Oriente Médio, Norte da África e os Estados Unidos [3].

Quanto à guerra na Ucrânia, à exceção dos países desenvolvidos, nenhum país emergente ou em desenvolvimento aplicou sanções econômicas à Rússia, uma vez que apresentam economias mais frágeis, em delicada situação fiscal de retomada do crescimento econômico e das exportações. Em dados específicos, a 3/4 da população mundial vivem em países em que os governos declinaram de aplicar sanções econômicas à Rússia.

Por outro lado, os países que aplicaram sanções econômicas representam, em termos percentuais, 70% do PIB global [4]. Trata-se da adoção de uma posição pragmática, uma vez que a pandemia do Covid-19 ainda perdura efeitos negativos nas economias domésticas dos países emergentes e em desenvolvimento, a citar os altos índices de desemprego e de trabalho informal, redução da renda das famílias, aumento da inflação e zero ou baixo percentual de crescimento do PIB.

Em julho de 2022, a Conferência das Nações Unidas para o comércio e Desenvolvimento (United Nations Conference on Trade and Development  Unctad) publicou o mais atual relatório anual sobre o fluxo de investimentos internacionais no mundo [5]. Em linhas gerais, o relatório da Unctad de 2022 sintetiza a situação internacional, no que se refere ao fluxo dos investimentos aos países conforme a sua exposição direta ou indireta, quanto a três questões de maior importância: alimentos, combustível e finanças.

A exemplo do caso brasileiro, conforme dados da Pnad Contínua do 2º trimestre de 2022, o país enfrenta uma taxa de 9,3% de desempregados correspondendo a dez milhões de brasileiros [6]. A nível mundial, a taxa média de desemprego é de 6,5% [7]. Dessa forma, a questão econômica-social brasileira decorre tanto dos efeitos globais como a pandemia do Covid-19 e da gGuerra da Ucrânia, como também da persistência de uma crise interna desde 2015.

Pode-se falar em uma nova década perdida no Brasil desde 2015, caracterizada por uma recuperação mínima durante os anos 2017-2019 e o aprofundamento da crise a partir da pandemia do Covid-19. A taxa média real de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro na década de 2011-2020 foi de -0,1%, enquanto que na década de 20012010 foi de 3,7% [8].

A situação de déficit fiscal, por sua vez, é mais crítica para os países emergentes e em desenvolvimento, que confrontam com cenário de restrição orçamentária, desemprego e inflação acelerada, a provocar o aumento da miséria e fome.

Ressalta-se que, além do conflito na Ucrânia, outros países ainda se encontram em guerras civis ou em governos frágeis, ou mesmo subjugados por golpes militares, a citar: Síria, Líbia, Iêmen, República Centro-Africana, Somália, Etiópia, Haiti, Myanmar, Sri Lanka e outros [9].

Portanto, as relações comerciais devem ser analisadas sob o prisma do desenvolvimento, cujos efeitos são sentidos de forma diferenciada entre países desenvolvidos, emergentes e em desenvolvimento.

Os dados do IDH, bem como as taxas de crescimento do PIB mundial são essenciais na construção de políticas públicas nacionais e em programas internacionais direcionados ao retorno do crescimento e redução das desigualdades sociais. O estudo do comércio e do investimento globais insere-se, dessa forma, como ferramenta a contribuir ao desenvolvimento das nações.


[1] UNITED NATIONS DEVELOPMENT PROGRAMME. Human Development Report 2021/2022. Uncertain Times, Unsettled Lives: Shopping our Future a Transforming World. 2022. Disponível em: <https://www.undp.org/egypt/publications/human-development-report-2021-22-uncertain-times-unsettled-lives-shaping-our-future-transforming-world>. Acesso em: 9 set. 2022.

[2] BIROL, Fatih. Three myths about the global energy crisis. Financial Times. September 5th, 2022. Disponível em: <https://www.ft.com/content/2c133867-7a89-44d0-9594-cab919492777>. Acesos em: 9 set. 2022.

[3] BIROL, Fatih. Three myths about the global energy crisis. Financial Times. September 5th, 2022. Disponível em: <https://www.ft.com/content/2c133867-7a89-44d0-9594-cab919492777>. Acesos em: 9 set. 2022.

[4] GREEN, Mark. Countries That Have Sanctioned Russia. May, 22th, 2022. Disponível em: <https://www.wilsoncenter.org/blog-post/countries-have-sanctioned-russia>. Acesos em: 9 set. 2022.

[5] UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT  UNCTAD. World Investment Report 2022. June 2022. Disponível em: <https://unctad.org/webflyer/world-investment-report-2022>. Acesso em: 22 jun. 2022.

[6] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Desemprego. PNAD Contínua. 2º trimestre de 2022. Disponível em: <https://www.ibge.gov.br/explica/desemprego.php>. Acesso em: 9 set. 2022.

[7] UNITED NATIONS . Statistics Division. Disponível em: <https://unstats.un.org/sdgs/report/2021/goal-08/>. Acesso em: 9 set. 2022.

[8] BALASSIANO, Marcel. Década cada vez mais perdida na economia brasileira e comparações internacionais. Fundação Getúlio Vargas. 2 jul. 2020. Disponível em: <https://portal.fgv.br/artigos/decada-cada-vez-mais-perdida-economia-brasileira-e-comparacoes-internacionais>. Acesso em: 22 set. 2022. Outros autores também analisam a conjuntura brasileira na década de 2011-2020 confirmando a afirmação de crise econômica: CORSI, Francisco L. A Economia Brasileira em Tempos de Pandemia. In: CORSI, Francisco L.; SANTOS, Agnaldo dos; MENDONÇA, Marina G. de. A Conjuntura Latino-Americana. Instabilidade e Resistência. 1 ed. Marília, SP: Projeto Editorial Praxis, 2021, p. 167-169; CORSI, Francisco L. A recuperação da economia brasileira: uma falsa euforia. XXI Fórum de Análise de Conjuntura "Covid-19: América Latina e os impactos multidimensionais da pandemia". Jun. 2021. Unesp. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2021/artigo-francisco-luiz-corsi.pdf>. Acesso em: 22 set. 2022; ROSSI, Pedro; MELLO, Guilherme. Choque recessivo e a maior crise da história: A economia brasileira em marcha à ré. Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – IE/Unicamp Nota do Cecon, nº 1, Abril de 2017. Disponível em: <https://www3.eco.unicamp.br/images/arquivos/NotaCecon1_Choque_recessivo_2.pdf>. Acesso em: 22 set. 2022.

[9] UNITED NATIONS. 2021 Year in Review: UN support for countries in conflict. December 28th, 2021. Disponível em: <https://news.un.org/en/story/2021/12/1108352>. Acesso em: 26 jul. 2022.

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  • é advogado e pesquisador convidado de doutorado na Faculdade de Direito da Universidade de Geneva (Unige), doutorando em Direito Internacional do Investimento na Faculdade de Direito da UFMG, professor e coordenador no Centro de Direito Internacional (Cedin)

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