Opinião

O gesto nazista em SC: "nem tudo que parece é, mas tudo que é parece"

Autor

  • Mauro de Azevedo Menezes

    é advogado ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016-2018 governos Dilma e Temer) mestre em direito público e doutorando em ciências jurídicas e políticas.

7 de novembro de 2022, 10h35

Todos conhecem a anedota do marido traído que, ao descobrir-se assim, resolveu o problema: vendeu o sofá da sala, local em que aconteceu o "crime".

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Aos fatos.

Já é de conhecimento do mundo o ocorrido em São Miguel do Oeste (SC). Um grupo de pessoas se empolgou nos protestos anti-resultado-eleitoral e cantou o hino nacional fazendo o conhecido e tradicional (e nefasto) gesto da saudação nazista.

O Ministério Público de Chapecó, uma vez que abrira investigação preliminar, precipitou-se e arquivou. Os promotores acreditaram em um áudio. Vai para o Guinness Book a rapidez da investigação.

Sim, o organizador "resolveu" o problema mandando uma mensagem de voz para o comandante da polícia. Ali dizia que não houve nada de nazismo. O que ocorreu foi um gesto de fé. E o MP acreditou.

Spacca
Mientras, os subscritores deste artigo, mais Marcelo Cattoni e Ranieri Rezende fizemos representação ao Ministério Público Federal (leia aqui).

Mais: neste momento já a embaixada da Alemanha, comunidades judaicas e a torcida do Flamengo protestaram. Porque ninguém acreditara na versão do Ministério Público Estadual. Nem o próprio MP de Santa Cataria, na sua cúpula, acreditou, porque já na quinta-feira designou um promotor para apurar o que ocorreu.

A versão na qual o MP de São Miguel do Oeste acreditou foi a seguinte: o líder do evento, Itamar Schons, disse que pegou o microfone para tentar animar o grupo de bolsonaristas. "Era para erguer a mão em direção ao Exército como se estivesse pedindo ajuda", diz trecho do áudio. Ele ainda afirmou que a iniciativa buscava apenas passar uma "energia positiva" ao público.

Ah, bom. Erguer a mão em direção ao Exército? Buscar "energia positiva"? Ah, não faz assim, Itamar. Arruma outra.

E aqui entra o preclaro advogado Brendo Barroso, até agora desconhecido.

Vejamos.

A vereadora do PT da cidade, Maria Tereza Capra, postara nas suas redes a sua indignação, com críticas fortes ao que ocorrera. Afinal, aquela gente toda fazendo o gesto nazista assustara parcela considerável do Brasil e do mundo.

A reação do doutor Brendo foi imediata. Protocolou, correndo, pedido de cassação da vereadora. Foi contundente. Disse que a cidade chora indignada com a vereadora, que ofendera não só SMO, como o estado de Santa Catarina. E, pior, a Câmara, reunida no dia 3, rapidamente, atropelando legislação, acatou pedido para abertura de processo para cassar a edil petista.

Inverteram tudo. O doutor Brendo e os vereadores a favor da abertura do processo de cassação, em vez de se indignarem com os manifestantes, indignaram-se com a vereadora. Mataram o mensageiro porque não gostaram da mensagem.

E colocaram o sofá à venda. Quem vai comprar? 

Vão passar pano para os manifestantes que fizeram os gestos e pediram golpe de Estado? Vejam: o fato de pedirem intervenção do Exército já seria suficiente para um legislativo fazer uma nota de repúdio. E não querer cassar quem faz a crítica.

 Aliás: o doutor . Brendo, como advogado, concorda com golpe de Estado? Hein? Concorda com intervenção militar? Um advogado jamais pode concordar com isso. O que diz a OAB sobre isso? A conduta do doutor Brendo é ética?

E vemos na Câmara gente do MDB. Será que os vereadores sabem o que significou, historicamente, a sigla? MDB foi resistência à ditadura, cara pálida! Pobre de nossa Constituição. O que diria Ulysses Guimarães, que dizia "tenho nojo da ditadura", dessa gente que hoje pede intervenção militar? Que feio, senhores vereadores. Que feio.

Seguimos.

Senhoras e senhores. Se alguém furta um porco e sai com ele nas costas, não adianta dizer que está levando o suíno para passear.

Pouco importa a opinião do furtador do porco. Assim como pouco importa a opinião do líder da manifestação e quem teve a "brilhante" ideia de fazer a famosa saudação nazista.

Importa, mesmo, nesse tipo de crime, é o receptor e não o emissor e sua subjetividade. Alguém que está com o dedo da mão (o dedo pai de todos) esticado (com os demais para trás) está fazendo o gesto ofensivo. Pouco importa se alega, depois, que estava com câimbra.  

O gesto nazista é o gesto conhecido. Marcado no imaginário social. Há uma communis opinium acerca dele. Isso é o que vale, doutor Brendo. Eles não queriam fazer o gesto? Pouco importa. Fizeram.

Melhor que querer cassar a vereadora, melhor que passar pano para gestos nazistas, seria você ajudar a apurar os fatos. Fazer um cursinho com os que estavam no evento e lhes ensinar que esse gesto é, sim, nazista (supondo que não saibam).

Aliás, se o gesto dos amigos do doutor Brendo é liberdade de expressão, a pergunta que cabe vai para ele é: criticar aquilo que foi feito "sob o manto da liberdade" não está coberto, também, pela mesma liberdade? Ou a liberdade vale só para quem levanta o braço?

De todo modo, dizemos isso ad argumentandum tantum. Não, senhores vereadores, o gesto nazista não está acobertado pela liberdade de expressão. Nunca. Jamais. A crítica da vereadora, sim. O STF já decidiu isso há tempo. Ah, você não gosta do STF, doutor Breno? Os vereadores não gostam do STF?

Quando tirou a sua OAB nº 65.346-SC, o doutor Brendo jurou defender a Constituição. E a CF diz que…bom, o nobre doutor Brendo deve saber muito bem o que diz a Constituição. Ou não sabe. Muitos advogados não sabem. Faltaram na aula nos dias em que se ensinou isso.

Por isso, queremos crer que a Câmara recuará. Principalmente se os vereadores da sigla MDB tiverem a pachorra de lerem textos antigos que tratam da história do partido.

Pobre Brasil. Foi tomado por grupos de WhatsApp. 

Será que a Câmara vai colocar a culpa no sofá?

De uma vez por todas: faz-se coisas com palavras e gestos. Há um livro que o doutor Breno jamais vai ler (Como Fazer coisas com Palavras, de John Austin) que mostra como se machuca pessoas com palavras e gestos.

A propósito: o Itamar, o causídico Brendo e o vereador Eskudlark já estiveram em Auschwitz? Em Dachau? Aliás, o papa Bento 16, em Auschwitz, depois de um extremo silêncio, no meio do campo, perguntou, mostrando toda a tragédia humana: Onde estava Deus?

Observemos. É tão dura essa questão do nazismo, tão chocante, que fez o papa dizer isso. Uma pergunta que exprime a pior coisa já vista pela humanidade. Os campos nazistas. E alguém quer nos dizer que, fazendo o gesto conhecido no mundo todo, aquelas pessoas estavam pedindo ajuda ao Exército?

E nada mais precisa ser dito.

Aliás, sim: sobre a manifestação com os braços erguidos, há uma filosofia muito interessante sobre o que é e o que não é. Uma grande filósofa já disse certa vez: sem dúvida, nem tudo que parece, é. Mas, tudo que é, parece.

O gesto nazista é. Por isso também parece.

Autores

  • é advogado, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016-2018, governos Dilma e Temer), mestre em direito público e doutorando em ciências jurídicas e políticas.

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